sábado, dezembro 07, 2013

O legado de Nelson

 
O dia fatal tinha de chegar, há muito anunciado por internamentos e notícias da sua saúde extremamente debilitada. Não há muito mais que se possa dizer da vida e obra de Nelson Mandela. As edições especiais dos jornais, os louvores das redes sociais e as inúmeras imagens televisivas encarregaram-se de tudo. Não faltou sequer o habitual oportunismo político, que desenterrou uma velha questão de 1987, e que lançou à pressa a notícia de que Portugal votara contra a libertação de Mandela, só informando mais tarde que nessa resolução estava explícita a invocação de violência e luta armada (num país com centenas de milhares de portugueses e luso-descendentes)e que a representação portuguesa também votou a favor de outra que apelava, tout court, à libertação incondicional do então prisioneiro de Robben Island.
O endeusamento de mortais é uma coisa que me convence muito pouco. E no entanto Mandela é dos que mais merece. Não que não tivesse cometido os seus erros ou actuado erradamente noutros tempos. Mas um homem que depois de 27 anos numa cela exígua, encarcerado por um regime racista e segregacionista, se esquece de quaisquer sentimentos de vingança e se esforça por promover a paz e a concórdia, a reconciliação e a união - mesmo depois de ser eleito presidente e de obter uma maioria esmagadora em eleições parlamentares - numa quase quimérica "nação arco-íris", só se encontra num em cem milhões.
 
 
É este o grande exemplo de Nelson Mandela: se erros cometeu (como a luta armada contra o Apartheid, de certa forma compreensível), pagou-os no cativeiro. Entretanto, redimiu-se e conseguiu evitar o pior. Não aproveitou para revanches sobre os seus carcereiros, não: aproximou-se deles, apertou-lhes a mão e disse-lhes que aquele país, doravante, seria de todos: impediu muito provavelmente banhos de sangue e a deriva para um regime racista de sinal contrário. Mesmo que a África do Sul esteja corroída por corrupção, desigualdades, pobreza, SIDA, criminalidade, etc, e que haja imbecis, como Julius Malema, que preferem o modelo do lunático vizinho Mugabe. Mas isso já são tarefas dos sucessores.
 
É essa a grande lição de Mandela: o perdão, a reconciliação, o reconhecimento do Outro, afinal virtudes tão cristãs. O único receio é que enquanto viveu, esses valores ainda eram evocados. E agora que desapareceu, conseguirão os sucessores manter a ordem e uma união mínima naquele país tão complexo? O desafio que têm pela frente será a melhor homenagem que farão a Mandela, para além de todos os louvores ou memoriais que lhe dediquem.
 
 

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