sábado, novembro 30, 2013

O projecto impossível da ponte sobre a cidade


O concurso de ideias para a reabilitação do quarteirão da Companhia Aurifícia, ali entre Cedofeita/Álvares Cabral/Praça da República, de que se conheceram os resultados há pouco tempo, saltou para os holofotes mediáticos graças ao inusitado projecto de Pedro Bandeira e Pedro Nuno Ramalho, ambos da Faculdade de Arquitectura do Porto: desmontar a Ponte D. Maria e recolocá-la no quarteirão da Aurifícia, criando no centro da cidade aquilo a que chamaram "o efeito Eiffel" (a expressão é dupla e literalmente feliz, já que o autor da ponte foi precisamente Gustave Eiffel). De vetusta e utilitária travessia de comboios - embora elegante e centrada numa paisagem admirável, mesmo com a suburbanização circundante - a impressivo monumento à idade do aço, dominando a urbe. O projecto é radical, sonhador, provocador, quase utópico, e como não podia deixar de ser arrebanhou entusiastas e criou opositores. Tanto fará, porque não ganhou o concurso. Mas a ideia prevaleceu. Por um lado, houve quem achasse que os vinte milhões de euros previstos para a empreitada nem são assim tanto, e que o impacto estético e icónico seria tão grande ou maior que o da torre do mesmo autor da ponte, na margem esquerda do Sena. Por outro, há quem argumente que os custos não se justificam em época de crise, que a própria ideia de imóvel fica desvirtuada (porque "existem no lugar próprio"). É crível que haja também por aqui rivalidades e egos inchados de outros arquitectos.
 
 
Devo dizer que o projecto é sem dúvida assombroso. Imaginativo, arrojado, esteticamente muito bem conseguido e interessante. Eu próprio fiz as medições, com o auxílio de um mapa, e concluí que a ponte cabia por inteiro no quarteirão, como aliás o próprio projecto o comprova. E não haja dúvida que daria ainda maior visibilidade ao Porto. Quais são então as dificuldades práticas? Para além dos custos envolvidos, que de facto não caem bem nos actuais tempos de penúria, mas que seriam comportáveis em épocas de vacas mais gordas (se isso acontecer), há ainda o facto do quarteirão, segundo o projecto vencedor do concurso, ser no futuro próximo objecto de reconversão em habitação, comércio, jardins e outros espaços comuns, etc. Alguém gostaria de viver, literalmente, sob a ponte? Imaginem o que seria em noites de vento e tempestade, sentir aquela enorme estrutura a vacilar, já sem os pilares que a sustentam.
 
 
É por isso que considero o projecto, pese toda a imaginação que comporta, inaplicável em concreto. Mas a ideia deve prevalecer, ser recordada, e deve servir de exemplo para novas propostas arrojadas, que permitam sustentar o nosso património e dar-lhes mesmo uma perspectiva renovada e quem sabe, um novo uso.
 
PS: tristemente pertinente, na semana em que morreu Alcino Soutinho, um dos mais notáveis nomes da FAUP e da "Escola do Porto". Paz à sua Alma.

sexta-feira, novembro 29, 2013

A campanha do Banco Alimentar de regresso

 
Neste fim de semana, não esquecer: o Banco Alimentar volta às ruas e aos estabelecimentos comerciais para a habitual campanha contra a fome. É sempre preciso contribuir. E esta época gelada não é de todo a excepção.
 

 

segunda-feira, novembro 25, 2013

A justíssima homenagem a Eanes


Não haveria data melhor do que a de hoje para homenagear Ramalho Eanes. Quando ouvimos pessoas como Mário Soares, a exigir que o Presidente em exercício de funções se demita "antes que venha a violência", ou ex-chefes de Governo, como Sócrates, tentando lançar a sua vendetta, ou durão Barros, um autêntico cata-vento virado para o sopro do mais forte, o exemplo de Eanes é um autêntico bálsamo moral. O homem que teve grande responsabilidade no 25 de Novembro, que recusou o bastão de Marechal (a que teria direito por ter ocupado a chefia do estado), que tentou mudar o equilíbrio partidário com a inglória aventura renovadora, que já depois dos setenta anos se doutorou em Navarra com base em estudos da história contemporânea portuguesa e na sua rica experiência política há muito que merecia que o recordassem condignamente. Não, não é o novo PRD: são apenas pessoas com memória que lembram alguém que se transformou num exemplo de rectidão e integridade numa época que está bem necessitado deles. E para quem ainda tem dúvidas, deixo aqui a ligação para um texto da autoria de um dos homenageantes, Fernando Dacosta, que já há muito circula pena net. Nunca é demais recordá-lo.
 
