domingo, janeiro 31, 2016

As apressadas previsões de "declínio" do PCP


No último post escrevi que as previsões de declínio do PCP eram precipitadas. Entretanto, já ouvi mais alusões ao mesmo, agora insufladas por filo-feministas ainda escaldados com a expressão de Jerónimo na noite eleitoral "podíamos ter escolhido uma candidata mais engraçadinha". Ou seja, o PCP começou o declínio definitivo até ficar ao nível do MRPP, o Bloco consolidou-se e prepara-se para quebrar o PS como o Syriza ao PASOK, etc. Convinha alguma calma. Afinal de contas, o PC já teve o seu declínio acentuado durante anos, até à queda do comunismo na URSS e à desastrosa colagem ao golpe de estado contra Gorbatchov, e desde então tem-se aguentado. Aliás, dizia-se precisamente o contrário há ano e meio, dois anos: que o PCP tinha renovado as suas caras e revelado a sua "experiência política" de muitos anos, e que o Bloco se afundava no seu saco de gatos ideológico, perdia gente valorosa e estava condenado ao desaparecimento a prazo, face ao mais sólido vizinho da esquerda e ao menos sectário Livre. Não aconteceu assim há muito tempo...

Qualquer previsão pontual do declínio de qualquer partido (também se ouve constantemente que "o CDS vai voltar a ser o grupo do táxi, como se isso não tivesse ocorrido quando o PSD teve as suas maiorias mais robustas) corre o risco de ser refutada pouco tempo depois. É bom relembrar que o PCP tem um fortíssimo braço sindical chamado CGTP (e nem o disfarça, como se viu numa manifestação recente em que acabou tudo a cantar a Internacional) e os sectores dos transportes, uma implantação autárquica coesa e reforçada nas eleições de 2013, com as reconquistas de Évora, Beja e Loures, um grande número de militantes fiel ao "partido", e continua a fazer parte do imaginário da "resistência antifascista" e a ser a voz ou até a família de muita gente, particularmente na Margem Sul do Tejo e no Alentejo, mais do que em Itália, França ou Espanha (onde teve a "concorrência" dos anarquistas, coisa que nunca aconteceu realmente por cá). E tem tido uma renovação de quadros lenta mas consistente. Ainda terá muitas palavras a dizer no apoio a este governo...ou na sua queda. Por isso, cuidado com essas precipitações.



Distrito de Beja presente na Festa do Avante
PS: como não podia deixar de ser, Vasco Pulido Valente também se meteu ao barulho, com um artigo que começa com esta espantosa frase: "O prestígio do Partido comunista Português começou a diminuir depois da Guerra...". A partir daí, desenvolve-se um rol de piadas involuntárias, como se o PC tivesse sido uma organização menor durante o Estado Novo e no pós-25 de Abril. Melhor do que isso, seria dizer que o movimento comunista internacional e a URSS perderam prestígio depois da Guerra. Por muito previsível que VPC seja hoje, tem momentos em que consegue surpreender. E no entanto, já teve escritos de bom rigor e invejável lucidez.

sexta-feira, janeiro 29, 2016

Presidenciais - rescaldo dos outros



Depois de Marcelo, fica aqui uma pequena resenha sobre os outros candidatos.

Sampaio da Nóvoa teve um resultado mediano. Fraco por nem chegar a fazer cócegas a Marcelo e por não ser nada de especial com os apoios recebidos (três ex-presidentes, como repetiu vezes sem conta, e o grosso do PS), e ao mesmo tempo forte pela sua escassa notoriedade fora dos círculos académicos até há pouco tempo e pela imagem construída à pressa, mas que ainda assim lhe valeu ser o principal candidato da esquerda e o melhor colocado para ir a uma hipotética segunda volta. O que fará Nóvoa fora da universidade só ele o saberá dizer. Mas se tem ambições políticas, deverá evitar a tentação de fazer dele os votos que recebeu, como Manuel Alegre com o "seu milhão" há dez anos, e já agora, de dar alguma substância ao discurso.

