domingo, julho 26, 2015

Quatro despedidas


Ainda sobre Maxi Pereira e a sua penosa transferência, não escondo que me custou muito a escolha dele, prova evidente de que uns trocos (ou o temor a um empresário sem escrúpulos) valem mais do que a lealdade ou a amizade. A palavra de um jogador vale zero, confirma-se, mas já devíamos saber isso desde que Rui Águas deu um grande desgosto ao pai no já longínquo ano de 1988, antes de se redimir. Espanta-me mais que haja quem contrate e diga que tem muito a ver com o clube alguém que há dias disse que esse mesmo clube tinha ganho graças às arbitragens. O dinheiro proporciona mesmo algumas esquizofrenias.


Entretanto, Pablo Aimar despediu-se mesmo da bola. Embora tivesse voltado ao seu clube de origem, o River Plate, e só tivesse feito poucos minutos com a sua camisola, as lesões e consequentes dores que sempre lhe prejudicaram a carreira obrigaram-no a pendurar as chuteiras definitivamente. As mesmas lesões que o impediram de brilhar mais durante a sua passagem por Portugal, e assim só se sagrar campeão nacional por uma vez. Os adeptos dos clubes por onde passou (entre os quais Messi) não o esqueceram, prova evidente da sua classe e genialidade. Eu não esqueço, em particular, o passe de 40 metros para o golo de Suazo em Guimarães, a jogada com a bola colada aos pés e o golo ao Setúbal, o que marcou ao Sporting na mesma temporada e aquele contra o Manchester United em 2011. E muitas outras jogadas haveria a recordar do fantástico jogador que durante alguns anos encantou a Luz.






Alcides Ghiggia também se despediu, mas da vida. O uruguaio de 88 anos era o único sobrevivente dos jogadores que estiveram na famosa final de 1950 entre o Brasil e o Uruguai, o célebre Maracanazzo, que voltou a ser recordado no ano passado a propósito do Minerazzo. Mais: era ele o autor do golo fatídico que, dando a vitória mundial à Repúbica Oriental, deixou o Maracanã gelado e o Brasil em estado de choque por muitos anos. Como o próprio dizia, só três homens tinham calado aquele estádio com um só gesto: Frank Sinatra, o Papa e ele próprio, Ghiggia. Mas nem por isso deixava de ser respeitado entre os brasileiros, cuja imensa tristeza daquele dia lamentou, chegando-se até a desculpar pelo golo que lhe deu o título mais ambicionado. No ano passado, antes do Mundial do Brasil, organizaram no estádio Centenário, em Montevideo, uma sessão especial do jogo, e no momento em que Ghiggia marcou o golo, os uruguaios aplaudiram efusivamente. É preciso recordar que no próprio dia, só a equipa celeste é que festejou, já que todo o estádio apoiava o Brasil. Assim, só várias décadas depois é que Ghiggia viu o seu feito ser comemorado calorosamente. Morreu no preciso dia em que se completavam 65 anos após aquele jogo, que o imortalizou na história do futebol.

E já que estamos em maré de despedidas, um abraço a Lima, que deixa o Benfica rumo às Arábias depois de 3 anos de bons e leais serviços. Quando o vi no aeroporto, em Agosto de 2012, estando ele de partido para uma eliminatória pelo Braga, não podia imaginar que dias depois estaria a assinar pelo Benfica. Deixou-nos bons momentos de futebol e grandes golos, como o que marcou ao Sporting em 2013 (conclusão atlética de uma jogada fabulosa, mérito de Gaitan e Salvio), à Juventus no ano passado, o bis ao olhanense que deu o título de 2014 ao Benfica e os dois golos ao Porto nas Antas, em Dezembro passado, que na prática valeram um campeonato. Saiu para as Arábias, permitindo que o Benfica encaixasse mais dinheiro que o que deu por ele. Que faça o contrato da sua vida e que continue a marcar belos golos.

sexta-feira, julho 24, 2015

Regresso à discussão sobre o aborto




As alterações a alguns aspectos à lei que regula o aborto legal em Portugal (ou "intervenção voluntária da gravidez", em linguagem politicamente correcta), proposta pelas assinaturas - entre as quais a minha - da iniciativa legislativa de cidadãos "Pelo Direito a Nascer", passou finalmente no Parlamento, com os votos da maioria. As novas regras implicam um maior acompanhamento da mulher que pretenda abortar, tal como observar e assinar uma ecografia, e sobretudo introduz taxas moderadoras, acabando com a gratuitidade total dos aborto e com a sua aberrante equiparação à gravidez que até agora se verificava.

