quinta-feira, janeiro 31, 2013

Jaime Neves, o homem certo na altura certa



O artigo do Público de 30/01, da autoria de Paulo Moura, sobre Jaime Neves, é o mais corrosivo que vi sobre o militar que agora nos deixou (descontando os comentários dos saudosistas do PREC, que o detestavam). Entre os louvores dos Comandos e dos muitos que lhe dão graças por ter provocado o estertor final dos que queriam fazer de Portugal um regime de loucos, e os insultos dos apoiantes desse projecto, refere-se a bravura do militar mas também as suas atitudes impetuosas e o seu carácter violento, nomeadamente na guerra em África, além de uma faceta conhecida: a de boémio, que surge aliás no antetítulo da sua recente biografia, de Rui Azevedo Teixeira (consta que na noite de 24 para 25 de abril de 1974 estava no cabaré Maxime, em Lisboa).
Como em todas as histórias com heróis, as proezas são sempre mitificadas e não se olha a defeitos. Jaime Neves, que comandava regimento dos Comandos, era trasmontano, como a maioria dos Comandos, gente resistente e habituada às contrariedades naturais, de São Martinho da Anta (também a aldeia de Miguel Torga), oficial duro, corajoso, impetuoso, a quem os seus homens seguiam sem hesitar. O homem certo no lugar certo. Na tentação de eliminar os inimigos, que tinham espalhado o caos pelo país, conseguiu controlar o desejo de sangue dos seus "boinas vermelhas". Obteve a rendição da Polícia Militar, guarda pretoriana da extrema-esquerda - se é que não é um contrasenso - e acabou assim com o PREC.

Depois disso, manteve-se nos Comandos, passou à reserva, e mais tarde receberia as mais altas condecorações militares e o posto de General, o que causou muito burburinho. Aí podem-se encontrar claras distinções com Salgueiro Maia. Mas no essencial, teve bastantes semelhanças com o mítico "Capitão de Abril". Tal como Maia, também Jaime Neves, ele próprio um dos militares de Abril, comandou os homens no terreno onde tudo se decidia, deu o peito às balas e tornou-se um símbolo da democracia. Podia não ser um homem de mil virtudes ou despojado, ou um político hábil, mas era um militar bravo, eficaz e competente. E isso era tudo o que no momento concreto se lhe exigia. Audaces Fortuna Juvat, como diz o lema dos seus Comandos. À sua audácia e dos seus "boinas vermelhas" devemos a nossa liberdade. Que descanse em paz.

terça-feira, janeiro 29, 2013

Surfando uma muralha de água


Hoje é impossível escapar a esta imagem avassaladora, ainda que igualmente enganadora. Ainda estamos em Janeiro, mas uma das fotos do ano será inevitavelmente esta que está reproduzida em baixo. E Garrett McNamara, se realmente ultrapassou o seu próprio recorde, vencendo uma onda de trinta metros, torna-se por direito próprio no maior cavaleiro de ondas à escala mundial.
 
 

segunda-feira, janeiro 28, 2013

Um Credo punitivo...


...segundo Johnny Cash

terça-feira, janeiro 22, 2013

Sucesso no "Dakar"


O "Dakar" de 2013 chegou ao fim, e Ruben Faria ficou em segundo lugar na prova de motas, a melhor posição de sempre de um português na competição. Para um auxiliar do seu companheiro e estrela da equipa, numa prova dificílima, é um resultado soberbo e que merecia maior atenção, tanto mais que num tempo de depressão colectiva (ou eufemisticamente falando, pior humor), as boas notícias de feitos portugueses devem ser sempre tidas em conta.
 
Mas reportando-me ao post anterior, e tendo em conta que a prova, que se mudou para a América do Sul e para o Atacama há uns anos por medidas de segurança, conserva símbolos do traçado original pelo Norte de África (a começar pelo nome, que inicialmente até era Paris-Dakar), pergunto-me se o logótipo irá permanecer? É que alguns tuaregues, outrora com uma imagem pacífica, ficaram conotados com o jihadismo e fanatismo islâmico, principalmente os do Ansar Dine. Conservar-se-à a imagem gráfica, símbolo de exotismo e aventura, ou, para não enaltecer o fundamentalismo maometano, será a prazo substituída por qualquer logótipo estilizado de um inca do Atacama?
 