 

sábado, novembro 23, 2013

Vamos a ver o que resulta do "Livre"


À margem de assembleias "alternativas", manifestações com mais ou menos violência ou outras que tais, o pré-anúncio, de resto já com algum tempo, da criação de um novo movimento à esquerda, que tem como denominação (não sei se provisória) "Livre", é uma das notícias mais interessantes da vida política partidária dos últimos tempos. Tavares já "ameaçara", mas agora parece mesmo querer dar corpo a uma ideia que já há muito vinha expondo nos seus artigos jornalísticos.
 
O velho problema da constituição de maiorias estáveis em Portugal em caso de vitória do PS sempre se pôs. Ou o PS ganha com maioria absoluta, coisa que só aconteceu por uma vez, ou sujeita-se a governar em minoria, com acordos pontuais aqui e ali. A outra hipótese, mais improvável, é coligar-se com outros partidos. Até agora, fê-lo com o CDS, em 1978, e com o PSD, o célebre bloco Central dos anos oitenta. Nenhuma dessas experiências durou muito. Talvez por isso muitos colunistas se perguntem porque é que os entendimentos à esquerda nunca se fazem, ao contrário do que acontece À direita. A resposta é óbvia, mas parece que lhes escapa: a natureza política dos partidos à esquerda é absolutamente distinta. O PS é um partido da área social-democrata, que defende um regime parlamentar pluralista e a economia de mercado, com alguns limites. O PCP (o apêndice Verdes não conta para os números) é um velho partido marxista-leninista, que envia condolências pela morte do tirano da Coreia do Norte. Já o Bloco de Esquerda é um conjunto de capelinhas mais ou menos radicais, onde cabem trotsquistas, neo-maoístas, comunistas "renovadores", etc, que entre outras coisas pugna pela saída de Portugal da NATO. Só por oportunismo ou por pura ignorância é que alguém defende que o PS se pode aliar a nível nacional com qualquer destes partidos. Sim, é verdade, houve já coligações entre eles que nem correram mal, como em Lisboa, nos anos 80/90, sob a presidência de Sampaio. Mas uma coisa é fazer coligações locais (até o PSD e o PCP já as fizeram, depois das eleições), outra absolutamente diferente é dar ao país um governo PS/PCP/BE. Alguém imagina? O caso mais próximo é o da França aquando da primeira vitória de Mitterand: o PS francês estava mais à esquerda, o PCF era mais aberto que o "nosso" PCP, e mesmo assim nunca mais repetiram a graça.
 
Por isso, a nova formação pode ser uma espécie de CDS de esquerda. Um partido mais europeísta e pluralista, sem o sectarismo e o radicalismo irresponsável do Bloco, e evidentemente sem a férrea disciplina e a ideologia imutável do PCP. No fundo, pode ser para Portugal o que Os Verdes foram na Alemanha, e que permitiram ao SPD fazer coligações à esquerda. Com o tempo, o partido de Joschka Fischer passou de movimento de protesto a partido responsável. O "Livre", agrupando pessoas fartas do BE, nada receptivas ao PC, ecologistas que repudiem Os Verdes (e não se enquadrem no Partido da Terra ou no PPM) mas que não tenham grande vontade de entrar num partido tão "governamental" e pleno de interesses e jogos de poder como o PS, poderá vir a constituir uma alternativa interessante nesse campo. Adivinha-se que para além de Rui Tavares lá possam caber pessoas como Daniel Oliveira (os dois eram a espinha dorsal do blogue Barnabé), Joana Amaral Dias ou até elementos próximos do PS, como Inês Medeiros ou Ana Paula Victorino. Talvez já nas próximas europeias possamos ver o novo movimento apresentando-se às urnas, numa primeira prova de fogo (embora isso já tenha atraído as esperadas críticas a Rui Tavares, acusando-o de "estar atrás de um tacho", talvez esquecendo que o mesmo dispôs de parte do seu vencimento de eurodeputado para patrocinar algumas bolsas). Se poderá atrair algum eleitorado de esquerda desiludido com o que há, ou se não passará de uma formação efémera de algumas figuras semi-mediáticas, como infelizmente aconteceu ao MEP, é coisa que terá de provar. A escolha da papoila para símbolo é que já não parece muito feliz...
 
