terça-feira, abril 28, 2015

O que ficou do clássico



Afinal, o "jogo decisivo", o "jogo do título", o confronto "que ia tirar todas as dúvidas" saldou-se por uma maçadoria sem tentos, com duas oportunidades de golo, meia dúzia de remates e de boas jogadas, muitos amarelos e duas equipas receosas e muito aferrolhadas. O Porto precisava de vencer para ainda alimentar esperanças no campeonato e para ultrapassar o massacre de Munique, e o Benfica para quase garantir o título. Nem uma nem outra conseguiram demonstrar nada. Claro que o empate serve mais o Benfica, mas duvido que o título esteja à mão de semear, como alguns parecem crer. Em 2013 também estava e viu-se. Faltam quatro jogos, entre os quais duas deslocações, uma a um aflito e sempre complicado Gil Vicente (com o qual o Benfica não faz grandes exibições), e outra no dificílimo estádio do Vitória de Guimarães. O Porto vai a Setúbal, onde muito raramente deixa pontos.

E já que no relvado pouco se viu, o interesse do clássico passou para as bancadas, com uma fabulosa coreografia dos benfiquistas, que o L´ Équipe realçou.

Les supporters de Benfica ont fait les choses en grand. (D.R)

E não se esqueça, evidentemente, a fotografia desportiva que o Guardian destacou nesse dia.




Ao menos salva-se o reconhecimento de prestigiados órgãos da imprensa francesa e inglesa, ao destacarem a beleza cénica do estádio e dos adeptos. 


segunda-feira, abril 27, 2015

As razões da nova AD




Entretanto, à direita, a ilusão dos nossos dias é a de permanecer no poder, coisa que parece pouco provável. Uma vez que hoje em dia as sondagens são permitidas e constantes (embora isso não agrade a Paulo Portas), não se afigura muito fácil. Por isso, o anúncio da coligação eleitoral para as legislativas aparece como fuga para a frente em resposta ao programa do PS. Pode-se perceber como mensagem cá para fora de que os partidos do governo estão unidos, e para aproveitar as sobras que o método de hondt concede. Mas tem os seus riscos, nomeadamente para o CDS, que nas listas conjuntas deverá perder deputados e que assim perde qualquer hipótese de ser uma hipotética muleta de um governo minoritário do PS. E sobretudo recorda-nos que nas duas vezes em que estes dois partidos fizeram uma coligação pré-eleitoral com a democracia já madura (ou seja, excluindo a AD original), nas Europeias de 2004 e 2014, os resultados foram muito pobres. Pode-se considerar o tudo ou nada dos partidos do actual governo. Se ganharem, vêem legitimado o rumo que traçaram e ganham solidez. Se perderem, terão de aguentar uma coligação parlamentar na oposição e fazer a respectiva travessia no deserto. 

Já as reacções à notícia da coligação forma díspares e em certos casos infelizes: António Costa considerou que não trazia novidade nenhuma e que se trata de um casamento por conveniência, o que em certa medida é verdade. Catarina Martins, do Bloco, diz mais ou menos o mesmo, também falando do "casamento de conveniência". Não sendo mentira, não deixa de ser irónico que tenha sido afirmado pela coordenadora de um movimento que aglutinou grupos de esquerda (trotsquistas, maoístas, ex-comunistas, etc) que uns anos antes se odiavam de morte e se acusavam mutuamente das piores coisas. Aliás, com as saídas recentes, isso ainda se tornou mais cristalino. Se o BE não é ele próprio um casamento de conveniência, então não sei que será.