 

domingo, janeiro 20, 2013

Os outrora "cobardes" enfrentando a crise do Mali


Há dez anos, os EUA, com o apoio do Reino Unido, da Itália, de Espanha, de países do ex-Pacto de Varsóvia, e simbolicamente, de Portugal, preparavam-se para invadir o Iraque com o pretexto de que o regime de Saddam Hussein teria em seu poder armas químicas e biológicas e que daria guarida a terroristas islâmicos responsáveis pelo 11 de Setembro. A França e a Alemanha opuseram-se terminantemente, embora tivessem os seus interesses próprios. Surgiu logo uma reacção a apelidar quem não apoiava a invasão de "anti-americanos", cobardes, "amigos dos terroristas", e Donald Rumsfeld falava das diferenças entre a "velha Europa" e a "nova Europa", ou seja, a que apoiava os Estados Unidos. Mas como se sabe, a invasão, feita com bombardeamentos maciços e posterior invasão terrestre, derrubou o regime e eliminou os seus dirigentes, mas atolou o país numa situação de ferro e fogo, dado que a desintegração do forte poder central exercido por Saddam e pelo seu Partido Baath permitiu a entrada dos jihadistas afectos à al-Qaeda, o que provocou centenas de milhares de mortos. Hoje já se vislumbra alguma luz para o futuro do Iraque, mas o quotidiano ainda é preenchido por atentados, rivalidades entre sunitas e xiitas (enquanto os cristãos fogem em massa) e instabilidade política.


A crise do Mali (e em toda a região do Sahel) domina agora as páginas das  secções internacionais dos órgão de comunicação social. Aproveitando um golpe de estado em Bamako, forças combinadas do Movimento Azawad, cujo objectivo é o de formar uma nação tuaregue na parte norte do Mali, do Ansar Dine, grupo jihadista islâmico tuaregue que pretende estabelecer a Sharia no país inteiro, e de outros grupos ligados à Al Qaeda do Magrebe tomaram todo o território setentrional do país, uma larga porção ocupada em boa parte por deserto e que vai até  às margens do rio Níger (via de comunicação por excelência da região, e que também passa em Bamako), incluindo as históricas cidades de Gao e Tombuctu.
Os tuaregues independentistas proclamaram em Abril a independência de Azawad, mas depressa se desentenderam com os jihadistas e começaram os combates entre as facções. Os integristas islâmicos, bem armados com os despojos do exértio líbio arrebanhados aquando da queda do regime de Kadhafi, e com auxílio dos grupos argelinos que nos anos noventa espalharam o terror na Argélia (e que se aproveitam da ausência de fronteira, em pleno deserto, entre os estados), tomaram várias cidades, como Tombuctu, a mítica urbe do Sahel, o antigo entreposto comercial onde negros e berberes se encontravam com a sua universidade corânica, as suas mesquitas de lama seca e sobretudo os seus 700 mil manuscritos e os mausoléus de santos islâmicos, venerados pela população. Os jihadistas consideram blasfemas estas construções e tais venerações e já destruíram uma parte importante dos monumentos sagrados da cidade, classificada pela UNESCO, perante a impotência dos habitantes, fazendo lembrar a destruição dos budas de Bamyan pelos taliban afegães.