Maria de Belém, um erro de casting desde o início, teve o tombo destas eleições. Um resultado vergonhoso, dados os apoios e as expectativas, quando se pensou que ficaria em segundo, e todas as sondagens lhe davam mais de 10%, no mínimo dos mínimos. A morte súbita de Almeida Santos, dois dias depois de a apoiar publicamente, era um mau prenúncio para o episódio lamentável do pedido de fiscalização das subvenções vitalícias, em que esteve envolvida e de que se defendeu da pior forma possível. O comício quase vazio de Lisboa fazia antever isso mesmo. Com uma enorme dívida de campanha por nem sequer ter chegado aos 5% (pior, por exemplo, do que os do CDS do "táxi"), a derrota de Belém marca os mais que prováveis fim da sua carreira política e afastamento dos "venerandos" do partido, como Alegre, Alberto Martins ou Vera Jardim (sem falar em Almeida Santos), além de um golpe para o sector segurista, que apoiou timidamente Belém, enfraquecido mas não desaparecido.

Marisa Matias repetiu o bom resultado do Bloco de Outubro. Apesar da habitual volatilidade dos seus votos, os bloquistas consolidaram-se como terceira força política, pressionam mais o PS e ganharam a habitual batalha pela "esquerda da esquerda" ao PCP. Mas os números devem-se antes de mais à personalidade combativa e empática de Marisa e ao morno ou nenhum entusiasmo com as candidaturas de Nóvoa e Belém.

Edgar Silva, o escolhido do comité, com a campanha mais partidarizada de todas, teve o pior resultado de sempre dos comunistas nestas eleições. Um candidato simpático mas politicamente fraco e pouco conhecido fora da Madeira só não teve números piores graças aos votos do arquipélago, onde o PC é pouco mais que residual. Apesar do eufemismo dos"objectivos não alcançados", a cara e os desabafos de Jerónimo mostraram bem o desastre desta candidatura, ainda por cima a mais dispendiosa de todas, com uma campanha tão igual às habituais do PC que só faltava mesmo o símbolo partidário. Escassos votos, comparação vergonhosa com o Bloco, Marcelo a ganhar à primeira: um pesadelo para o velho PCP, que só não piorou porque ficaram à frente do Tino de Rans. Mas não será avisado afirmar que o declínio dos comunistas é irreversível e que perderam o lugar definitivamente para o Bloco. Em Portugal, como se sabe, o PC tem muitas vidas.

Tino de Rans, o "independente" com melhor votação. Ficou pouco atrás de Belém e de Edgar Silva. Animado, simplório, brincalhão, verdadeiro, muitos  - sobretudo entre Valongo e Penafiel - se reconheceram nele. Antes de reduzir o homem ao palhaço que não é, convinha estudar melhor os eleitores antes de orçamentos excessivos para campanhas "à americana". Fará alguma coisa com mais este balão de notoriedade?

Paulo Morais teve uma votação ao nível do que as sondagens revelavam. O discurso da corrupção fica sempre bem, mas isolado torna-se excessivo e cansativo. Veremos que meios é que vai utilizar para a sua campanha, sendo que se arrisca a ficar com uma imagem demasiado moralona.

Henrique Neto teve provavelmente o resultado mais injusto de todos. Os escassos 0,8% foram de menos para uma candidatura respeitável (a primeira a ser lançada, aliás), com algumas ideias e um pensamento estratégico, com uma interessante lista de apoiantes e que não dependia de partidos nem de apoios financeiros obscuros. Vítima provavelmente de votos úteis, espera-se que perto dos oitenta anos, Neto continue a intervir, e já agora, a servir de modelo para outros empresários.

Jorge Sequeira ganhou a liguilha dos últimos a Cândido Ferreira. Apesar de tudo, o psicólogo optimista de Braga mereceu mais que o irritante e enfatuado médico de Leiria, ou de Cantanhede (fiquei sem perceber), que lançava acusações sobre todos em cada dia e que se ufanava de ser o único candidato que tratava António Costa "por tu". Serviu-lhe de muito.

E sinceramente, acho que não se podem tirar muitas mais conclusões políticas sobre estas eleições, excepto a de que António Costa continua a perder (já é a terceira seguida como secretário-geral do PS) sem que isso lhe faça grande mossa. Mas convinha para seu próprio bem não ganhar o hábito).


segunda-feira, janeiro 25, 2016

A hora de Marcelo





Acabou a dúvida. Marcelo ganhou mesmo à primeira volta, como se calculava. Ainda havia a ligeira hipótese de segunda volta (que estou convencido que ganharia na mesma), mas fomos poupados a mais semanas de campanha a dois.