A reacção menos esperada mas sem dúvida mais sectária é a de Jerónimo de Sousa, que acha que o anúncio da coligação num 25 de Abril é "um insulto" à data, porque, no seu entender, é a força "que esteve contra o 25 de Abril". Mais uma vez, o PCP acha que só a esquerda (ou o que os comunistas entendem que é a esquerda) tem legitimidade política no pós-25 de Abril, que tudo o que está à direita é necessariamente salazarista, e que por isso não tem lugar no actual regime. Ou seja, acha-se dono do 25 de Abril, numa visão que transforma a data não na instauração de um regime democrático mas sim na de um revolucionário de esquerda, quando a intenção nem era essa. Concluindo, o PCP não mudou quase nada desde 1975 e ainda não se apercebeu que a grande maioria dos eleitores não vota nele. Deve ser por isso que cada eleição é sempre uma vitória. Já agora, a CDU também não é um casamento por conveniência? Tendo em conta que os Verdes são uma criação do PCP sem qualquer autonomia, aquilo nem é de conveniência, é mesmo um casamento forjado.

domingo, abril 26, 2015

A ilusão de Vasco Gonçalves há quarenta anos (e as sondagens que o desmentiam)



Nos quarenta anos das eleições para a Assembleia Constituinte, a 25 de Abril de 1975, o Herdeiro de Aécio recorda a previsão de Vasco Gonçalves para o vencedor da contenda, que segundo o primeiro-ministro da altura, seria o MDP/CDE. Tudo porque já firmara um nome desde as eleições de 1969, como aglutinador da oposição democrática, era um símbolo anti-Estado Novo e incluía tanto comunistas como católicos progressistas. O que é certo é que o movimento de José Manuel Tengarrinha ficou em quinto lugar, com menos de 5%, e nas eleições seguintes, e até 1987, coligar-se-ia com o PCP para formar a APU, perdendo toda e qualquer autonomia.

O que é mais incrível é que, segundo nos revela a revista do Expresso da semana passada, até houve sondagens que apontavam para os vencedores (e que podem ser vistas aqui). A tendência de vitória do PS era clara, bem como o segundo lugar para o PPD e o terceiro, e larga distância, para o PCP, e ainda mais a fraca adesão ao MDP. Nestes pontos as sondagens revelaram-se muito fiáveis. Mais curioso é observar que o CDS quase não tem intenções de voto (talvez pelo receio em declarar o apoio a um partido "reacionário"), e o MFA, que nem sequer era um partido, e a Acção Nacional Portuguesa, o partido único do Estado Novo, ainda recolherem alguns apoios. Se no primeiro caso se percebe, porque a sigla se ouviria muito pelos país fora, já a segunda espanta pelo desconhecimento, embora indique um reduto de apoiantes do antigo regime. Claro que ninguém poderia votar em "formações" destas, mas o CDS acabaria por ficar num honroso quarto lugar e tornar-se-ia num dos partidos basilares do regime.

No caso do MDP/CDE, é bom lembrar que parte dos seus apoiantes de 1969 tinham-se deslocado para o PS e para o PCP, secundarizando-o. E apesar de ter dirigentes que pouco tinham a ver com os comunistas, como Helena Cidade Moura, a verdade é que o partido passava por muleta do PCP, constituído sobretudo por intelectuais um pouco mais moderados que o partido de cunhal. Talvez isto tenha dado ilusões a Vasco Gonçalves, cruelmente desfeitas nas eleições. Depois disso, como se disse, o MDP faria parte da APU, até voltar a ser um partido autónomo, mas quase irrelevante, e mais tarde, com algumas entradas e saídas pelo meio, se transformar no Política XXI que viria a ser um dos movimentos formadores do Bloco de Esquerda.

sexta-feira, abril 24, 2015

Os méritos do programa do PS


O programa - provisório, ao que parece - do PS para revitalizar a economia nacional nos próximos anos, com a reposição dos salários dos funcionários públicos, a descida do IRS e do IVA nas empresas de restauração e o aumento de alguns benefícios sociais pode ser demasiado optimista, demasiado despesista, um risco para a segurança social e levar-nos a situações em que já caímos noutras ocasiões, precisamente com o PS no poder (e Paulo Trigo Pereira, um dos autores do documento, alerta precisamente para isso). Mas tem o imenso mérito de separar as águas e de marcar de novo o debate político. Os partidos do governo tiveram uma reacção infantil, quando disseram que o plano não tinha credibilidade sem o terem lido. Podiam antes dizer que as linhas gerais eram diferentes do que aquilo que defendiam, e reservar críticas mais construtivas para mais tarde. Mas pelo menos há aqui uma diferença ideológica, entre os que pretendem revitalizar a economia por via do consumo e do aumento dos benefícios sociais e do rendimento, e os que preferem fazê-lo através da descida dos impostos e dos custos de trabalho às empresas. Não se poderá acusar os partidos do arco do poder de "proporem todos o mesmo". Pelo menos agora pode-se optar por mais do que uma visão, que dependerá de se considerar que o estado deve ser mais ou menos interventivo na economia. As divergências de opinião serão sempre de carácter ideológico, não tanto de tribalismo político ou de casos de corrupção o que só ajuda o debate político.