 
As forças islamitas avançaram para lá do rio Níger, e a impreparação das tropas malianas levou o governo de Bamako a pedir auxílio internacional. Vários países vizinhos enviaram alguns contingentes, mas das potências ocidentais, só a França ocorreu, com o envio de tropas e ataques aéreos, a partir das bases que mantém no Chade e na Costa do Marfim, com a aprovação do conselho de Segurança da ONU. Todos os outros membros da NATO limitaram-se a dar apoio logístico ou de formação de tropas locais, mas não intervieram directamente. A França tem interesses óbvios na estabilidade de todo aquele espaço: alguns milhares de franceses vivem no Mali, e a economia da região é explorada em grande por empresas francesas, incluindo minas de urânio, fosfatos e de ouro. Mas acima de tudo, a ausência de ordem estadual num vasto espaço desértico e a fraqueza dos regimes vizinhos (ou a sua queda, como sucedeu ao da Líbia, curiosamente  provocada pela França, que beneficiou directamente estes grupos fundamentalistas) pode levar à criação de um vasto emirado regido pela sharia no centro de África, uma enorme base para grupos islâmicos que ameaçaria o Magrebe e seria também um perigo para todo o Mediterrâneo, incluindo a Europa. O interesse em neutralizar a ameaça jihadista é de todos os estados da NATO, como Portugal, e não apenas da França. No entanto, há hesitação em avançar no terreno, mesmo com toda a legitimidade, talvez pela dificuldade de lutar em zonas desérticas, sabendo-se que o adversário está bem armado, ou pela experiência traumática do Afeganistão e do Iraque.
 
 


Sim, dez anos depois, são aqueles a que muitos apelidaram de "cobardes" que lutam na orla do Sahara contra uma ameaça real e perigosa, sem inventar falsas armas nem usar invadir territórios contra a vontade dos locais. Já os antigos "combatentes pela liberdade" ficam de fora, dando "apoio moral" e tímidas formações. Quem disse que a França tinha desaprendido de combater enganou-se redondamente, tal como os que acreditaram que a invasão do Iraque era justificada. A História contemporânea tem ironias para dar e vender.

quarta-feira, janeiro 16, 2013

Nove anos


De ano para ano, surge um post com um número que lembra uma contagem crescente. Na realidade, trata-se apenas de mais um ano de A Ágora. Há nove anos, numa noite como esta, dei início a esta discreta página onde escrevo. Já se pode considerar algum tempo neste meio, em que constantemente vemos novos espaços a abrir e outros a encerrar (e infelizmente a desaparecer da nossa vista, sem deixar rasto). E a própria blogoesfera já atravessou picos de popularidade, quando as redes sociais e o twitter ainda não faziam sombra. Mas A Ágora chegou ao nono aniversário, e por aqui continuará enquanto o seu mentor tiver paciência e alguma coisa para dizer.
 
 

terça-feira, janeiro 15, 2013

A faustosa "vida privada" do sr. Relvas



As minhas desconfianças sobre as amizades de Miguel Relvas não eram em vão. Já tinha ouvido um rumor, mas ainda pensei que fosse uma notícia apressada. Mas não, era mesmo verdade, com pormenores agravantes: Miguel Relvas passou mesmo o reveillon no Rio de Janeiro, no Hotel Copacabana Palace, um dos mais distintos do Rio, e cujo preço é absolutamente proibitivo para quase todos os portugueses; a acompanhá-lo, Dias Loureiro e José Luís Arnaut. O primeiro dispensa apresentações, mais pelo seu papel na escândalo BPN do que pelo seu papel nos governos de Cavaco silva. O outro, que também teve cargos ministeriais, é um dos rostos principais dos escritórios de advogados a que o Estado recorre tantas vezes a peso de ouro, como ainda agora mesmo aconteceu, com as privatizações da TAP e da ANA. Mas ao grupinho luso juntou-se ainda outra figura: Paulo Maluf, ex-prefeito e governador de S. Paulo, ex-candidato presidencial (derrotado por Tancredo Neves), e um dos rostos da corrupção em larga escala do Brasil, com mandado de captura emitido pela Interpol por lavagem de capitais e fraudes várias. Ou seja, Miguel Relvas dá-se com os melhores representantes da corrupção brasileira, à esquerda (José Dirceu, o homem do "Mensalão") e à direita.