 

terça-feira, novembro 19, 2013

Ousar jogar, ousar vencer!


A Selecção Nacional em versão mural-MRPP, com Cristiano Ronaldo em pose Arnaldo Matos, ou uma capa de A Bola que se deverá recordar (pela estética, certamente, mas esperemos igualmente que pela premonição). Contra a reacção ibrahimovista nórdica! Ousar jogar sem ser a defender o 1-0, ousar vencer!
 

segunda-feira, novembro 18, 2013

Eis os resultados do Viaduto do Corgo

 
Enquanto o túnel do Marão não está pronto (antes era preciso que se reiniciassem as obras, paradas há dois anos), já se pode cortar caminho indo do IP-4 do Marão à A4 em direcção a Bragança sem necessidade de passar por Vila Real. O viaduto do Corgo abriu em Setembro passado, ligando Parada de Cunhos à autoestrada, transpõe a profunda garganta rochosa do rio Corgo e é uma obra de engenharia e de arquitectura prodigiosa, pese o impacto visual na região que vai demorar alguns anos a passar. Ficam aqui umas imagens, algumas em 3D, da sua construção, do seu desenho e das suas características. A primeira e a última parte, sobretudo, valem bem a pena.
 
 

quinta-feira, novembro 14, 2013

Alvorada dominical catalã


Numa passagem por Barcelona, cidade que não conhecia ainda, pela alvorada, eis o que presenciei entre o Barri Gotic e a Rambla:

- Um grupo de "perroflautas" italianos, provavelmente atraídos por alguma fama anarquista da   cidade, de aspecto imundo, a dormir na rua ou a beber

- Outros noctívagos a recolher dos bares espalhados pelas ruelas medievais

- Varredores começando a recolher os vestígios da noite que acabava

- Orientais passando com malas em direcção ao porto

- Corredores a fazer o primeiro running do dia

- Feirantes, ou coisa parecida, a erguer as suas bancas para uma anunciada feira de filatelia e selos, na Plaza Reial

- A Igreja de San Jaume de portas abertas, com frades e freiras a orar para o primeiro ofício de Domingo. Aqui, um homem que parecia uma mistura de peregrino com um mendigo, francês que fazia questão de falar catalão, parecia estar de guarda ao portal para impedir que alguém entrasse, e explicou-me que estavam a rezar dominicanos e franciscanos em conjunto, uma reunião não muito óbvia.

O amanhecer numa grande cidade europeia permite-nos esta mistura surpreendente, que não veríamos a outras horas nem talvez num dia de semana.

quinta-feira, novembro 07, 2013

Um desperdício e um estúpido gasto público


Ainda se vislumbram por aí algumas réstias da campanha eleitoral para as autárquicas. Pouca coisa, um outdoor esquecido e esfarrapar-se, alguns cartazes de plástico agarrados aos postes, autocolantes nas paredes...
 
Ao ver algumas imagens da campanha que passou, particularmente dos comícios e das arruadas, reparei que tanto os candidatos independentes como as coligações e até mesmo partidos a concorrer sozinhos tinha sempre um logótipo personalizado estampado em bandeiras, t-shirts ou pendões. Pode-se perceber isso em candidaturas apartidárias ou em coligações que não existiam antes, mas fora disso parece um pouco ridículo. Como se os partidos tivessem vergonha de apresentar a sua simbologia, quando sabemos que em eleições municipais, a ideia é reforçar as "bases" e o poder territorial.
 
Li há tempos, a propósito da reciclagem de material de campanha (no caso, as lonas de outdoors para serem reutilizadas como tendas em África), que segundo a lei de financiamento dos partidos, os objectos usados em campanha não podem ser usados em campanhas posteriores. Confesso que dei uma vista de olhos à tal Lei, e ou por distração minha ou por erro de quem escreveu isso, não encontrei qualquer proibição de repetição de campanhas. Mas se isto é verdade, significa tão somente que os símbolos e imagens gráficas usadas numa campanha não podem voltar a ser reutilizados. O que significa uma enorme desperdício (já nem digo em gastar imensos "cartuchos" de criatividade) de dinheiro em agências de marketing e assessores de imagem, plásticos e materiais vários, etc. Ainda há dias, num programa dedicado exactamente aos gastos de campanha e respectivas subvenções pelo estado, José Guilherme Aguiar, que concorreu como independente a Gaia, estimava as despesas em mais de duzentos mil euros. Perto de metade seriam suportados pelo Estado, que ao todo, nas últimas eleições, terá despendido perto de 48 milhões de euros Às candidaturas que elegeram representantes e tiveram mais de 2% dos votos.
 
