terça-feira, abril 25, 2017

O regime vigente de França continua a depender dos partidos.


É verdade que Vª República francesa sofreu o maior abanão desde a sua criação, em 1958. Um candidato gaullista ficar de fora da segunda volta é absolutamente inédito, tirando os anos Giscard D´Estaing, entre 1974 e 1981. Um candidato socialista obter menos e 7% seria impensável até há poucos anos, e note-se que o candidato dos socialistas ganhou as últimas presidenciais e ainda está no Eliseu. Para os socialistas, fica a pequena consolação de ver um seu ex-militante e ministro ganhar a 1ª volta e muito provavelmente a segunda. Ainda assim, Benôit Hamon colhe um resultado humilhante e fica muito abaixo, mais de dez pontos, de Jean-Luc Mélenchon, representante da esquerda radical, e ligeiramente à frente do conservador Dupont-Aignant, outsider da corrida. Como se o PS francês tivesse recuado quase 50 anos, já que só nos anos sessenta é que vemos pela última vez o partido comunista (principal frça apoiante de Mélenchon) a obter mais votos que os socialistas.

Para os gaullistas (prefiro chamar-lhes assim porque o agora Les Republicains passa o tempo a mudar de nome), é um resultado desolador, para quem há poucos meses era dado como vencedor antecipado, mas esperado, dada a queda de Fillon, a partir de Fevereiro, depois de sabidos os esquemas em que estava envolvido. O candidato ficou em terceiro lugar, relativamente próximo de LePen mas apenas umas décimas à frente de Mélenchon.

Para a candidata da Frente Nacional é um resultado histórico, mas um pouco aquém do que se chegou a prever (perto de 30% e a vitória na primeira volta). Fica longe de poder disputar a 2ª volta até ao último momento. Ainda assim, fortaleceu-se em zonas onde tem obtido votações muito altas, como o sudeste (Provença e Côte d´Azur) e o noroeste industrial. Em compensação , em Paris obteve uma votação fraquíssima: apenas 5%; metade, por exemplo, da votação de Hamon.
E para Emmanuel Macron é a quase chegada ao topo de um político que, ao contrário da maior parte dos representantes da classe, não tem uma longa carreira atrás de si. Com menos de 40 anos, será provavelmente os mais jovens líderes executivos no activo, no que apenas se pode comparar a Matteo Renzi, que já nem sequer está em funções. E olhando para os antecessores, reparamos que apenas Giscard chegou ao Eliseu com menos de 50 anos (tinha 48 em 1974). Sarkozy e Hollande, na casa dos 50 quando ganharam os seus mandatos, também eram considerados relativamente novos.

Se Macron for, como tudo indica, eleito no dia 7 de Maio, será um presidente em partido. Mesmo que LePen ganhasse, a sua Frente Nacional teria escassíssima representação nas câmaras legislativas. E em Junho há legislativas, que continuam a decorrer sob o método de círculos uninominais. É pouco provável que o movimento En Marche de Macron concorra, com um tal método que exige tantos candidatos. E a Frente Nacional, mesmo que obtenha muitos votos, tem a crónica dificuldade de eleger deputados. Assim, veremos as máquinas partidárias em movimento e os tais partidos "tradicionais em crise" ocupar a maioria dos lugares parlamentares, embora as presidenciais possam influenciar as escolhas (dando mais votos ao movimento de Mélenchon, por exemplo). E tudo isso influenciará o novo executivo e obrigará Macron a procurar apoios em várias bancadas da Assembleia Nacional. As presidenciais são apenas o começo: o futuro da Vª República francesa dependerá, e muito, das legislativas que se seguem.

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domingo, abril 23, 2017

Tempo pascal


Não desejei uma Santa Páscoa aos caros leitores. Mas como ainda estamos em período pascal, mais precisamente na pascoela, acho que ainda vou a tempo.