terça-feira, abril 21, 2015

A tragédia do Mediterrâneo




Quase em continuação do último post, de outros massacres, estes a meio do Mediterrâneo, também tem falado o Papa. Há já muito tempo, aliás. Nestes últimos dias, chegou-nos a notícia de centenas de emigrantes desaparecidos em mais uma embarcação sobrelotada, e de mais um naufrágio em Rodes, o que levou a uma reunião extraordinária do Conselho Europeu. As vítimas deste autêntico tráfico sucedem-se. A Itália faz o que pode, mas não é por ser o objectivo imediato dos migrantes que tem de fazer tudo. E o problema está a montante, onde milhares de refugiados da África Subsariana arriscam-se ao deserto e depois ao mar para fugir da fome, da miséria e da guerra. Desde que o poder na Líbia se pulverizou que estes boat people aumentaram intensamente, por vezes trazendo com eles radicais islâmicos infiltrados. Mas seria algo cínico desejar que um regime totalitário dependente de uma família "controlasse" todo aquele tráfego. Não podendo fazer com que nos países de origem haja condições para os seus habitantes não fugirem de lá, podia-se ao menos tentar novos canais de migração, estabelecer um certo controlo no Norte de África - o que implicaria uma verdadeira força de intervenção na Líbia, o desbaratamento de grupos de bandoleiros/jiadistas e acordos com os outros estados vizinhos, e obviamente mais prevenção no mar. Haja mais atenção, força de vontade e organização e talvez se consigam evitar bem mais desastres neste Mediterrâneo que já assistiu a grandes feitos da humanidade e da civilização e que agora é o palco da tragédia desta gente em fuga. Que o Papa seja mais ouvido, que já vai sendo tempo.

sexta-feira, abril 17, 2015

O Papa e o genocídio dos arménios


 O Papa teve novo "atrevimento": desta vez, ao falar das grandes tragédias humanas do Século XX, referiu os massacres dos arménios pelos turcos entre 1915 e 1917, considerando-os o primeiro genocídio do século, seguido dos resultantes do nazismo e estalinismo e, mais tarde, do Cambodja, Ruanda, Burundi e Bósnia. A Turquia, claro, reagiu logo e chamou a Ankara o embaixador no Vaticano. Outra coisa não seria de esperar num país que não só nega o genocídio como ainda criminaliza quem o afirmar, para mais sob a presidência (e governo) do autoritário e neo-otomanista Erdogan.
O genocídio - assim mesmo, com todas as palavras - do povo arménio, que teve início há cem anos, é uma evidência que só por ignorância, desonestidade intelectual ou profundo filo-turquismo se pode negar. Houve uma autêntica limpeza étnica, com centenas de milhares de mortos (fuzilados, decapitados, enforcados, atirados de abismos ou simplesmente deixados a morrer à fome em zonas inóspitas), de mulheres violadas, e em que os mais afortunados limitaram-se a ser deportados e a perder tudo para conservar a vida. As populações arménias que viviam na Anatólia desapareceram completamente (tal como aconteceria mais tarde aos gregos do Ponto e de outras zonas da actual Turquia, aos assírios, e em boa parte aos curdos).

