terça-feira, outubro 31, 2017

Surrealismo na Catalunha


Não sendo marxista, parece-me que aquela máxima atribuída a Marx - "a História repete-se, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa" - se deve atribuir à situação na Catalunha. Depois, de, como fuga para a frente e sem saber o que fazer, rodeado pelos que o acusavam de "traidor", Carles Puigdemont ter submetido um voto ao parlamento catalão, sem metade dos seus deputados, daí resultando uma "declaração unilateral de independência" que logo desencadeou o processo da suspensão da autonomia catalã pelo governo nacional e a marcação de eleições para Dezembro, temos a aparente fuga do ex-presidente da Generalitat para Bruxelas. Para mais, para se encontrar com os "companheiros" independentistas flamengos, e, segundo alguns, para ali arranjar asilo político, coisa desmentida pelo próprio. Mas a impressão de exílio apressado passou pela cabeça de muitos, sobretudo depois de um secretário de estado belga ter lançado a ideia da concessão de asilo a Puigdemont.

Seja como for, é mais um episódio desta história de doidos que se desenrola na Catalunha desde há umas semanas. A declaração unilateral é provavelmente o acto mais estúpido de todo este processo, mais do que as investidas da Guardia Nacional no dia 1 de Outubro. Este passeio de Puigdemont é igualmente ridículo. O Podemos, entretanto, não sabe que posição há de tomar. E Mariano Rajoy parece estar a aprender com os erros recentes e teve uma atitude equilibrada e raciona, que poderá produzir os seus frutos caso não descambe. 

Uma das melhores descrições do que se passa ouvi-a no outro dia, a propósito da exumação de um celebérrimo artista catalão: bastou desenterrar Salvador Dali para que o surrealismo espalhasse logo. 

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terça-feira, outubro 24, 2017

Dias de inferno na terra.


Não escrevi muito nos últimos dias. Nesse tempo, meio país ardeu, 45 pessoas morreram, um ministério caiu sem contemplações e houve uma moção de censura contra o Governo, que sem surpresas não passou. Desde as horas tardias de Sábado, dia 14, com uma noite em que a temperatura alta já era motivo de conversa, até terça, às primeiras horas de madrugada, quando a chuva veio finalmente pôr termo ao inferno que tantas populações viviam, o fogo destruiu quase todo o centro e uma pequena parte do Norte do país. É impossível que ninguém tenha notado - excepto nas ilhas, e não sei se no Algarve - quando a coluna de fumo afectou mesmo o Reino Unido. A atmosfera era pesada e cinzenta. De manhã, algumas estradas à volta de Braga ainda estavam fechadas, viam-se colunas de fumo que se levantavam e a estrada para Guimarães ainda tinha amplos espaços a fumegar, com a supervisão dos bombeiros. Sorte a minha, que não tive de passar o que outros passaram. Todo o vale do Dão ardeu, além de boa parte de Lafões, do Pinhal Interior e da mancha verde perto da Marinha Grande conhecido em todo o país como Pinhal de Leiria, essencial na aprendizagem da história na escola. Dezenas de pessoas morreram, outras ficaram feridas, centenas de casas, algumas de primeira habitação, arderam, bem como dezenas de empresas, sustento de tantos municípios. As imagens de desolação e do horror após esse inferno terrestre estão por toda a parte. O rasto de destruição é incomensurável. Para mais, calhou-nos um primeiro-ministro insensível que só soube gaguejar desculpas burocráticas, uma ministra do Interior sem condições psicológicas, sapiência ou competência para o cargo, e uma protecção civil aos papéis, sem dispor de meios nem de aviões para combater os fogos. 
Ficam relatos na primeira pessoas, como o do José Maria Montenegro, que felizmente conseguiu que a casa de família, em Tourais, Seia, se mantivesse. Menos sorte tiveram os meus primos Henriques Simões, de Poiares, que viram a sua centenária casa dos Moinhos, onde ainda havia arquivos dos primórdios do concelho, e onde tinha nascido o meu tio-avô Augusto Henriques Simões, arder quase por completo, restando as paredes, alguns anexos e a capela. Também as velhas casas perecem. Ironia das ironias, Poiares é precisamente o município de onde é originário e ao qual presidiu durante quase 40 anos Jaime Marta Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. 