Deixo-vos com esta imagem de renascimento, que não sendo de ressurreição, bem pode ilustrar o começo (ou recomeço) de algo novo.

sexta-feira, abril 07, 2017

O pós-clássico e o que sobra do campeonato


O clássico que, como sempre nestas ocasiões, ia ser " jogo do ano" e ia "determinar o próximo campeão nacional" saldou-se, como tantas outras vezes acontece, por um empate, apesar de intenso e interessante. E um empate a saber a pouco, depois da quantidade de oportunidades perdidas às mãos de Casillas, que tal como no ano passado, voltou a fazer uma grande exibição na Luz. À partida, e ao ver as ausências de Fejsa e o sempre adiado regresso de Grimaldo, temi o pior, talvez influenciado pelos cânticos de vitória antecipada entoados pelos portistas, para quem a vitória nem se punha. No fim, a desilusão com o mísero ponto de avanço, contrastando com a felicidade dos adeptos e atletas do Porto, em claro esquecimento da confiança inicial. Talvez Nuno Espírito Santo tenha jogado de forma a pensar que a perda de pontos do Benfica em Alvalade são favas contadas, como aliás reafirmou, mas é um cálculo perigoso. Recorde-se que depois do Sporting-Benfica do ano passado, nenhuma destas equipas perdeu mais qualquer ponto. Mas pior do que a desilusão é ver um autêntico mercenário como aquele lateral uruguaio que, não contente de comemorar o golo a festejar simiescamente contra o clube onde jogou durante 8 anos, ainda se fartou de entrar por várias vezes nas canelas dos adversários, alguns dos quais seus antigos colegas, o suficiente para uns 4 amarelos. Um espectáculo deprimente, mas depois não se venham queixar os adeptos portistas de que falta mística no seu plantel.

Entretanto, houve o jogo da Taça. Pareceu-me que havia demasiada confiança na passagem, a avaliar pela convocatória e pela equipa principal, como demasiadas mexidas e muitos jogadores sem ritmo. Com um Estoril sem nada a perder, a coisa ia-se complicando com um perigoso empate a 3. Salvou-se a passagem à final do Jamor, (a 36!), para reencontrar o Vitória de Guimarães, o golo de Zivkovic, a exibição de Carrillo e o regresso de Grimaldo.

Tirando a final da Taça, o Benfica em apenas os jogos do campeonato, e nenhum deles se afigura fácil. Além disso, tem de contar com a aliança entre Porto e Sporting, que já revelou os seus traços esta semana, com os sportinguistas a intervir num jogo onde não foram tidos nem achados para pedir um castigo para Jonas e Samaris, por supostas "agressões". O pedido em si já é patético, sobretudo vindo de um clube que viu Slimani ser castigado na época seguinte por um autêntica agressão num jogo com o Benfica. E é ainda mais aviltante por se tratarem de dois casos em que não houve qualquer agressão. Mas a "mentira mil vezes contada" já está a fazer o seu caminho, e temos agora uma data de lunáticos a afirmar que sim senhor, houve agressões dos dois. A haver alguma expulsão seria a do mercenário uruguaio, mas curiosamente isso passou despercebido. Já se sabe, o Benfica controla a comunicação social.

É uma velha sina: o Benfica tem de jogar o dobro para ser campeão, uma vez que tem como principais adversários dois clubes que acima de tudo, não o querem ver ganhar, mais do que ao outro que sobra. Mas se conquistar o inédito tetra, para não falar da Taça, será ainda mais saboroso. Não menos do que a conquista do tri do ano passado, contra um Sporting que apostou todas as fichas e em que o Benfica era dado como derrotado à partida. Veremos.

terça-feira, abril 04, 2017

No delito de Opinião



A partir desta semana estarei também no Delito de Opinião. O primeiro texto é precisamente o anterior que também publiquei aqui, com o título ligeiramente alterado. Mas descansem os que cá vêm porque isso não implica o fecho de A Ágora.

domingo, abril 02, 2017

O drama da direita tradicional francesa


Ou François Fillon é perfeitamente inábil, ou a fortuna abandonou-o definitivamente depois das surpreendentes primárias em que se içou a candidato da direita republicana francesa. Há dias realizou uma manifestação no Trocadéro, com a Torre Eiffell em fundo, e que reuniu algumas dezenas de milhares de apoiantes, para afirmar que prosseguia como candidato e atirando-se à justiça e aos correlegionários partidários que o haviam abandonado. Uma prova de força lhe deu algum oxigénio e que obrigou o partido a reafirmar o seu apoio, ao mesmo tempo que Alain Juppé se mostrava indisponível para ser um "plano b". Até algumas formações que o haviam abandonado voltaram de repente atrás. Mas novo caso bizarro, o dos fatos comprados a preço de ouro a alfaiates parisienses de renome, alguns deles pagos em numerário por "amigos" (o que é que isto nos lembra), veio manchar de novo o suposto currículo impecável de Fillon. E depois disso, vieram à superfície novos rumores que não abonam nada a favor da auto-propalada integridade do candidato gaullista.
 