O mais incrível é que temos discutido assuntos como o "Zico" e a mala da Pepa Xavier mas aparentemente este assunto passou ao lado dos debates e dos opinadores do Reino. Apenas o Correio da Manhã e o Governo Sombra lhe pegaram, e bem, além do. Dirá o sr Relvas - peço desculpa, mas recuso-me a tratá-lo por um título académico que não me merece confiança - que não discute "a sua vida privada". Como disse João Miguel Tavares, "vida privada, o caraças": Relvas é um dos estrategas-mor de um Governo que cortou nos salários e nas pensões, que propõe às pessoas emigrar e que afirma que temos de empobrecer, é a ele que cabem alguns dos programas mais controversos, como as privatizações, e os seus rendimentos provêm do erário público. Estando reunido com gente que contribuiu para o descalabro moral e financeiro do país (e do Brasil, já agora), ou que está envolvida por fora no processo de privatizações, há uma quebra total da imparcialidade e compatibilidade que os governantes deviam respeitar acima de tudo, além de que parece uma piada de mau gosto quando a população portuguesa passa por sérios apertos económicos e mergulha numa crise de confiança. Do sr. Relvas, infelizmente, já se espera tudo (até que seja amigo de Madoff). Da nossa comunicação social, habitualmente tão lesta a denunciar os pecados da nação, é que esperava um pouco mais de investigação.

segunda-feira, janeiro 14, 2013

O idiota útil azulado

 
O Benfica tinha hoje uma hipótese de ouro para assegurar definitivamente o comando do campeonato e geri-lo até ao fim, mas falhou por erros defensivos inaceitáveis a este nível e porque não teve artes para fazer o terceiro golo quando teve essa oportunidade. A conquista do título torna-se agora mais complicada, com esta desvantagem e com uma penúltima jornada que acaba passa pelo reduto portista. O Porto soube aproveitar os erros, controlou o meio campo e limitou-se a gerir o empate na segunda parte. Há que reconhecer que têm boa equipa. Já do treinador não  se pode dizer o mesmo: Vítor Pereira é das coisinhas mais patéticas que o futebol português viu nos últimos anos. Figura avinagrada, treinador medíocre, consegue singrar graças ao conjunto de jogadores legado por Villas-Boas, não se sabe muito bem como, conseguiu ganhar o campeonato do ano passado (ao mesmo tempo que era corrido de todas as outras provas) e tem a mão de Pinto da Costa a ampará-lo a quem, como bom treinador portista, babuja. Num jogo com o Benfica no ano passado já tinha inventado uma história de uma agressão de Cardozo a um jogador portista (uma cena de teatro memorável). Agora, resolveu armar-se em pobre vítima e acusar o árbitro de não expulsar jogadores benfiquistas e de marcar foras de jogo inexistentes. Os jogadores em questão eram Matic (o melhor em campo) e Maxi Pereira, mas Moutinho e Fernando não desmereceram de menos "elogios". Quanto a foras de jogo, até o maior amnésico se lembrará da forma como o Porto ganhou na Luz no ano passado, com um golo estupidamente para lá da linha aceitável. Mas como obviamente estamos perante um capacho obtuso, obedecendo à voz do dono, que veio também ele criticar arbitragens depois de assegurar que não o fazia, não se pode esperar muito mais. Aliás, ainda há dias se tinha queixado de que "os entendidos diziam sempre que o Benfica estava melhor do que o Porto". Não disse quem eram nem deu exemplos, mas sendo isso uma rotunda mentira, também não podia fazê-lo. Vítor Pereira é o perfeito idiota útil azulado, que diz os disparates para galvanizar as massas ululantes.
 
Nos próximos dias, o Jornal de Notícias (que já tinha entrado na discussão, proclamando que o árbitro nomeado era o "dos túneis") irá certamente fazer eco das palavras da criatura, o Jogo realçará a "superioridade táctica" azul e branca, a Porto Canal discutirá o tema vezes sem fim, o Grande Porto indignar-se-à veementemente, Miguel Sousa Tavares escreverá n´A Bola que "o Porto demostrou ser a melhor equipa da Europa e a que melhor sabe empatar contra tudo e contra todos" e os portistas repetirão as palavras do pobre técnico que lhes arranjaram. Esperem e verão. É assim que funciona a propaganda, mesmo que o detonador seja um qualquer chico-esperto.