Foto de João Pedro Pimenta.
Guimarães, 16 de Outubro de 2017- A estátua do Conquistador parece curvar-se à bandeira a meia haste.

segunda-feira, outubro 09, 2017

Ainda as autárquicas - os efeitos nacionais


Quem ainda acha que as eleições autárquicas são meramente actos municipais engana-se redondamente. Claro que á partida as pessoas votam em função das suas realidades locais. Mas para além dos efeitos nas câmaras (e consequentemente nas áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais), assembleias municipais e freguesias, os efeitos das autárquicas influenciam muitas vezes a vida nacional e os governos.


Na cronologia das nossas eleições municipais, verificamos que depois das de 1976, que repartiram  as autarquias pelos diversos partidos (com larga incidência do PSD e CDS no Norte, Centro e ilhas, do PCP no Alentejo e "cintura industrial" de Lisboa, e o PS mais transversal mas mais estabelecido no Centro e Algarve), os sucessivos resultados foram influenciando a política nacional, algumas vezes de forma imediata. Assim, as autárquicas de 1982 foram o pretexto para que o CDS rompesse com o PSD, determinando o fim da AD, que tinha baixado substancialmente, e o posterior surgimento do Bloco Central; as de 1993 reforçaram a vitória do PS de 1989 (embora depois destas o PSD revalidasse os 50% dos votos da maioria absoluta que já vinham de 1987) e permitiram que António Guterres consolidasse a sua liderança no PS, antes de chegar a primeiro-Ministro; as de 1997 implicaram a demissão de Manuel Monteiro da chefia do CDS-PP e a sua substituição por Paulo Portas; as de 2001 também iam levando à saída do próprio Portas, mas a hecatombe do PS levou antes à demissão de Guterres, do Governo e do partido, e à posterior alteração da situação política; as de 2013 permitiram que António Costa recebesse o suplemento necessário para meses depois se guindar à liderança do PS, além de surpreenderem parte do país desatento com a eleição do movimento independente de Rui Moreira para a câmara do Porto; e finalmente as de 2017 implicaram a saída de cena de Pedro Passos Coelho, após sete anos à frente do PSD, quatro dos quais como Primeiro-Ministro.

Como se vê, as autárquicas têm bem mais implicações do que a mera atribuição dos destinos de uma dada autarquia: permitem estudar a situação política e não raras vezes alterá-la. E também fazem emergir figuras que depois ocupam o centro do terreno, ou servem de trampolim para cargos mais altos, como a câmara de Lisboa tão bem comprova. Os últimos 40 anos da vida política portuguesa foram bastante influenciados por estas eleições que antigamente eram realizadas sob o frio de Dezembro e agora passaram para esta calidez de princípios de Outono. Balsemão, Guterres e Passos que o digam.

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domingo, outubro 08, 2017

Ainda as autárquicas - e os maoístas que recebem dinheiro do estado?


Ainda gostava de saber como é que um partido cujo líder nunca aparece e que escreve missivas ameaçadoras a insultar os adversários e a enaltecer o terrorismo islâmico, não raras vezes sob pseudónimos ridículos, que organiza congressos clandestinos, que nunca atende a chamadas telefónicas nem a toques de campainha na sede, que chama "traidores" a todos os adversários e que, sendo contra a democracia e clamando pela "revolução operária", recebe mais de 180 mil euros anuais de subvenção do estado, participa nas autárquicas sem que ninguém lhes pergunte nada. Não haveria nenhum jornalista que perguntasse aos candidatos do MRPP o porquê de Arnaldo Matos se esconder, quais os seus propósitos para as autarquia, e já agora, o que era feito de tal subvenção que pelos vistos coincidiu com a tomada do poder do partido por dementes?

sexta-feira, outubro 06, 2017

Análise global aos resultados autárquicos


Algumas análises das autárquicas feitas pelos actores políticos pecam pela ligeireza. Não é lá muito rigoroso dizer-se que "á uma vitória dos partidos que sustentam a maioria e uma derrota para a direita" (e menos ainda a lengalenga da CDU do "reforços de posições", que finalmente tiveram de ultrapassar). A verdade é que o PS é o grande vencedor e o CDS o outro vencedor. O PSD e a CDU são os grandes derrotados e o Bloco, se ganha um lugar em Lisboa, fica a milhas de reconquistar Salvaterra e redemonstra não ser um partido com implantação municipal.