E já que era preciso escolher alguém, então que fosse Marcelo. Porque era apesar de tudo o melhor dos candidatos, porque é uma personalidade divertida e inteligente (com essa dupla personalidade professoral e pantomineira), que sem dúvida vai animar mais Belém do que o inquilino cessante, porque não tem casos obscuros de ilegalidades a manchar a sua carreira, porque suportou acusações patéticas de "amigo do grande capital", "conspirador", "fascista", e outras analfabetices jurássicas, e porque já merecia uma consagração política assim. O sonho de Marcelo de chegar à presidência já tinha uns anos e era um segredo de Polichinelo. A única dúvida seria se Guterres teria idêntico plano, o que há partida era duvidoso, mas afastada a interrogação, o professor de Direito pôde ir preparando serenamente a sua corrida de fundo triunfal. Conseguiu enfim aquilo que já lhe tinha escapado noutras ocasiões, com alguma pouca sorte à mistura nos timings: quando se candidatou à câmara de Lisboa, em 1989, pelo PSD e CDS, teve de enfrentar uma coligação inédita e quase imbatível entre PS e PCP presidida pelo então líder socialista, Jorge Sampaio; mais tarde enquanto líder do PSD precisamente na ressaca do cavaquismo e quando Guterres estava em estado de graça, ou seja, na pior altura, viu o seu efémero construção de uma nova AD estourar à conta dos casos e indiscrições de Paulo Portas. Falhados estes dois projectos, e visto então como mau estratega, acertou em pleno na sua aposta a Belém, vendo assim recompensada uma espera paciente e frutífera, ainda para mais com o nariz torcido dos líderes partidários da sua área política. Chegou a sua hora, e logo como chefe de estado.


Os outros ficam para amanhã. Tal como reservei um post só para Marcelo antes das eleições, faço o mesmo agora.



sexta-feira, janeiro 22, 2016

Sociologia musical


Desculpem ir contra a "indignação geral" que se gerou nas redes sociais (de que vivem, aliás), mas não percebo a fúria contra as declarações de Augusto Santos Silva sobre Tony Carreira e o "sonho de sociólogo" de assistir a um dos seus concertos. É sabido que o actual MNE é um sociólogo com obra publicada sobre a cultura musical, os seus impactos e a sua contribuição para mudanças na sociedade (no punk, por exemplo). É perfeitamente natural que se interesse pelo fenómeno Tony Carreira, pelas multidões que arrasta e pela veneração em Portugal e entre portugueses espalhados pelo mundo, sem que tenha directamente a ver com gostos musicais. É sociologia, não crítica musical, ok?


PS: o mesmo não se diga da atitude mesquinha da embaixada portuguesa em Paris em recusar, desdenhosamente, que Carreira recebesse lá a condecoração atribuída pelo estado francês, e ainda vir com explicações protocolares absolutamente esfarrapadas.


quarta-feira, janeiro 20, 2016

Uma espécie de campanha


Apesar de não ser republicano, tenho seguido esta espécie de "campanha" eleitoral com o interesse que ela merece. Hoje, no debate com quase todos (embora não tenha dado pela falta compreensível de Maria de Belém, que de resto só iria despoletar mais dedinhos apontados inúteis entre quem é ou não o verdadeiro candidato do PS), tirei as confirmações que se impunham. Que Edgar Silva, pese toda a estimável carreira social, é uma cassete e das mais soporíferas. Que Paulo Morais é monotemático e mesmo parecendo que sabe do que fala, confunde as funções do poder judicial com as do moderador. Que Tino ( e também Jorge Sequeira) é bem intencionado e não é parvo, mas como lhe dizia uma vendedeira idosa no bolhão, com autêntica sabedoria popular, "ó filho, tu até és inteligente, mas cada macaquinho no seu galho..."; que Marcelo, entre o afável e o doutoral, se esquiva bem e está mais que preparado para a função de estado; que de Henrique Neto esperava mais, e mais ideias do queixas, apesar de tudo, e a Sampaio da Nóvoa achei-o pouco ousado e mais discreto do que se esperava para alguém que realmente ambiciona o cargo. Marisa Matias surpreendeu-me pela positiva, genuinamente combativa e menos ideológica do que o costume. Ah, e outra confirmação: Cândido Ferreira limitou-se a dizer parvoíces e a lançar ataques ineficazes e supra-calúnias, que é a única coisa que tem feito na sua patética campanha.