Muitos dos países que reconhecem o genocídio fazem-no também por questões políticas, como a França, a Rússia. E os que o negam também, como os Estados Unidos, estes sobretudo por razões geo-estratégicas. O Papa não teve qualquer receio em afrontar as autoridades turcas e chamou áquele trágico acontecimento pelo nome que ele realmente tem. Claro que houve logo algumas vozezinhas críticas, que resolveram lembrar que a Igreja teve também alguns esqueletos no armário, como a sempre invocada Inquisição, sem se lembrar no entanto que não só os actos do Santo Ofício estiveram a anos-luz de qualquer genocídio real deste tipo, como a Igreja há muito que o reconheceu e se penitenciou por isso, além de que já tem uns séculos em cima. Para alguns, haver vítimas cristãs parece ser um assunto de somenos, quando não chegam a demonstrar o seu contentamento. Impressiona aliás que ainda se continue a rotular países como a Alemanha, que reconhece o Holocausto, de "nazi", ou a matraquear constantemente com a Inquisição, cujas acções mais nefastas a Igreja não nega, e se trate a Turquia (e em menor grau, a Rússia, cuja herança do estalinismo não é totalmente negada) com imensa cerimónia. Se bem que o Império Otomano, mesmo no seu fim, tenha reconhecido a sua culpa, depois atirada para o lado pelo regime republicano kemalista. Curiosa, também, esta atitude de quem tanto queria aproximar-se do ocidente e cortar amarras com o passado.

A Arménia viria a surgir como um breve estado independente, até ser anexada pela URSS, em 1920, e só voltaria a ser um estado soberano em 1991. Mas ainda hoje boa parte do território que lhes caberia, pelo Tratado de Sévres (que estipulava entre outras coisas uma nação curda, e que nunca chegou a ser respeitado), está na Turquia, como o monte Ararat, a "montanha sagrada" dos arménios, o pouso bíblico da Arca de Noé, que domina o horizonte em Yerevan, mas que ficou do outro lado da fronteira.


quarta-feira, abril 15, 2015

Dez anos com a Casa da Música



A Casa da Música tem já dez anos. Alguns admiram-se com o facto de o edifício que mudou a rotunda da Boavista ter já alcançado uma década de idade, embora devessem admirar-se ainda mais com os seus quase 15 anos: afinal de contas, as primeiras previsões apontavam para a inauguração em Dezembro de 2000, nas vésperas do Porto se tornar Capital Europeia da Cultura de 2001. Tornou-se por isso mesmo um símbolo de despesismo, atrasos no cumprimento de prazos em infra-estruturas e esbanjamento de dinheiros públicos em obras de vulto, típicos dos anos de "vacas gordas". Esses anátemas, ligados a um certo sentimento de usurpação do espaço da antiga remise dos eléctricos na rotunda e à sua forma estranha e bojuda, enchendo completamente aquele espaço, levou a sentimentos de desconfiança e de desagrado de muitos.


Mas com os anos, a Casa da Música acabou por ser aceite e ocupar o seu lugar como símbolo do Porto contemporâneo. Começando, claro, pelos seus muitos e ecléticos concertos, que tanto misturam música erudita como música electrónica, Bach e John Cale, música sacra e os populares clubbings, que acabam com o bar/restaurante transformado em pista de dança ao som de um qualquer DJ que até pode ser Adolfo Luxúria Canibal, além de outras actividades (o bar dos artistas, com grandes janelas envidraçadas para a avenida, é muito procurada), sobretudo relaccionadas com a cidade, como o S. João. O prestígio que alcançou deve-se tanto aos seus programas como à arquitectura provocante de Rem Koolhaas. 
Nem tudo correu bem, mas a Casa da Música, dez anos depois da sua abertura, tornou-se um ex-líbris portuense e a instituição musical mais prestigiada do país. Poderemos sempre lamentar a destruição da estação dos eléctricos, que levou a enormes discussões no Porto, mas podemos também estabelecer comparações com o que aconteceu com o convento de S. Bento de Avé Maria e estação de S. Bento, que ocupou o seu lugar. Apesar da perda de um edifício de grande valor, construiu-se uma estação de comboios belíssima no seu lugar. O que se ganhou terá sido superior ao que se perdeu.


