quarta-feira, dezembro 31, 2014

Curiosidades e ironias que 2014 nos mostrou



Ao cair do ano olhemos rapidamente para outros pontos do globo. Para a Ucrânia, por exemplo, um dos países mais falados em 2014. E para a Rússia dos últimos tempos. Por muito hábil que seja o jogo de Vladimir Putin, a verdade é que os dias do presidente russo não estarão a ser muito calmos (ninguém sabe o que está para vir). E certamente não foram nada agradáveis naquele fim de semana de 22-23 de Fevereiro, em que viu o governo do seu aliado Viktor Yanukovitch a cair na Ucrânia. É certo que lhe permitiu anexar de facto a Crimeia e espalhar a desordem no Leste e Sul dos vizinhos, mas provavelmente preferiria, para já, que o anterior presidente se mantivesse em funções.

A verdade é que o derrube do anterior presidente coincidiu com o encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, para os quais a Rússia não se poupou a gastos nem dispensou espectáculos visuais impressionantes nem uma segurança apertadíssima, por causa dos recentes atentados em Volgogrado. Até então, a vida corria bem a Putin: a Rússia marcara pontos e ganhara legitimidade moral internacional no conflito da Síria, as Pussy Riot e Mikhail Khodorkovsky foram indultados, amaciando a dureza do regime russo, e os jogos correram bem, sem nenhum incidente e com comemorações em grande. Só uma pedra no sapato: naquele preciso fim de semana, o amigo Yanukovitch era derrubado e substituído por um governo interino adverso à Rússia. E as coisas começaram a descambar precisamente aí. O período de graça de Putin acabou aí (fora da Rússia, porque lá dentro a sua popularidade só aumentou).


Mas o aspecto simbólico que gostava de mostrar é outro, e permaneceu na festa de Sochi. Nas cerimónias de abertura, destacou-se o conhecidíssimo Coro do Exército Vermelho, a cantar uma divertida versão de Get Lucky, dos Daft Punk, uma das músicas mais tocadas dos últimos anos nas pistas de dança de todo o Mundo. Um espectáculo com piada, e que é um hino à globalização: um grupo de rapazes russos a cantar, numa cerimónia internacional no litoral do Cáucaso, uma música em inglês da autoria de um duo francês, um dos quais com apelido português.

E é precisamente daqui que vem a outra curiosidade: o elemento de origem lusitana é Guy-Manuel de Homem-Christo, francês de terceiro geração, trineto do jornalista e polemista republicano Homem-Cristo (pai), reconhecido na toponímia aveirense, e bisneto de Francisco Homem Cristo (filho), que se destacou por ter sido o primeiro grande intelectual e propagandista do fascismo em Portugal, e cuja biografia política, Do Anarquismo ao Fascismo, e da autoria de Miguel Castelo Branco. De tal maneira ganhou a confiança de Mussolini que se tornou logo um dos principais "embaixadores" do Duce para espalhar a nova doutrina pela Europa, e mesmo para organizar um congresso do fascismo em Itália. Morreu em 1928, em Roma, num desastre de automóvel, no decurso dessas actividades políticas, quando já vivia e tinha família em França.

O irónico disto tudo é que provavelmente o Coro do Exército Vermelho, surgido como o próprio nome indica no tempo da União Soviética, não imaginaria sem dúvida estar a cantar uma música da autoria do bisneto de um notório propagandista do fascismo, inimigo mortal (ou outra cara da moeda?) da URSS. E com toda a certeza Homem Cristo Filho, admirador e defensor do fascismo italiano, jamais pensou que um seu descendente directo comporia músicas em inglês que seriam cantadas pelo coro do Exército Vermelho. Não seria essa, com certeza, a divulgação que pretenderia, mas o certo é que um seu descendente com o seu nome acabou por se tornar mundialmente conhecido pela sua música, e não certamente pela sua ideologia política (nem pela sua cara, já que o duo há anos que só aparece em público mascarado).

Bom 2015 a todos.