domingo, janeiro 13, 2013

Chávez e o chamamento irresistível do poder


Como se esperava, Hugo Chavez não tomou posse como presidente da Venezuela. Continua em Cuba, meio enfermo, ninguém sabe bem em que estado, depois de mais uma operação ao seu problema oncológico. Apesar disso, a cerimónia de tomada de posse teve mesmo lugar, depois do tribunal constitucional venezuelano considerar que a presença do presidente não era indispensável. em Caracas, juntaram-se milhares de apoiantes de Chavez, clamando pelo "comandante" como se Cristo estivesse prestes a vir à Terra. Na bancada, o vice-presidente, membros do governo e órgãos de soberania, vestidos de fato de treino. Ao lado, alguns chefes de estado sul-americanos amigos de Chavez (exceptuando Cristina Kirchner, que preferiu visitá-lo pessoalmente em Cuba, enquanto ia redigindo no seu avião presidencial cartas abertas ao Reino Unido reivindicando as Falklands, para disfarçar a contestação popular), como o impagável Evo Morales, gritando a plenos pulmões que o presidente venezuelano era "toda a América Latina". Os líderes do Brasil, Colômbia e Chile provavelmente terão opinião diferente e não marcaram presença, talvez por estarem demasiado ocupados a fazer com que os respectivos estados progridam. Em suma, toda a cerimónia de tomada de posse do ausente teve o seu quê de cómico, idólatra, de delirante e até de narcótico, sendo de crer que Morales tenha levado da sua famosa coca para o evento.

Não sei qual a legitimidade para esta investidura de cadeira vazia, mas também não sou especialista nas normas venezuelanas que incidem sobre os seus órgãos de soberania, nem sobre a "constituição bolivariana". Toda esta manifestação de endeusamento não surpreende naquele regime. Chavez não é um ditador, bem entendido, mas também não é um democrata exemplar. Usa o petróleo para dar a impressão de que governa para o bem-estar da população, embora Caracas seja uma cidade ainda mais violenta do que quando chegou ao poder, indício de graves problemas sociais. Controla com mão de ferro a comunicação social, não hesitando em proibi-la se lhe é desfavorável, nacionaliza empresas a seu bel prazer quando está para aí virado, hostiliza as oposições, e dá-se com gente duvidosa como Ahmadinejad, Kadhafi (em tempos) e Fidel Castro. Aliás, oferece anualmente ums barris de crude aos compañeros cubanos, em troca de tratamento médico para os seus problemas que são a causa desta confusão, se bem que os serviços de saúde da ilha sejam muito mitificados. Chávez  não é um tirano, mas um caudilho eleito, alguém que abusa do seu poder e o usa para lá da sua legitimidade. Como tal, não lhe desejo nenhum mal físico, muito menos a morte, mas simplesmente que tivesse perdido ou perca no futuro as eleições.

O que não deixa de espantar nisto tudo é que Chávez já está doente há algum tempo, e teve recaídas. Apesar disso, não deixou de se recandidatar à presidência do seu país. O aroma do poder é irresistível, sobretudo para os populistas, e o seu exercício um vício. Mesmo no seu estado de saúde, sem saber se poderia cumprir as funções ou não, Chávez candidatou-se ao cargo para se reelegitimar e ouvir os brados da multidão endeusando-o, numa espécie da culto de personalidade adaptado às circunstâncias. Mas a vertigem do poder chavista pode levar a Venezuela a uma cadeira presidencial vazia e a uma crise política. A uma tomada de posse surreal, que teve lugar sem o titular, já conseguiu.

 

sábado, janeiro 12, 2013

Para a próxima, a FIFA pode enviar o prémio no correio ao seu vencedor administrativo


Outro grande assunto que abriu a semana, sem ser o estudo do FMI: a quarta Bola de Ouro consecutiva para Messi. Dedididamente o catalão tem muito melhor propaganda e boa imprensa do que Cristiano ronaldo. Razão tinha aquele jornalista espanhol que saiu do seu próprio programa, quando chamou a atenção para o facto das capas dos jornais desportivos quase nunca incluirem o português, excepto por más razões. Vejam-se as semelhanças: Ronaldo em 2011 ganhou uma Taça do Rei e sagrou-se melhor marcador do campeonato. Melhor jogador: Messi. O argentino ganhou em 2012 uma Taça do Rei e sagrou-se melhor marcador. Melhor jogador? Messi. Nas respectivas selecções nem vale a pena fazer o exercício. Cristiano Ronaldo , quando voltou à forma, guiou Portugal até às meias finais do último Europeu, e só não conseguiu mais frente aos penaltys dos colegas de Messi. No ano passado, o argentino jogou a Copa América em casa, e caiu nos quartos de final perante o vizinho Uruguai, sem marcar um único golo. Depois, o facto de um ser português, um país menos influente, e outro argentino, uma "nação do futebol", também contribui para estes desfechos. Antes da sessão, já havia gente, como Depardieu, quem sabe se influenciado pela vodka do seu novo país, que dizia lá estar para ver a entrega do prémio a Messi. Assim escusam de organizar a cerimónia nos próximos três anos, porque o "galardão" está administrativamente prometido ao gnomo das pintas.
 