 Que regressem os últimos dias de cumprimentos, beijos, "esclarecimentos" e carne assada.

sábado, janeiro 16, 2016

Doze



Apenas isso. Este blogue nasceu mais ou menos por esta hora, há exactamente doze anos.

sexta-feira, janeiro 15, 2016

Alan Rickman, outro "mau da fita" desaparecido



Apenas meio ano depois de escrever sobre os maus da fita no cinema e de enumerar alguns casos mais visíveis, um deles, Alan Rickman, desapareceu esta semana, com a mesma idade de David Bowie, 69 anos (à conta disto já começam a circular piadas sobre os 69 serem os novos 27, por causa da quantidade enorme de músicos que morreram com essa idade, ou da maldição de em cada golo de Aaron Ramsey morrer uma celebridade no dia seguinte).

Muitos lembraram-se dos seus papeis do temível Hans Gruber, o magnífico capo terrorista de Assalto ao Arranha Céus, ou do professor de Harry Potter (julgo que não era uma personagem lá muito simpática). Além de outras interpretações em que não era exactamente o mau da fita, como em Sensibilidade e Bom Senso ou Michael Collins, em que fazia de Eamon de Valera (que também não era apresentado propriamente como uma figura simpática), ou, já no ano que passou, um Luís XIV menos "solar" e emocional e "terra-a-terra", num filme simpático realizado pelo próprio, sobre a elaboração dos jardins de Versailles, mais destaco uma: a do Sheriff de Nottingham, de Robin Hood, Príncipe dos Ladrões, hoje não tão lembrado, um filme que à época teve grande sucesso comercial e que contava com Kevin Costner, na altura uma superstar do cinema, no papel principalNuma personagem que juntava comicidade à crueldade, Rickman "roubava" todas as cenas em que entrava, o que lhe deu um valente empurrão para poder ser considerado um dos actores de cinema mais especializados em fazer de (bons) maus da fita.



quarta-feira, janeiro 13, 2016

O Palacete


Depois de anos e anos a prometer que ia criar o seu próprio blogue, cumpriu agora, contra a corrente, numa iniciativa arriscada numa altura em que as redes sociais fazem concorrência à blogoesfera, com notório prejuízo de textos bem escritos e informados. José Maria Montenegro, prestigiado causídico, convicto democrata-cristão, portuense com uma costela beirã, torguiano de alma e portista ferrenho (hélas, todos temos defeitos) começou 2016 abrindo O Palacete. Vão lá dar uma olhada que a porta está aberta e a visita aos salões é livre.

segunda-feira, janeiro 11, 2016

Paulo Portas, legado e futuro



A par das presidenciais, um dos grandes assuntos políticos do momento é a saída de Paulo Portas da liderança do CDS-PP e a sua difícil sucessão.


Sobre isso, tem havido artigos e artigos, dúvidas e interrogações, sobre a carreira de Portas e o que fará a seguir. A carreira é conhecida: jornalista desde muito novo, militante da JSD durante algum tempo, director do Independente nos anos do Cavaquismo, arquitecto do "monteirismo, deputado de rompante do CDS-PP, líder do partido, ministro da Defesa, e depois de um hiato de dois anos, de novo líder do partido e retorno ao governo, à importante pasta dos Negócios Estrangeiros e ao recriado cargo de Vice-Primeiro-Ministro. Um longo percurso político, mais rico do que o de qualquer ex-líder do seu partido (e não me esqueço de Adriano nem de Freitas), contrabalançado pelas inúmeras controvérsias, das intrigas políticas e quezílias birrentas aos casos mal explicados, acabando tudo na famosa "decisão irrevogável", que até hoje ainda não percebi se foi uma atitude racional ou um impulso.