O discurso de derrota do PSD constituiu um autêntico pré-anúncio de demissão de Pedro Passos Coelho. O agora líder cessante estava há muito desgastado, o aparelho partidário e os "barões" estavam saturados e o seu prazo de validade já tinha passado. As autárquicas foram o golpe final. Se pensou que os resultados seriam menos negativos, então não lhe restaria mesmo qualquer alternativa. Não só foram péssimos como o PSD perdeu o controlo nas grandes áreas urbanas e a indefinição sobre os candidatos a Lisboa revelaram-se ainda mais desastrosas do que o inicialmente previsto. Nada se salvou. Finalmente percebeu que a saída era inevitável. Entretanto, começou a guerra da sucessão, que poderá ser curta se só Rui Rio, o único confirmado, avançar.

O PCP perdeu muito, em sítios inesperados (Almada acabou por ser a estocada final, já que a sua perda por escassos votos para Inês Medeiros só se confirmou quando a noite já ia avançada). Perdeu câmaras simbólicas, coisa que ninguém apostaria, cerca de dez, perdeu votos, percentagens, vereadores, juntas de freguesia. Desta vez não houve "discurso de consolidação" que lhes valesse. E as reacções não têm sido nada boas. Ainda por cima, quando o PS tanto evitou bicadas aos socialistas. Mesmo Assim, Jerónimo acusa o PS e o BE, ameaça não fazer qualquer acordo nas câmaras que perdeu, e não certamente por acaso já se ouvem ecos de greves anunciadas convocadas pela CGTP.

O CDS, sozinho, não teve grande votação, mas se juntar uns pontos das coligações com o PSD obtém números razoáveis. Pedia-se que Assunção Cristas tivesse mais de 10% em Lisboa e que mantivesse as cinco câmaras. Conseguiu mais e 20% na capital, o melhor de sempre deste partido (em coligação com MPT e PPM), ainda melhor que o também segundo lugar em 1976 e que permitiu a Abecassis encabeçar a AD depois vencedora, e adicionou Oliveira do Bairro à contabilidade (mantendo, como sempre, Ponte de Lima). O CDS confirma a inversão iniciada em 2013 da queda acentuada na política local que se verificava desde os anos oitenta e Cristas confirma e reforça a sua liderança e eclipsa a imagem de Paulo Portas, cortando as últimas amarras. É doravante a líder quase incontestada do partido. 

O Bloco confirma-se como pequena força autárquica: teve mais votos e mais vereadores, ganhando a aposto Ricardo Robles em Lisboa e tendo contribuído para a derrota da CDU em Almada, mas falhou a entrada na executivo no Porto e ficou a anos-luz de reconquistar a sua antiga câmara de Salvaterra de Magos. Terá de esperar por outros "desertores" de esquerda.

Os independentes deram cartas. Rui Moreira ganhou de novo e com maioria absoluta, Isaltino arrancou Oeiras ao anterior movimento que o apoiava, em Portalegre ou Estremoz mantiveram as respectivas câmaras eme locais como Águeda ou Terras de Bouro conquistaram novas. "Verdadeiros" ou gente que bateu  porta com o ex-partido e regressa para se vingar, as candidaturas independentes vieram para ficar.

E o PS? O PS ganhou. Largamente. Maior vitória de sempre numas autárquicas, maior número de câmaras, de vereadores, de deputados municipais, de juntas de freguesia, manteve concelhos como Lisboa, Sintra, Gaia, Funchal, Gondomar, Coimbra e Barcelos, reconquistou Matosinhos, Beja, e Chaves, entre outros, e alguns municípios onde nunca tinha ganho, como Almada, Mirandela, Paredes e Marco de Canaveses. Só no Minho é que as coisas correram pior, com a perda de alguns concelhos. O problema é que a vitória poderá ter sido demasiado grande e provocado feridas na Geringonça, nomeadamente no PCP, que já vocifera e prepara algumas greves via CGTP. É esperar para ver.