A deserção de CAA




A "confissão" de Carlos Abreu Amorim na já célebre entrevista ao Público na semana passada deixava adivinhar uma discussão acalorada, como o próprio título deixava prever. É verdade que CAA (como assinava) esteve na linha da frente do liberalismo político e económico na blogoesfera e em boa parte da opinião publicada, fosse no Blasfémias ou nos seus escritos aos quais dava o título de "é difícil ser liberal em Portugal", em que se mostrou sempre convicto, assertivo e até truculento. CAA esteve no CDS, saiu com Manuel Monteiro para a Nova Democracia, voltou a sair quando percebeu que não era um projecto liberal como pensava (com direito a manifesto de justificação), mas anos depois, e negando esse mesmo manifesto em que afirmava que "não tinha jeito para homem de partido", aderiu ao convite do PSD de Passos Coelho (supostamente liberal), elegeu-se como deputado por Viana e chegou mesmo a ser o candidato à câmara de Gaia. Daí que esta mudança espante muito, mesmo que houvesse alguns indícios nesse sentido, como cheguei a apontar, sobretudo o apoio eufórico ao ultra-despesista Luís Filipe Menezes, ou seja, tudo a que CAA se opusera antes.


A justificação que CAA dá é sobretudo o da crise financeira despoletada em 2008 e o tombo do BES, que necessitam de um "estado forte". Não tenho nada a objectar, mas fico sem perceber se o entrevistado, que sempre me deu ideia de ser um indivíduo culto longe dos populistas de café, pensava antes que não tinha de haver qualquer regulador para que o mercado funcionasse, ou se achava que a existência de um regulador não era o malfadado "socialismo", e então havia alguém no posto da vigia a regular as fronteiras aceitáveis do mercado. Se se trata da primeira hipótese, é perfeitamente aceitável, já que CAA dava ideia de ser um entusiasta da mão invisível e da cataláxia, essa auto-regulação da sociedade, e portanto trata-se mesmo de uma mudança de ideias. Caso contrário, pode perfeitamente conservar-se liberal tentando mudar as circunstâncias (i.e., pedir o reforço da regulação) e  não as ideias. Será meramente uma fuga para a frente ao aperceber-se da impopularidade do liberalismo. Tendo em conta que o choque ocorreu recentemente, ao fazer parte da comissão de inquérito do BES, e sabendo o apoio dado antes a Menezes, podia inclinar-me para esta hipótese, e aí aconselhá-lo-ia o artigo de Gonçalo Almeida Ribeiro, no Observador, mas prefiro ser benevolente e acreditar que uma houve uma genuína e dolorosa mudança de uma ideologia em que cria ardentemente. Até porque diz a meio duas frases determinantes:  a lógica do liberalismo económico tem uma contradição insanável com a natureza humana. O agente económico deve ter regras fortes e devem existir instituições que forcem a sua aplicação. Caso contrário, a ganância, a prevaricação, o instinto de fuga às regras. Nem mais. Isto é algo em que os devotos do liberalismo quasi sem regras deviam reflectir (e os marxistas também, por razões parecidas).


De qualquer maneira, não é o primeiro liberal fervoroso a abandonar o "barco": também Pedro Arroja, que por sinal também passou pelos Blasfémias, o deixou. E conheço pessoalmente outros casos. Um fenómeno parecido com o de ex-comunistas, quando a ideologia lhes desaba em cima (aconteceu na europa em 1968, e em Portugal em 1989-1991), de crentes religiosos, quando perdem a Fé, ou de não-crentes, quando a encontram. Um processo sempre doloroso, que creio ser de imenso vazio e alguma orfandade, e que nos casos mais graves levam a que se quebrem relações sociais e de amizade de anos e que se abandonem lugares, trabalhos e hábitos. Por isso espero que CAA recupere rapidamente o seu lugar ideológico, e que sobretudo saiba honrar o lugar para que o elegeram.


PS: e que por favor, não volte e encomendar coisas destas, que são mais dignas de programas de humor.

quarta-feira, dezembro 24, 2014

Natal em 2014




O essencial é isto. Que nada nos estrague a sã convivência entre a família, e para os que não a têm ou não podem, que ganhem renovada esperança.

quinta-feira, dezembro 18, 2014

Cuba libre?



O anúncio do reatamento das relações entre os Estados Unidos e Cuba, entra seguramente para o pódio das notícias mais importantes do ano (a nível internacional, se quiserem), numa semana em que não foram particularmente animadoras, com o horrível atentado que custou a vida a mais de cem crianças nesse repositório de loucos que é o Paquistão. O fim de uma prolongada hostilidade separada por poucas dezenas de quilómetros é plena de significado, e já teve alguns resultados concretos, como a libertação de três cubanos e de um americano, presos por espionagem. Também as relacções bancárias e viagens directas de um país para o outro serão retomadas. O tão falado embargo terá o seu fim se o Congresso o aprovar, o que com uma maioria republicana não muito para aí virada não deve ser propriamente um dado adquirido.