Portas é das figuras políticas mais interessantes dos últimos quarenta anos. Desde logo porque não é muito comum ver-se um jornalista, para mais com ares rebeldes, entrar na política e ascender a uma cúpula partidária. Conseguiu dar outra importância ao CDS-PP, não deixando tombar de novo no "rigorosamente ao centro" que o tornou no "partido do táxi" e corrigindo um  caminho demasiado para a direita e o eurocepticismo, e levou-o novamente para o governo, por duas vezes. Permitiu também que aparecesse uma nova geração de quadros. Mas, talvez dado o seu carácter pouco fiável, a sua ânsia de tudo controlar no partido e a alguns azares de percurso, falhou no objectivo de tornar o CDS num grande partido liberal-conservador oposto ao PS, deixando o ambíguo PSD para trás. Falhou parcialmente no mais modesto desejo de reconstruir o partido a nível local e regional, como se vê pelo declínio nas autarquias, que nem a tímida recuperação de 2013 disfarça que em tempos tenham controlado câmaras como Aveiro, Leiria ou Viseu (escrevi parcialmente por causa das conquistas de deputados em círculos como Faro e Coimbra e sobretudo à posição de primeiro partido da oposição na Madeira). E falhou, e aí sim, imperdoável, no guião da reforma do estado, aquilo a que se dispunha a criar enquanto nº2 do Governo, que podia ser o seu grande legado político e que não passou de um manual de banalidades burocráticas e abstractas e letra aumentada. Esse é o grande falhanço de Portas, que poderia redimir tudo o resto.


Sai da sua posição compreendendo que o ciclo político mudou e que são precisas caras novas. Para a liderança do partido perfila-se o mui popular (internamente) Nuno Melo e a igualmente popular (externamente) Assunção Cristas. Mota Soares e João almeida eram outras hipóteses, sensatamente descartadas. E haverá provavelmente a interferência de Filipe Anacoreta Correia, provavelmente recordado do brilharete surpresa de Ribeiro e Castro. Seja quem for, o legado de Portas pesará.

Quanto ao futuro do ex- nº 2 do Governo, segundo o próprio, será de trabalhar e criar empresas, com a experiência, o savoir-faire e os contactos adquiridos nas funções governamentais dos últimos anos. Uma nova etapa para Portas, embora seja provavelmente um intervalo até à sua próxima aparição política, coisa a que voltará forçosamente um dia. Há quem aposte que irá tentar Belém, o que não deixaria de ser estranho num homem filiado na Causa Real. Seria preferível que se dedicasse aos seus velhos projectos de escrever romances e guiões para cinema. Poderia sair algo de interessante, e depois um bom guião de cinema sempre seria a forma de compensar o falhanço do guião para a reforma do Estado.









Bowie






Embora acompanhasse com interesse a carreira de David Bowie, não era um seguidor fervoroso. Mas reconheço-lhe não só a genialidade, visão e coragem estética e musical como a evidência de que, para além de um músico de referência, Bowie era um autêntico ícone pop dos últimos quarenta anos, um perfeito mito vivo - até ontem. Popularizou o glam rock, criou personas que se tornaram elas próprias ícones do rock, cunhou a expressão "fase berlinense", do seu período em fins da década de setenta, etc. A sua influência do "camaleão" deu-se mais nos anos setenta e oitenta, em partes bastante distintas, mas estendeu-se às seguintes. Para além da música teve também uma carreira intermitente no cinema , com algumas incursões interessantes, em especial o oficial prisoneiro dos japoneses em Merry Christmas, Mr. Lawrence, num filme de mágicos de há meia dúzia de anos, ou a fazer de Andy Warhol, que até conheceu pessoalmente, em Basquiat.

O mais notável é que até ao fim se entregou à arte e às experiências estéticas. Tinha lançado o seu último álbum, Blackstar (com um single premonitório intitulado Lazarus), na sexta-feira, dia em que fazia 69 anos, apenas dois antes da sua morte. Já gravemente doente, conseguiu ainda completar o seu legado musical. Desaparece fisicamente um dos grandes ícones artísticos do último meio século, deixando uma imensa obra que certamente não se perderá nem será esquecida tão cedo.




sexta-feira, janeiro 08, 2016

Presidenciais 2 - os outros candidatos (os que não se sabe o que andam ali a fazer, os partidários e os mais a sério)