 
No debate a cinco que se seguiu, Fillon tentou dar um ar da sua graça, mas passou despercebido e a sua prestação só ficou acima da de Benôit Hamon, o candidato oficial e nada consensual do PS francês. Único ponto a favor: era o que tinha a gravata mais elegante.
 
 
Recorde-se que Fillon era, até há semanas, o provável vencedor tanto da primeira como da segunda volta das presidenciais francesas. A rejeição a Marine LePen, as lutas internas do PS francês e a pouca relevância a que a esquerda radical está votada, numa eleição a que se apresentam quase 50 candidatos (incluindo trostquistas, bonapartistas e simples apêndices zangados das forças maiores), fazia prever que Fillon fosse o próximo locatário do Eliseu. A partir do momento em que os cargos da família Fillon vieram à ribalta pública, através do impiedoso Canard Enchainé, as intenções de voto caíram e emergiu Emanuel Macron, o candidato do centro sem suporte partidário.

O drama de Fillon parece ser, como já muitos jornais franceses salientaram, uma repetição do que aconteceu a Edouard Balladur nas presidenciais de 1995. Em fins de 1994, Jacques Delors, a cessar o seu mandato na Comissão Europeia e largamente favorito entre os eleitores para suceder a François Mitterrand, declarou-se fora da corrida. O PS francês teve de se contentar com Lionel Jospin, abrindo caminho ao favoritismo do centro-direita. Jacques Chirac, então maire de Paris, ex Primeiro-Ministro e antigo candidato derrotado em anteriores presidenciais (o que em França dá estatuto de persistência), era a escolha óbvia da aliança gaullista-liberal entre o RPR e a UDF. Mas o então Primeiro-Ministro, Edouard Balladur, com largos apoios à direita e no governo, resolveu avançar e dividiu todo aquele espectro político. A alguns meses das eleições, era o favorito nas sondagens, tanto na primeira como na segunda volta. Mas aos poucos, o seu ar demasiado senhorial, alguns casos obscuros emergentes, as suas ideias sociais pouco populares e a pouca simpatia que a personagem despertava no "homem comum" fizeram-no cair do pedestal. Balladur tinha allure de chefe de estado, mas era pouco comunicativo e empático. O contrário de Chirac, uma velha raposa, um gaullista à antiga, afável e acessível, que aos poucos subiu nas sondagens, e em Abril de 1995 passou à segunda volta, com Jospin, deixando Balladur para trás, após o que seria, sem surpresa, eleito Presidente de França. O então chefe de governo demitiu-se, e com ele os jovens turcos que o tinham apoiado, como François Fillon e Nicolas Sarkozy. François Bayrou, que também lhe tinha dado o apoio, transitou para o novo governo, que seria chefiado por Alain Juppé, até ali Ministro dos Negócios Estrangeiros e apoiante indefectível de Chirac.
 
 
A história presidencial em França parece repetir-se 22 anos depois, no mesmo sector, com a diferença de que desta vez a segunda volta não deverá ser entre um gaullista e um socialista. As forças políticas mudaram, mas muitos dos seus intervenientes não, em especial algumas figuras que conviveram no mesmo governo: Fillon (nem de propósito, apoiado por Balladur) é um candidato em desgraça; Sarkozy antecedeu-o; Juppé caiu mas ia sendo repescado; e Bayrou, que aprendeu a apostar no cavalo certo (Sarkozy primeiro, Hollande depois), apoia Emanuel Macron e pode voltar à ribalta política, se a sua aposta se voltar a concretizar. A política francesa, com as suas reviravoltas, apoios, dissensões e "richelieunismos vários, continua a ser um apaixonante manancial de interesse na política europeia.