 
 
E como escreveram, e bem, várias pessoas, só o traje assim era motivo para não ganhar nada.

sexta-feira, janeiro 11, 2013

A mania do desculpadismo


E a propósito de redes sociais e discussões estéreis: os vídeos de Pepa Xavier e amigas poderão ser tontinhos. Mas a Samsung vir pedir desculpas por isso ainda é mais. Lá porque a escolha é desastrosa e as meninas revelam uma futilidade cómica, será mesmo preciso pedir desculpa? Cometeram algum crime ou revelaram algum pecado mortal (para além da vaidade e da avareza, claro) que outros não tenham? Os vídeos causaram hilariedade geral, não propriamente choque e pavor. Pode haver quem se sinta "ofendido", mas não há hoje em dia opinião, gosto ou comentário que não provoque logo múltiplas almas ofendidas.Vivemos na época do desculpadismo e de acusações de ofensas (muitas vezes presumidas ou até antecipadas) por tudo e por nada. Se não se começar a ligar, acabaremos por cair numa sociedade paranóica, se é que em parte já não é.


 

quinta-feira, janeiro 10, 2013

Fóruns nauseabundos


Confesso que tenho a incurável mania de correr caixas de comentários de redes sociais, jornais online, etc. Vício muito pouco saudável, porque além de nos fazer perder tempo precioso, põe-nos em contacto com a lama opinativa: frustrações pessoais, insultos rascas, ignorância inimaginável, remoques grosseiríssimos, enfim, todo o tipo de rasquices e misérias.
 
Dois exemplos: uma notícia pavorosa, em que uma criança de um ano e meio tinha morrido depois de ser atacada por um pitbull, em Beja. O sentimento geral devia ser de consternação, mas o que se nota é a apologia feita ao cão, que coitadinho, estava "mal educado e maltratado", era "guardado numa varanda", "devia-se sentir muito infeliz e reagiu assim", seguindo-se uma discussão sobre se a culpa é do cão, dos pais ou dos donos, quais as responsabilidades destes, se o cão seria realmente responsável, etc. Parece que a morte de um bébé que mal devia saber andar é uma questão de somenos. Por muita culpa que tenha o responsável pelo cão e os seus tratos, é impossível dissociar-se o animal (ainda por cima de uma raça potencialmente perigosa) da morte. Para cúmulo, a suspeita do costume nestes casos, a associação Animal, vem pôr em causa o relatório da autópsia insinuando que os ferimentos que provocaram a morte da criança não têm origem na mordedura do cão, e no seguimento disso lançou agora uma petição para se impedir o abate do cão, porque o cão, se atacou, "é porque teria algum motivo" e "merece uma segunda oportunidade". Eu, que nunca vi ser dada uma segunda oportunidade a um infanticida, nem justificá-lo com "um qualquer motivo", fico pasmado com estas pessoas que estão tão ruidosamente a manifestar-se por um cão (algumas chegam a dizer que "é a única vítima"), dando as desculpas mais ridículas e infames como se não tivesse acontecido nada de especial. E ainda há algumas que querem criminalizar os pais, como se a tragédia não bastasse. Gostava de saber qual seria a reacção se lhes tivesse acontecido o mesmo. Esta gente defende os animais raiando a loucura e é tão cruelmente desumana.