Imagine-se agora que quatro anos depois, a simbologia e imagem gráfica podiam ser reutilizadas em nova campanha. A poupança seria certamente considerável (também dependeria da prodigalidade das candidaturas). E numa altura em que mais do que nunca há que cortar no que há de mais acessório para enfrentar os sucessivos défices que ficam sempre além do previsto e engordam uma dívida assustadora, seria de bom senso e eticamente aconselhável alterar a lei do financiamento partidário, para que números como aqueles 48 milhões sejam efectivamente mais baixos. As campanhas eleitorais precisarão de tanto financiamento estatal? De tanto outdoor, tanto material para oferecer, tanto conselheiro de imagem? Alterem-se e baixem-se os financiamentos estatais, quanto antes, a começar pela suposta proibição de reutilização de campanhas anteriores, e usem a imaginação para atrair o voto dos eleitores com menos despesas. Depois queixem-se que cortam nas pensões...
 
 

domingo, novembro 03, 2013

No desaparecimento de Zé da Guiné, um bom testemunho


Morreu Zé da Guiné, um dos pioneiros da movida lisboeta dos anos oitenta. Morte pouco surpreendente, já que sofria de uma doença degenerativa neurológica, semelhante à que vitimou Zeca Afonso. Antes de vir para Portugal, chegou a ser guerrilheiro na Guiné-Bissau, na guerra colonial. Já em Lisboa, trabalhou como modelo - surpreendia os transeuntes do Chiado ao aparecer vestido à escocês com dois dobermans pela trela - dedicou-se à prática de Karaté a ao atletismo, e "atirou-se" à noite da capital, tendo contribuído para a abertura de vários bares inovadores no Bairro Alto, até ali pouso reservado de prostitutas, jornalistas e taberneiros e no Cais do Sodré, frequentado por fauna idêntica, só trocando os jornalistas pelos marinheiros. Mais tarde, transformou o palácio Almeida Carvalhais, que dividia com a sede do Casa Pia, na zona do Conde-Barão, entre o Cais do Sodré e Santos, num espaço de diversão conhecido como "noites longas", e que o eram, literalmente, antes deste se transformar no famoso B.leza. A vida boémia nocturna e cultural lisboeta mudou bastante depois disso, mas deve-lhe muito. Também por isso, um documentário sobre a sua vida, com inúmeros testemunhos, intitulado Zé da Guiné, Crónica de um africano em Lisboa, foi exibido há uns três anos, exclusivamente em salas de Lisboa. Fiquei bastante curioso, mas como na altura tinha regressado ao Porto, não o consegui apanhar. Até agora: passa amanhã, Segunda, dia 4, na RTP2, às 20:44. Quem quiser testemunhar esse período da história cultural lisboeta tem agora uma boa oportunidade.
 
 

sexta-feira, novembro 01, 2013

O dia Todos os Santos já não é feriado

 
Discutiu-se exaustiva e apaixonadamente, nas redes sociais, o  facto do Halloween se ter cravado em Portugal, como exemplo de influência cultural americana que nada tem a ver com as tradições portuguesas. não gosto muito da comemoração, e menos ainda das novas gerações vestidas de monstrinhos e criaturas do mal. Mas gosto ainda menos de chegar a um Dia de Todos-os-Santos e lembrar-me que já não é feriado, sobretudo quando vejo a confusão à porta dos cemitérios. Sim, porque sendo este o feriado, aproveitava-se para fazer a habitual romagem para relembrar os finados mais próximos, e não no dia 2 - que era o autêntico dia de Fiéis Defuntos (e que em tempos chegou também a ser feriado, se não falham as crónicas). E agora, voltarão as pessoas ao cemitérios nos Fiéis, ou a tendência será para deixar de ir? Cada vez me convenço mais que este, a par do Feriado daqui a um mês, era daqueles que nunca podia ser extinto (até porque me causa urticária ver feriados acabar por razões pretensamente economicistas, e não porque as circunstâncias que os justificavam tenham desaparecido). Há de voltar como tal, se Deus quiser.