Mas a abertura da ilha e o degelo com os vizinhos são inevitáveis. Os beneficiados são desde logo os desgraçados que se lançam em balsas com a esperança de alcançar a Flórida, que muitas vezes ficam pelo caminho. Depois, a esperada liberalização política chegará provavelmente a Cuba, porque só o embargo e o discurso à volta dele suporta um regime que tem resistido surpreendentemente em mais de vinte anos à queda da URSS. Acaba também um foco de tensão com mais de cinquenta anos, os EUA limpam uma mancha e de certa forma largam algum lastro moral. E mais uma vez se demonstra que a diplomacia do Vaticano, que estabeleceu pontes entre os dois inimigos, continua a ter uma influência preponderante e com resultados notórios, depois das visitas de João Paulo II e Bento XVI à ilha, prosseguida depois por Francisco, em cujo dia de anos se tornou pública a grande notícia (propositadamente?). O Vaticano talvez não tenha divisões militares, como jocosamente ironizava Estaline, mas além de ter assistido aos desmoronar do estalinismo e sucedâneos, mantém pelos séculos dos séculos uma diplomacia mais eficaz que qualquer outra.

Haverá quem desconfie, quem seja prudente ou que ache que há aqui lirismo a mais, mas seja como for, a novidade é boa para todos. Só não será para os cínicos e os fanáticos, desde os comunistas inamovíveis saudosos Cominform e de Che Guevara e que nunca aceitarão a "capitulação ao imperialismo" até aos obtusos republicanos americanos que lamentam o "estabelecimento de relações com um regime totalitário", talvez esquecidos das que os EUA têm com a encantadora Arábia Saudita. Passando, claro, pelos cubanos de Miami, que na sua maioria vêm com apreensão as novas relações entre vizinhos. Será que não têm familiares na ilha que gostariam de rever? Ou que pensam que as relações dos últimos 50 anos deram algum tipo de resultado? Uma coisa é certa: a partir do dia 17 de Dezembro, Cuba ficou com certeza mais livre.


terça-feira, dezembro 16, 2014

O campeão voltou!




E desta vez para ficar, esperemos. Sofreu-se mas ganhou-se bem. Poucas oportunidades? Não muitas menos do que o adversário. Menos ataques e posse de bola? "Peanaers", como diria Jesus. Sorte porque tivemos duas bolas na nossa barra? Sim, depois da lesão do Luisão, capitão da equipa e principal referência da equipa e esteio da defesa. Sorte, só sorte. Liderança reforçada e seis pontos de vantagem. Provou-se quem plantel novo, mesmo com qualidade, nem sempre supera um mais velho mais mais maduro, e que a equipa de "Lotopegui" está longe de ser a maravilha que diziam dela. Cânticos de bom Natal, entrecortados com "tudo a saltar" ribombaram no Dragão. Se tudo correr bem, continuarão lá até ao fim da época.

segunda-feira, dezembro 15, 2014

As razões da queda do Bloco

 
A razão da contínua decadência do Bloco de Esquerda é consequência de uma velha tradição portuguesa. Mas o Bloco, por desconhecimento (com um número tão grande de sociólogos que não lhe servem para nada) ou por colectivismo ideológico, não parece chegar lá.