Como disse no anterior post, é extremamente curioso que dez candidatos tenham obtido todas as assinaturas necessárias para concorrer às eleições presidenciais. Nunca se tinha visto semelhante coisa, já que implicam uma certa máquina de campanha que não está ao alcance de todos, muito menos de quem não é apoiado por estruturas partidárias.
Mas à parte isso, e além de Marcelo Rebelo de Sousa, temos mais nove candidatos. Alguns despacham-se num instante. Jorge Sequeira não parece desprovido de juízo, mas não percebo a razão da sua candidatura. O mesmo se diga do socialista Cândido Ferreira (em dez candidatos há dois socialistas de Leiria, o que é extraordinário dado que o PS nem tem uma grande base eleitoral nesse distrito), que ainda não percebi se desiste ou não. O Tino de Rans, calceteiro e "cantor", ex- presidente de junta, ex-congressista do PS, ex-concorrente de reality-shows, concorre provavelmente para ganhar mais algum protagonismo (nada contra se trouxer algo de positivo à terra). Paulo Morais parece mais bem preparado e fundamentado do que quando lança atoardas abstractas sobre a corrupção, mas também não fala de outro assunto, ainda que aquilo de que fale seja de primeira importância. Edgar Silva  e Marisa Matias não são reais candidatos à presidência, mas sim, como sempre, peões dos seus partidos para marcar posição. E o ex-padre madeirense nem parece conhecer bem as funções presidenciais. Também Marisa traz demasiada ideologia para a campanha.


Henrique Neto, o primeiro a lançar a candidatura, já teve sondagens interessantes, mas com a chegada dos concorrentes afundou-se nas intenções de voto. Ainda assim tem alguns nomes interessantes na sua lista de apoiantes, reunindo gente do PS, PSD e CDS. A experiência como empresário de real sucesso e a credibilidade pelas denúncias internas no PS dão-lhe algum prestígio. Pode ser prejudicado pela abundância de candidatos nas mesmas áreas, embora seja "polivalente" o suficiente para pescar em vários sensibilidades partidárias.


Restam então Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa. A ex-Ministra da Saúde e da Igualdade foi uma jogada estranha de certos sectores do PS, alguns para aborrecer Costa, outros porque lhe eram devedores de apoios passados (Alegre, por exemplo), e ela própria porque se julga com uma importância política bastante superior à real. Se as suas sondagens são favoráveis e nalguns casos até a colocam em segundo lugar, deve-se provavelmente a importantes apoios de quadros, a apoiantes do PS que não se revêm em Nóvoa nem em Neto e numas franjas do centro. Demasiado para alguém de currículo político mediano e que francamente, só com muita imaginação se consegue imaginar como chefe de estado. Para ser mauzinho, depois de Miguel Sousa Tavares a dar o exemplo da revista presidencial às tropas, a ideia de Maria de Belém a fazer um comunicado da maios alta importância à Nação é algo do domínio do surreal.


Sampaio da Nóvoa, enfim. O reitor que se tornou conhecido do público pelos seus discursos, empolgantes e arrebatadores para alguns, líricos e vazios para outros. É salutar que haja pessoas sem uma carreira partidária como suporte a candidatar-se ao cargo, mas a verdade é que Nóvoa, tirando uma respeitável carreira como académico, e a sua tarefa de unir a Clássica à Técnica formando assim a Universidade de Lisboa, não tem um currículo político (que nunca teria de passar pelos partidos) particularmente notável. Para isso já tivemos Fernando Nobre, com uma carreira mais estimável, mas que se revelou um desastre na política. O seu "Tempo Novo" significa exactamente o quê? Uma achega do V Império? Ou um conluio demasiado próximo do actual Governo? Outro aspecto singular mas nem assim positivo da campanha de Sampaio da Nóvoa é a profusão de mandatários por cada causa, ainda por cima num sistema de paridade, o que na realidade dá dois por causa, havendo mesmo lugar a uma "coordenadora das causas", Gabriela Canavilhas. Tudo isso dá-lhe um travo demasiado burocrático, o que a juntar ao seu discurso enigmático não deixa entrever quem é na realidade Sampaio da Nóvoa e qual o seu real valor. Francamente, custa-me a imaginá-lo como chefe de estado de Portugal, ainda que tenha o apoio de três anteriores PRs. Mas Soares já teve escolhas estranhas além dele próprio, e Eanes esteve por duas vezes na comissão de honra de Cavaco. Mas para conhecer melhor Nóvoa, se é que isso é possível, talvez uma segunda volta não fosse pior. Senão, resta a curiosidade de saber o que fará ele depois das eleições.





quarta-feira, janeiro 06, 2016

Presidenciais - Marcelo



Não tinha escrito uma linha ainda sobre o evento que está marcado para dia 24 de Janeiro. Como monárquico, a escolha do chefe de estado é-me apenas importante para designar quem representará ao mais lato nível a vida da nação, mas de facto será sempre a eleição de um chefe de facção nunca visto como independente ou como o "seu"presidente pelas outras partes. Nunca me abstive de votar, embora já o tenha feito com efeitos nulos, e voltarei às urnas.