Ao mesmo tempo, sabe-se que Assunção Cristas, a Ministra da Agricultura e do Ambiente, está grávida do quarto filho. Uma novidade, ao que parece nunca um membro do governo tinha engravidado no exercício de funções. Implicará a sua substituição interina, como aliás prevê a Constituição, sem grandes problemas. Num país de baixíssima natalidade, ver uma mulher com pesadas responsabilidades públicas ser mãe deveria ser motivo de regozijo. Pois bem, vi uma caterva de comentários afirmando que "era uma afronta às trabalhadoras que não tinham meios para gerar filhos", que se quem desempenha funções governamentais "não pode ficar grávida", que "ia beneficiar de clínicas privadas com o dinheiro de todos", e coisas ainda mais baixas, incluindo desejos de que o parto corra mal. Sim, parece que Cristas se tornou numa criminosa e que engravidar é uma terrível ofensa, ao mesmo tempo que se defende o direito a abortar sem razões aparentes e com direito a pagamentos e subsídios pós-aborto pelo estado. Num país a envelhecer cada vez mais, recorde-se.

O que estas duas notícias revelam aparentemente têm pouco a ver. Mas há um elo em comum: uma inversão de valores, em que crianças são consideradas abaixo de cão e uma grávida se torna num alvo de insultos pelo horrendo crime de ser ministra e ser remunerada por isso. As redes sociais e os "fóruns" tornaram-se emissores destes excrementos escritos. Aquilo que só se via em tascas, obras e portas de casas de banho públicas cai no espaço comum de forma nauseabunda. E vemos assim o terrível código de valores contemporâneos no seu ponto mais baixo. Bem sei que não é toda uma sociedade que se revê naquilo, mas uma boa parte dela, o que mostra que a doença que a afecta é grave. Mais do que a pobreza material, a pobreza moral, o desprezo pelo Homem, a ignorância atrevida, a inveja e a pura maldade saltam à vista. A bem da sanidade mental, é melhor fingir que nem existem.

terça-feira, janeiro 08, 2013

Leituras



2013 começou, mas as leituras habituais de blogues mantêm-se. O que não quer dizer que não possa haver novidades. Na blogoesfera, a renovação do ar é sempre bem vinda.

Noite Americana continua a ser uma casa recomendável: lá se debate e se defendem valores, para além da nobre Sétima Arte, agora tão vulgarizada pelo pequeno ecrã, como o pluralismo, o fato de três peças (ou "terno"), os charutos e as sessões da meia-noite (ok, estes últimos já são antigos, mas lembrava-me), e isso porque já não há sessões das duas da manhã. Isto, há que reconhecê-lo, é autêntica defesa da civilização.
 
No Declínio e Queda, irmãmente divido entre esquerda, direita e centro psicológico, a discussão entre as vantagens do ensino misto e ensino diferenciado.
 
O Herdeiro de Aécio, sempre com memória oportuna, lembra-nos a grande querela entre Mário Soares e Basílio Horta, nas presidenciais de 1991, que envolveu acusações e insultos. Agora, aquele apoia este à câmara de sintra nas autárquicas do próximo ano. Que diria Basílio, agora um fiel "independente" do PS, se o inquirissem porque é que à época disse de Soares o que Mafoma não dizia do toucinho?
Também no mesmo blogue, uma das mais incríveis e absurdas decisões da blogger (ou não só?). A reverter rapidamente.
 
A Catedral da Luz está de novo activa. Ainda bem. Num blogue que se debruça sobre um assunto tão importante e com tantos colaboradores, exige-se mais assiduidade na postagem. Menos desleixo, confrades benfiquistas, que a época está a atravessar uma fase crucial.
 
Alguns, como o estetizante Ericeira Norte e o  borgeano Questão dos Universais desapareceram de circulação, sem deixar rasto. É pena.
 