Registe-se o tempo que ainda demorou até a discussão em plenário e à aprovação das alterações. O que não se fizeram esperar foram as habituais reacções da esquerda radical e "fracturante", com os habituais mimos de "reacionarismo", "retrocesso", "atentado à liberdade da mulher" e outros clássicos do género. Mas de da parte do PCP, da inaudível Heloísa Apolónia, do Bloco (em especial de Helena Pinto, uma espécie de Panzer na defesa do aborto, e membro do célebre colectivo UMAR) e de Isabel moreira, sempre histericamente desonesta, isso já seria de esperar, espanta mais que do resto da bancada do PS venham acusações semelhantes, e pior ainda, ameaças de que, se forem governo, revogam as alterações.
Lembro-me de na campanha de 2007, iminentes figuras do PS (que tem também, embora em franca minoria, gente que se opôs a liberalização do aborto que daí resultou) dizerem sempre que o se tratava ali era de acabar com penalização, que haveria um rigoroso acompanhamento das mulheres que quisessem abortar para que eventualmente fossem dissuadidas, que ninguém era a favor do aborto, etc. Afinal, vemos que tudo o que disseram na altura não só não tinha sido aplicado como é agora "um retrocesso". Parece que 2007 passou mais rápido do que pensávamos e que se tornou de repente totalmente obsoleto.
Ou então, tudo aquilo eram verbos de encher e o aborto tornou-se mesmo um contraceptivo sem o menor acompanhamento, nem custos. Banalizou-se, é tratado com uma intervenção cirúrgica qualquer. Mentiram-nos. Afinal, há mesmo quem seja a favor do aborto. Está concretizado o velho sonho da extrema-esquerda: aborto livre e gratuito. Direitos absolutos para uns, e ntotalmente negados a outros (o pai, o feto). O PS terá muito que explicar se quiser alterar o que quer que seja.
E a questão, ao contrário do que apregoam os gravadores de serviço, que se esforçaram até que houvesse novo referendo para levar a sua avante, não está nada resolvida. Absolutamente nada.


PS: de vez em quando, é bom ler os nossos irmãos protestantes. Sim, porque apesar de muitos acharem que "a questão está resolvida", não se esqueçam de que "depois de quase meio século depois de 68, há pessoas que ainda não estão convencidas dos méritos racionais do aborto". Eu não estou, com toda a certeza.

domingo, julho 19, 2015

Elefantes a banhar-se no "rio do esquecimento"


A imagem dos elefantes a banhar-se pachorrentamente no rio Lima, como se fosse no Ganges, diverte pelo sei ineditismo. O que à partida parece ser uma montagem é afinal bem real, graças aos tratadores do circo Cardinalli que por estes dias anda por Ponte de Lima. E junta-se assim a mais antiga vila portuguesa, com os seus solares, o seu vinho verde e a sua ponte secular, ao animal que representa a Índia que por tantos séculos esteve tão ligada a Portugal (sem esquecer que muitos representantes da espécie desembarcaram no Porto de Lisboa).
Não deixa de ser curioso pensar que os elefantes são também conhecidos pela sua enorme memória. Lobo Antunes lembrou-se desta característica para baptizar o seu primeiro romance, e há um conhecido anúncio na televisão a um comprimido para a memória que usa igualmente os paquidermes como exemplo. Ora o Lima era conhecido como Letes pelos romanos, que o associavam ao mítico rio do esquecimento com o mesmo nome. A lenda é conhecida, e a travessia de Décimo Júnio Bruto ajudou a que se desvanecesse o medo de que quem atravessasse aquele curso de água em plena Gallaecia esquecer-se-ia de tudo. Ninguém perde a memória por atravessar o rio Lima, mas caso subsistisse o mito, nada melhor do que elefantes e a sua memória para o fazer cair.




(Fotografias de José Costa Lima)

segunda-feira, julho 06, 2015

Eusébio no panteão


Eusébio da Silva Ferreira repousa no Panteão, como o Parlamento já tinha (unanimemente) votado e o povo clamado. A família deu o consentimento, e um ano depois da sua morte, os restos mortais do "Pantera Negra" foram transladados com pompa e solenidade. Um cortejo prolongado levou-o do discreto cemitério da Luz até Santa Engrácia, Lisboa fora, com paragens no estádio da Luz e no Parque Eduardo VII. Já no seu destino, a cerimónia prosseguiu com discursos oficiais e o hino nacional, na presença das mais altas autoridades do Estado e do desporto. 

Nada que Eusébio não merecesse. Afinal de contas, ele é o português mais conhecido do século XX, um homem que veio quase a medo de África e se tornou um símbolo nacional, e que mesmo depois da independência de Moçambique não mais deixou Lisboa. Quem deixou em silêncio os maiores estádios de Espanha e Reino Unido 40 anos decorridos do fim da sua carreira não era um mero futebolista talentoso. Era uma autêntica lenda.