Olhando o panorama, constato que esta eleição, ao contrário do que desejaria, está mais popular que nunca. Dez candidatos é um recorde assinalável. Nunca antes tanta gente tinha apresentado assinaturas suficientes e válidas para se apresentar a usufrutuário de Belém, o que me leva a crer que ou as presidenciais estão realmente muito populares, ou os candidatos sem suporte partidário têm uma máquina eleitoral maior do que aparentam. Pena é que mais uma vez Manuel João Vieira, o "candidato vieira", tenha ficado de fora, mas há sempre a hipótese de que nem sequer ter tentado reunir assinaturas.



À cabeça, Marcelo Rebelo de Sousa, claro está. Há anos que se suspeitava que a grande objectivo de Marcelo era Belém, depois de corridas falhadas como a câmara de Lisboa ou a liderança do PSD e da oposição cortada a meio. Disfarçou-o enquanto pôde, construindo uma imagem de tudólogo e pedagogo com empatia perante o público. O surgimento em pleno Congresso do PSD de 2014, onde não era muito benquisto pela direcção, para os aplausos, com o pretexto de que estava a vir do aeroporto quando resolveu ir ver o que se passava no evento, seria o primeiro sinal. O passeio à Festa do Avante em Setembro último, com a televisão atrás e militantes comunistas entusiasmados a pedir para tirarem uma fotografia com ele, desfaria qualquer dúvida. Ainda não tinha dado o anúncio oficial (em Celorico de Basto, evidentemente), mas só os mais distraídos é que duvidariam que Marcelo era candidato às presidenciais.


Apesar de todo o mediatismo, é um erro considerá-lo um mero comentador lançado à sorte pela força das câmaras. Marcelo tem experiência académica, jornalística e política (governativa e partidária) e é duvidosos que não tenha aprendido com erros antigos. Já anda na política nacional há quarenta anos, pelo que subestimá-lo é um gravíssimo murro na parede. E é exactamente isso que os adversários têm feito. quanto mais dedicam o seu tempo a atacar um único candidato, mais votos ele tenderá a ganhar, ou conservar.
Tenho para mim que Marcelo ganhará mesmo Belém, seja na primeira volta, seja na segunda, já que penetra facilmente no eleitorado de esquerda, demasiado fracturado, e mais ainda no de centro, que nos últimos tempos tem sido esquecido. Por isso mesmo, esta primeira crónica sobre a eleição para a presidência, escrita no Dia de Reis, é apenas sobre Rebelo de Sousa. Sobre os restantes, incluindo o possível principal adversário, Sampaio da Nóvoa, pronuncio-me mais tarde.


terça-feira, janeiro 05, 2016

2016 começa bem



Começou 2016 e temos já a primeira crise internacional: o corte de relações entre a Arábia Saudita e o Irão. A vaga de execuções que envolveu dezenas de xiitas, em especial a do clérigo Nimr al-Nimr, provocou reacções intempestivas no Irão, sobretudo, no Iraque, e no Líbano, e levou a trocas de acusações, corte total de relações e proibição de voos entre o Irão e o reino dos al-Saud. Se a situação já era tensa entre os dois blocos comandados por estes dois países, sobretudo na Síria, é de prever que piore muito, com repercussões no preço do petróleo (embora estivesse num nível baixíssimo) e sobretudo na intensificação do conflito no que resta do estado presidido por Hassad, no Líbano, cujos bairros xiitas sofreram recentemente atentados, e no Iémen, onde a rebelião dos Houthis xiitas contra o actual poder sunita apoiado (militarmente) pelas monarquias do Golfo estava a acalmar-se.
Registe-se que na sequência das execuções a embaixada da Arábia Saudita sofreu uma invasão e chegou a ser parcialmente incendiada por uma turba, a fazer lembrar a ocupação da embaixada americana em 1979 (se virem o filme Argo está lá tudo no início), com a diferença de que desta vez não houve prisioneiros e reféns e que as autoridades intervieram. O Irão é um país interessantíssimo, mas não deve ser fácil ser diplomata de um estado que tenha relações tensas com Teerão.