Ainda assim, podemos também pensar no que nunca chegou a ser. E se a localização ideal da Casa da Música não seria no Parque da Cidade, como chegou a ser defendido por Agostinho Ricca no seu projecto para um "palácio da música" naquela mesma zona.





domingo, abril 12, 2015

O digno enterro de Ricardo III, com cinco séculos de atraso.



Antes da festa da Ressurreição, um enterro definitivo. Depois da surpreendente descoberta no subsolo de um parque de estacionamento (onde outrora existira uma igreja), em Leicester, dos restos mortais de Ricardo III, último monarca da dinastia dos Plantagenetas, vilipendiado por Shakespeare na peça que leva o seu nome (e que daria máximas tão conhecidas como "Este é o Inverno do nosso descontentamento", que teria o seu aproveitamento político nos anos 1970, e "Um cavalo, um cavalo, o meu reino por um cavalo") como usurpador e autor moral do assassínio do seu sobrinho Henrique V, e por isso pouco popular na história de Inglaterra, comprovada por investigações científicas do seu ADN, teve lugar a cerimónia de colocação das suas ossadas no repouso definitivo  - a catedral de Leicester - e mais digno do que a anterior moradia. Certamente que terão mais sossego com uma certa recuperação da sua imagem e sem carros a passar por cima.
Cereja em cima do bolo, entre os dignatários, como o Arcebispo de Cantuária, encontrava-se o ubíquo Benedict Cumberbatch, longínquo parente do rei morto e que até já o representou na peça de Shakespeare. Na Catedral, e entre a solenidade respeitada por toda a audiência, o actor leu um poema que reconciliou a memória do Ricardo III anos com a Inglaterra. O rei morto há mais de 500 anos tão tristemente celebrizado por Shakespeare pôde assim repousar em paz depois de cinco séculos atormentados pela fraca tumba e por uma reputação destruída.

quarta-feira, abril 08, 2015

A Páscoa nas margens do Homem




Continuando com o assunto do post anterior, lembremo-nos que a Páscoa ainda agora começou. Ao folhear o suplemento dominical do Público, deparo-me com as fotografias de Alfredo Cunha cobrindo várias manifestações pascais no Minho, em especial a procissão de barcas pelo rio Homem abaixo (além de outras, como as procissões da Sexta-Feira Santa em Braga), na segunda-feira de Páscoa, lembrando um tempo em que as pontes eram longínquas. Tenho algumas raízes exactamente nessa região (e cheguei a ir lá num Domingo de Páscoa, mas por motivos funéreos) e nunca tinha ouvido falar de semelhante manifestação fluvial. Mas apenas vem demonstrar quão variadas e ricas podem ser as celebrações pascais. Lembro-me, quando tinha os meus dez anos, de ir passar a pascoela à casa dos meus tios-avós, aí perto, a poucos metros do Homem, na zona de Vila Verde. Era nesse Domingo, e não no de Páscoa, que se recebia o compasso, seguido de banda de música. Na minha memória ficou-me a admiração de saber então que o compasso só passava uma semana depois da Páscoa (e imaginava o pequeno grupo carregando a cruz, por todas aquelas freguesias, dia e noite, sem parar).
Outras formas de celebrar a Páscoa em terras de entre Homem e Cávado. Muitas e variadas. E o que é fantástico é que ainda hoje me conseguem surpreender e comover.
 
 

domingo, abril 05, 2015

Páscoa 2015



A Páscoa da Ressurreição. E este ano com uma luz e um clima que há anos não tínhamos no Domingo Pascal, e que nos dá uma imagem ainda maior de renascimento, de regresso à vida, liados à ressurreição de Cristo,  sobretudo se em contacto com a natureza.

E sabemos que há alguma renovação em curso na igreja quando parte do compasso pascal é composto por mulheres, e quase todo por gente mais nova do que nós. Mas a mensagem e a Boa Nova são sempre as mesmas.