Por isso, Eusébio merece totalmente o Panteão. Bem mais do que outras figuras menores que lá arranjaram lugar. E o remoque de que se tratava de um mero "jogador de futebol" e não um estadista, de um guerreiro ou uma figura "das artes e letras" é absolutamente fútil e preconceituosa. Como se o futebol não pudesse ser de uma estética elevada à arte, ou um seu executante um autêntico artista. Então e que diríamos do bailado, por exemplo?

A minha dúvida prende-se mais com a hipotética vontade do próprio Eusébio, se ele pudesse decidir. É claro que a família consentiu, mas que diria o "imortalizado"? A discussão só se colocou depois da sua morte. Que me lembre, nunca antes se tinha falado disso. E há qualquer coisa de estranho na ideia de o levar para ali. Provavelmente o espírito simples de Eusébio não sentir-se-ia incomodado em repousar entre mármores solenes e figuras altivas e talvez preferisse o cemitério da Luz, bem mais perto do estádio onde a sua vida fazia sentido e onde decorriam os seus dias mesmo depois de encerrada a carreira. Enfim, que repouse em paz e que o recordem sempre.

sexta-feira, julho 03, 2015

Grécia, um país em contradições



A dois dias do referendo relâmpago para se saber se os gregos votam a favor ou contra as propostas do Eurogrupo, noto com alguma perplexidade o apoio quase fanático ao actual governo grego, enquanto que se ignoram as especificidades daquele país. O primeiro-ministro Tsipras é considerado um "humanista", que luta "pela dignidade do seu povo", contra os "agiotas" e a "ditadura neoliberal" da UE e do Euro. E não faltam manifestações de "solidariedade com o povo grego", como se o povo grego não estivesse dividido e fosse de ideias monolíticas.
Aqueles que em boa parte se dizem "solidários com o povo grego" estão-mo na realidade com o seu governo e respectiva ideologia, mais do que verdadeiramente com os gregos. Toda esta discussão aliás voga em torno das simpatias ideológicas os estratégicas.

A Grécia é aliás um país de contradições. Fala-se de solidariedade, mas os gregos não são exactamente o povo mais solidário. Recordem-se as condições que Papandreou impôs para não vetar a entrada de Portugal e Espanha na CEE, em 1985. Ou as queixas que eu próprio ouvi de romenos e búlgaros, antes de entrarem na UE, da forma sobranceira como os gregos os tratavam por terem ficado do lado de cá da Cortina de Ferro e de serem mais abastados. E claro, não esquecer a querela com a vizinha Macedónia (ou FYROM, as suas iniciais em inglês).

E é precisamente com a Macedónia que reside outra contradição. Permanece, na Grécia e fora dela, a imagem romântica do berço da Democracia. Não sendo mentira (e aliás este blogue deve-lhe o seu nome), convém recordar que a Democracia abrangia a cidade-estado de Atenas, e não tudo o que constitui território grego. Esparta, por exemplo, estava longe de ser uma democracia. Um dos argumentos que muitos gregos evocam agora é precisamente o civilizacional, o de se tratar de uma guerra entre o "berço da Democracia" e entidades "não-democráticas". O problema é que a mesma Esparta é por vezes invocada como motivo de orgulho. Mais ainda: a Grécia impediu durante largos anos a vizinha República da Macedónia de usar esse nome - ainda hoje os países da UE referem-se-lhe oficialmente como "Antiga República Jugoslava da Macedónia" - com receio de irredentismos e de perda do seu próprio território macedónio, que abrange Tessalónica, e porque se considera a directa herdeira da memória de Alexandre, o Grande. Convém no entanto relembrar que a democracia ateniense acabou definitivamente por causa, precisamente, do domínio da Macedónia, iniciado já antes por Filipe II, e que até aí os macedónios eram considerados "bárbaros" pelos atenienses.

Contradições e complicações num país caótico cuja referência é mais Constantinopla que Atenas, que prefere a Igreja Ortodoxa aos deuses do Olimpo, e que terá de  decidir o que quer na UE, se quer ficar no Euro e o que fará para o conseguir.

quarta-feira, julho 01, 2015

Sub-21, talentosos mas sem troféu






Uma pena a derrota nos penaltis dos sub-21na final contra os suecos. Depois dos sub-20 terem sido também eles superiores ao Brasil e perdido da mesma forma, as grandes penalidades voltaram a ser o grande problema, mesmo como um enorme José Sá na baliza. E assim, outra geração talentosa, certamente mais do que a sueca (que nunca tinha ganho nada nos níveis de formação), fica sem títulos. Triste sina. Ainda assim, jogadores como João Mário, Bernardo Silva, William de Carvalho ou Sérgio Oliveira mostraram - ou confirmaram - todo o seu valor. Mas mereciam mais. Único consolo é que, fosse quem fosse o vencedor, haveria um jogador benfiquista a ganhar. E Lindelof mostrou a sua ligação já de medalha ao peito.