 

sexta-feira, janeiro 04, 2013

Notas sobre a Bulgária - a velha capital


Por incúria e esquecimento, a última parte da trilogia búlgara a que me dispus a escrever ficou parada em 2012. Tentarei consertar essa lamentável falta, depois dos dois anteriores posts acerca do país, começando 2013 colmatando falhas que vêm do ano que agora passou.
Na Bulgária, como disse anteriormente, não abunda a arquitectura militar. Há contudo alguns exemplares notáveis. Regressando da costa, de novo pela planície trácia, inflecte-se para Norte, atravessando montanhas e velhas aldeias meio escondidas. Nas proximidades fica o Vale das Rosas, cuja essência para a indústria de perfumes e cosméticos é uma das grandes exportações búlgaras. Por entre os montes Balcãs, encontra-se a cidade de Veliko Tarnovo.
Está longe de ser uma das maiores urbes do país, que já de si não são enormes, mas também não é um vilarejo perdido. A cidade propriamente dita assenta num promontório sobre o rio Yantra, afluente do Danúbio, marcada por uma cascata de casas e igrejas, alguma indústria pesada e o estádio onde o nosso conhecido Balakov deu os primeiros toques, na zona mais recente, e um pequeno centro histórico de ruelas empedradas e salpicadas de habitações de arquitectura revivalista búlgara, que em boa parte data do século XIX, na emergência do moderno estado búlgaro pós-otomano. Aos seus pés, nas margens do rio, espalha-se o bairro de Asenova, zona de artesãos.


 Só por isso a cidade já seria encantadora e digna de um passeio. Mas a sua grande marca, o seu grande legado, é a fortaleza de Tsarevets. Assente numa elevação separada da cidade pelo rio, rodeada por uma impressionante paisagem geológica que bem podia servir de cenário a Westerns, esta cidadela era o centro e o símbolo do poder político e espiritual búlgaro na Idade Média. Veliko Tarnovo era então a capital do Império Búlgaro, que ombreava com o vizinho bizantino e frequentemente entrava em guerra e derrotava as potências em redor, incluindo os cruzados que tinham saqueado Constantinopla na infame Quarta Cruzada. Atingiu o seu apogeu territorial e cultural durante o século XII.


Em Tsarevets, protegido por uma ponte fortificada, rodeado de uma extensa muralha e bastiões, ficava o palácio real dos Tsars búlgaros, além de diversos mosteiros e igrejas, e outros edifícios, como a torre onde se crê que esteve aprisionado o Imperador latino de Constantinopla, Balduíno, depois de derrotado e capturado pelos búlgaros. No alto do esporão rochoso que encima a colina situava-se a Catedral Patriarcal, sede do poder religioso e dos patriarcas da igreja búlgara, onde os Tsars eram coroados.



Em fins do século XIV, depois de um progressivo declínio do império, os otomanos cercaram Veliko Tarnovo. A cidade cairia após poucos meses. A batalha de Nicópolis, poucos anos depois, em que uma coligação de cruzados de diversas proveniências foi esmagadoramente derrotada pelos turcos, selou o fim definitivo do Império Búlgaro e permitiu que os otomanos ocupassem o seu território durante quase quinhentos anos e tomassem, meio século depois, Constantinopla. Tsarevets seria destruída e permaneceria um monte de ruínas até ao século XX, já com a Bulgária independente, altura em que a reconstruiram, embora nem sempre obedecendo ao modelo original.

A cidadela é uma marca do "idade do ouro" dos búlgaros e um dos monumentos mais impressionantes do país. Entre os séculos XII e XIV, no seu apogeu, deveria ser uma das urbes medievais mais interessantes da Europa. Hoje, Veliko Tarnovo permanece uma bela cidade com um cunho medievo e de forte significado nacional, um pouco como é Guimarães para nós, e combina a beleza natural e original da paisagem a respeitáveis monumentos. Na entrada da ponte pedregosa que liga Tsarevets à cidade, encontra-se um leão de pedra, o animal símbolo da Bulgária. Diz-se que embora não haja memória de tal animal naquele território, as tribos búlgaras que lá chegaram traziam relatos de leões e da autoridade que impunham. Desde então, o leão rampante tornou-se o símbolo do Império Búlgaro da Idade Média, do moderno estado búlgaro (incluindo o regime comunista) e da capital, Sófia. Embora a Bulgária tenha mudado muito ao longo dos séculos, com ocupantes diversos e prolongados, novidades étnicas e regimes políticos completamente diferentes dos anteriores, há alguns símbolos que não mudaram, ou que reemergiram: a igreja ortodoxa, o alfabeto cirílico e o leão como símbolo de coragem e autoridade.