Continuação de boa Páscoa a todos.

sexta-feira, abril 03, 2015

Manoel Cândido Pinto de Oliveira 1908 - 2015



Sempre que morre uma pessoa de idade muito avançada, daquelas que parecem imemoriais e eternas, fico sempre com uma certa sensação de intranquilidade. Bem sei que a eternidade não é terrena, mas a longevidade transmite uma ideia de harmonia, de serenidade, decerto relacionada com as raízes e as memórias a que nos agarramos e que impedem que o Mundo tropece no caos, ou no mínimo na incerteza pessimista.

O dia da morte de Manoel de Oliveira é o exemplo perfeito dessa inquietude (remetendo a um dos seus filmes, um dos muitos baseados na obra da sua amiga Agustina). Sabíamos que chegaria, mas sempre achando que seria um dia longínquo. Aliás, Oliveira parecia não fazer caso e tinha algumas tiradas surpreendentes nesse sentido. Mas nos últimos tempos fraquejava, e o seu coração estava já muito fraco. Acabou normalmente, naturalmente, provavelmente sem concluir todos os trabalhos que previra. Ainda assim, conseguiu concretizar a grande maioria, mesmo que tivesse sempre novas ideias que queria levar à tela.

aqui referi o meu primeiro contacto com o cinema de Oliveira - e com o próprio: numa sessão especial de comemoração de Aniki Bobó, com a presença do realizador e de alguns dos acores, na Casa das Artes, onde também se exibiu Douro, Faina Fluvial, o seu primeiro filme (que voltei a ver há uns dois anos, com acompanhamento musical dos Mareantes do Rio Douro, numa sessão organizada pelo CNC do Porto). Mas nunca falei sequer com o realizador. Conheci netos seus, apresentaram-me à sua mulher, a Senhora Dona Isabel Carvalhais (a quem ele deve também boa parte da obra, quanto mais não seja assistência técnica), precisamente na igreja de Cristo Rei, que nunca como hoje terá tido tanto mediatismo. O meu avô conheceu-o e já nos anos sessenta apreciava muito a sua obra, então pouco reconhecida e até mesmo severamente limitada por questões políticas e financeiras. Mas a ele nunca o conheci.

Não sei se o respeito a Manoel de Oliveira se de apenas e só à sua obra ou se também à sua idade, com que continuava a filmar contra todas as probabilidades. Em todo o caso, este não era um pormenor de somenos. Relembre-se que para além de cineasta, era também um atleta de eleição, que ganhou provas de automobilismo e se sagrou campeã nacional de salto à vara (aliás é nesta condição que A Bola, na edição de hoje, anunciou a sua morte). Olhamos para A Canção de Lisboa, decanos dos filmes sonoros portugueses, com mais de oitenta anos, e lá está ele, auxiliando Vasco Santana. Com oitenta e tal anos, surge em Lisbon Story, de Wim Wenders, a parodiar Charlot, saltando e dançando. a idade e a energia inesgotável do cineasta atleta era uma coisa absolutamente espantosa (Clint Eastwood disse há tempos que pretendia seguir-lhe o exemplo).

Fica a sua obra, imensa, discutível, com altos e baixos, mas que revelava a sua visão de Portugal, as suas dúvidas, as suas obsessões e a sua estética muito particular e nem sempre compreendida. Fica a complicação com a sua casa que deveria guardar o seu espólio, jamais aproveitada, entretanto trocada por outra, complicação essa que não pode ser assacada a Oliveira. Fica seu exemplo de mente sã em corpo são, a sua afabilidade, até o mito dos seus planos longuíssimos.


E fica uma ironia e uma curiosidade. A ironia é que Manoel de Oliveira tenha tido exéquias fúnebres (mas não missa) numa Sexta-Feira Santa, o dia da Paixão de Cristo, o mesmo que lhe permitiu fazer um dos seus primeiros filmes, O Acto da Primavera. E a curiosidade é que a primeira (e última) imagem do seu primeiro filme, Douro, Faina Fluvial, de 1931, aquele facho do farol, tenha sido filmada a poucas centenas de metros do último, O Velho do Restelo (nos bancos dos Pinhais da Foz), com mais de oitenta anos de intervalo. Uma espécie de eterno retorno dentro da sua obra?