sexta-feira, abril 17, 2015

O Papa e o genocídio dos arménios


 O Papa teve novo "atrevimento": desta vez, ao falar das grandes tragédias humanas do Século XX, referiu os massacres dos arménios pelos turcos entre 1915 e 1917, considerando-os o primeiro genocídio do século, seguido dos resultantes do nazismo e estalinismo e, mais tarde, do Cambodja, Ruanda, Burundi e Bósnia. A Turquia, claro, reagiu logo e chamou a Ankara o embaixador no Vaticano. Outra coisa não seria de esperar num país que não só nega o genocídio como ainda criminaliza quem o afirmar, para mais sob a presidência (e governo) do autoritário e neo-otomanista Erdogan.
O genocídio - assim mesmo, com todas as palavras - do povo arménio, que teve início há cem anos, é uma evidência que só por ignorância, desonestidade intelectual ou profundo filo-turquismo se pode negar. Houve uma autêntica limpeza étnica, com centenas de milhares de mortos (fuzilados, decapitados, enforcados, atirados de abismos ou simplesmente deixados a morrer à fome em zonas inóspitas), de mulheres violadas, e em que os mais afortunados limitaram-se a ser deportados e a perder tudo para conservar a vida. As populações arménias que viviam na Anatólia desapareceram completamente (tal como aconteceria mais tarde aos gregos do Ponto e de outras zonas da actual Turquia, aos assírios, e em boa parte aos curdos).

Muitos dos países que reconhecem o genocídio fazem-no também por questões políticas, como a França, a Rússia. E os que o negam também, como os Estados Unidos, estes sobretudo por razões geo-estratégicas. O Papa não teve qualquer receio em afrontar as autoridades turcas e chamou áquele trágico acontecimento pelo nome que ele realmente tem. Claro que houve logo algumas vozezinhas críticas, que resolveram lembrar que a Igreja teve também alguns esqueletos no armário, como a sempre invocada Inquisição, sem se lembrar no entanto que não só os actos do Santo Ofício estiveram a anos-luz de qualquer genocídio real deste tipo, como a Igreja há muito que o reconheceu e se penitenciou por isso, além de que já tem uns séculos em cima. Para alguns, haver vítimas cristãs parece ser um assunto de somenos, quando não chegam a demonstrar o seu contentamento. Impressiona aliás que ainda se continue a rotular países como a Alemanha, que reconhece o Holocausto, de "nazi", ou a matraquear constantemente com a Inquisição, cujas acções mais nefastas a Igreja não nega, e se trate a Turquia (e em menor grau, a Rússia, cuja herança do estalinismo não é totalmente negada) com imensa cerimónia. Se bem que o Império Otomano, mesmo no seu fim, tenha reconhecido a sua culpa, depois atirada para o lado pelo regime republicano kemalista. Curiosa, também, esta atitude de quem tanto queria aproximar-se do ocidente e cortar amarras com o passado.

A Arménia viria a surgir como um breve estado independente, até ser anexada pela URSS, em 1920, e só voltaria a ser um estado soberano em 1991. Mas ainda hoje boa parte do território que lhes caberia, pelo Tratado de Sévres (que estipulava entre outras coisas uma nação curda, e que nunca chegou a ser respeitado), está na Turquia, como o monte Ararat, a "montanha sagrada" dos arménios, o pouso bíblico da Arca de Noé, que domina o horizonte em Yerevan, mas que ficou do outro lado da fronteira.


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