A tendência mui portuguesa para que as pessoas sigam formações com um líder forte, carismático, ou pelo menos, que represente uma identificação mínima com o movimento que lidera, é situação que qualquer pessoa que siga minimamente a política percebe. Nem é preciso ir a Salazar, ao "líder providencial" ou ao sebastianismo: fiquemo-nos pela Terceira República. O agora de novo tão badalado Sócrates, por exemplo. O "animal feroz", homem que agrega ódios (de quem acha que é o maior ladrão de sempre) e paixões (aquela mulher a bradar "mesmo que ele seja ladrão, eu voto nele!") levou o PS à sua maior vitória de sempre, em 2005, e resistiu a um grande desgaste em 2009. Acabou por perder quando tinha tudo contra ele.
Outro caso recente: o CDS estaria hoje no governo se não fosse a persistência de Paulo Portas, cujo acrónimo é comparado ao do próprio partido? Não é ele o principal elemento agregador de uma formação que tem votações razoáveis em eleições nacionais e fracas nas locais?
Veja-se o PSD: Cavaco já teve melhores dias, mas então tornou o seu partido hegemónico e o país a pintar-se de laranja.
E o velho PCP? Chegou aos 20% com Cunhal, decaiu com a estabilidade política e a queda do comunismo em 1989. Com Carvalhas, definhou. Com Jerónimo, resistiu e cresce de novo. Apesar de durante anos o vetusto partido comunista raramente apresentar caras nos seus cartazes, que eram autênticas "sopas de letras", para realçar o elemento "colectivo", todos sabiam que havia homem no leme, ou melhor, à frente do comité central.
Quanto ao cometa dos anos oitenta, o PRD, só surgiu porque estava colado à imagem de Eanes. é verdade que o general não tinha grande queda para a vida partidária, mas quando ele desistiu o partido simplesmente desapareceu.
E podíamos ainda falar do fenómeno Marinho Pinto e do extraordinário resultado que ele sozinho obteve nas últimas europeias. Ou recuando mais de vinte anos, recordar como o PPM teve interessantes resultados quando apareceu com a cara de Miguel Esteves Cardoso. Tudo para demonstrar como os nomes e os líderes são importantes na política partidária portuguesa. Sem isso, não têm o menor sucesso. O bloco cresceu com um aglomerado de gente, mas sempre com a figura tutelar de Francisco Louçã. A solução bicéfala revelou-se um erro. As emendas foram piores que o soneto: tudo encravado numa convenção com número ímpar de delegados e acabaram por criar uma liderança exacéfala, com a antiga "co-coordenadora", por sinal o elo fraco da liderança dual, no papel de porta-voz. Cada vez mais irrelevante e com uma sangria de elementos válidos e mediáticos, o Bloco parece perseguir o seu suicídio assistido intransigentemente. A liderança conjunta entre dirigentes que já não se dão bem entre si, de facções diferentes e adversas, só pode conduzir ao desastre. Apostar no "colectivo" na política não dá bom resultado, nem é como no futebol. E mesmo aí tem de haver um "mister" para liderar o grupo e levá-lo a bom porto. O Bloco encalhou nos recifes.

quarta-feira, dezembro 10, 2014

Pela Serra amarela, em Dezembro



Levantar quase de madrugada, ainda escuro, num domingo de Dezembro, sem quaisquer obrigações de maior, pode parecer bizarro, mas justifica-se se for para uma volta por regiões portuguesas tão longínquas como apelativas. Se for no Gerês, mais ainda. Há muito por onde escolher. A Serra Amarela, ali entre a Serra do Soajo e a da Peneda, a Norte, o vale do Lima, a Oeste, e a barragem de Vilarinho da Furna, a Sul, é uma das muitas alternativas. E não é por ser no Inverno que é menos atractiva, mesmo sem neve.








terça-feira, dezembro 02, 2014

A justa consagração da identidade alentejana


O reconhecimento do cante alentejano como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO surpreendeu-me pela rapidez da aprovação. Julgava que ia demorar anos, que iriam esperar algum tempo depois de igual reconhecimento do fado, e que por comparação, a música do Alentejo estaria uns degraus abaixo. Mas olhando bem, vêem-se tantas tradições culturais a receber  a mesma "categoria", e algumas delas que até nos parecem muito mais irrelevantes, que este galardão afinal acaba por ser lógico e perfeitamente justo. Será o cante, com a sua melodia arrastada, melancólica e misteriosa, legado das passagens de árabes e judeus pelo território agora de Portugal, inferior, por exemplo, ao Carnaval de Alost? Talvez daqui a alguns anos outras tradições culturais musicais, como o vira, o fandango ou corridinho, tenham a mesma sorte. Para já, há que nos congratular com o facto do cante alentejano, ter sido ouvido em Paris por estes dias (há quem ache que pode ser um novo chamariz turístico, para além do sol e da praia), e por ser ensinado de geração em geração nas escolas, uma vez que na agricultura é coisa quase impossível. Um abraço a todos os alentejanos que o fazem ouvir, nos grandes auditórios de Paris ou nas tabernas de Serpa.