terça-feira, outubro 03, 2017

Tem a palavra o Rei


Na Catalunha assistimos a acontecimentos contraditórios e caóticos: o governo nacional a reagir à paulada, com cargas policiais desproporcionadas e excessivas que não auguram nada de bom; o governo regional a fazer um plebiscito violando a constituição, o estatuto autonómico e as próprias regras da assembleia regional; o dito plebiscito feito em urnas transparentes, com boletins trazidos de casa e eleitores a votar mais do que uma vez; protestos contra Piqué no treino da selecção espanhola, minando ainda mais o ambiente; e o presidente da Generalitat a anunciar uma futura "declaração unilateral de independência" quando a maioria dos eleitores recenseados nem votou (e os que votaram fizeram-no sabe-se lá em que condições), e nem sequer houve observadores internacionais, como se exige nestes casos. No fundo, mais uma vez chocaram o autoritarismo castelhano e o anarquismo catalão; noutras ocasiões em que tal aconteceu, mesmo quando conseguiram resolver o diferendo, houve sangue pelo meio.

Perante isto, e com a cegueira de parte a parte, impõe-se a intervenção do órgão mais livre e mais respeitável de Espanha: a Coroa. Felipe VI tem o dever de falar e de actuar como o obriga a Constituição. Tal como o seu Pai, que em 1981 usou as suas prerrogativas de soberano para acabar com um golpe de estado militar e consolidar a democracia.
PS: O Rei falou, enfim. Teve um discurso duro e não hesitou em acusar a Generalitat pelos acontecimentos que se têm passado. Talvez preferisse algumas palavras de conciliação, mas também tinha que marcar uma posição. Afinal de contas, é o garante da unidade da nação.

segunda-feira, outubro 02, 2017

O grande vencedor?


Ao ver as capas dos jornais, dir-se-ia que o grande vencedor destas autárquicas é Fernando Medina. Que é o PS no seu conjunto não restam quaisquer dúvidas, e só alguém muma dimensão paralela o poderá negar. Que Medina ganhou também não. Mas ser o grande destaque? Medina perdeu a maioria absoluta e 9% em relação há 4 anos, mas parece que todos se esqueceram disso (e Assunção, sem o PSD, apenas juntando o PPM ao CDS e MPT, teve quase tanto como Fernando Seara em 2013). Além do mais, teve todas as facilidades e mais algumas, entre apoios, divisão dos adversários, boas notícias para o Governo, etc. Entretanto, Rui Moreira não só voltou a ganhar como subiu até aos 44% e conquistou a maioria absoluta. Teve um caminho muito mais espinhoso, não tinha os meios nem os apoios que Medina teve, em termos de partidos apoiantes só contava com o CDS e o MPT a seu lado, e para mais, até as sondagens lhe foram adversas - as mais favoráveis ficaram aquém do resultado real. No entanto, parece que a única matéria de destaque é o seu discurso. E o PS, que teve um extraordinário resultado no Grande Porto (tirando a perda de Vila do Conde), fica arredado da governação da cidade por culpa do pecado da gula da sua direcção nacional. Ao mesmo tempo, o PSD, que até há 4 anos governou esta cidade com maioria absoluta, teve um resultado irrisório. E diga-se o que se disser das crí­ticas de Moreira, a culpa não cabe só a Álvaro Almeida, que realmente, e para o bem ou para o mal, não tem um perfil muito político. Por outro lado, os partidos mais à esquerda tiveram também fracas percentagens: a CDU por pouco ficava pela primeira vez fora do executivo. Talvez seja a altura de se ir renovando, pese o bom currículo de Ilda Figueiredo. O BE subiu um bocadinho, mas como sempre ficou fora. Pela 4ª vez, Teixeira Lopes ficou à  porta da vereação. Também aqui deviam pensar em fazer algumas mudanças, até porque dá ideia que o Bloco no Porto só tem actores ou sociólogos.

Ainda sobre as sondagens e seus erros: trabalhei muitas vezes para as sondagens do CESOP da UCP, de urna às costas ou de computador à  ilharga, por terras remotas e por subúrbios que desconhecia. Conheço os métodos rigorosos que utiliza, e por isso é que as suas previsões são as mais certeiras (foram os únicos a prever o triunfo de Moreira há 4 anos, e também os primeiros a prever a revalidação da maioria cavaquista em 1991). Desta vez, ao dar empate com o PS, falharam redondamente. Prova-se que as crí­ticas de Moreira tinham razão de ser. Espero que tenha sido um percalço sem continuidade e que voltem ao rigor e exigência que sempre tiveram.

Foto de João Pedro Pimenta.