segunda-feira, dezembro 10, 2012

Niemeyer, mais próximo de Gaudi que de Estaline


A morte de Oscar Niemeyer, ainda que pouco imprevisível, dada a sua centenária idade e os seus recentes problemas de saúde, suscitou inúmeros artigos, retrospectivas e homenagens póstumas sobre a vida e obra do arquitecto brasileiro. Reviu-se a monumental construção de Brasília, essa nova capital surgida no sertão, que ainda hoje nos parece vanguardista, com a sua Esplanada dos Três Poderes e a Catedral em forma de coroa de espinhos; mostrou-se a conhecidíssima sede da ONU em Nova York e o bairro da Pampulha em Belo Horizonte, que anteciparam Brasília; explicitou-se que afinal o Casino da Madeira não era realmente de Niemeyer, porque segundo o próprio fora outro a acabar o projecto; passou-se ao de leve pela sede do PC francês, que com a leveza das suas linhas tanta carga ideológica lhe tirou, talvez antecipando o "Euromunismo" dos anos setenta; e ainda se chegou às últimas obras, como o extraordinário Museu de Arte Contemporânea de Niterói, que parece ter pousado directamente do espaço em frente à Baía de Guanabara. Houve mesmo espaço para alguma petite histoire curiosa, como a do colégio de Moimenta da Beira, que se inspirou no Palácio da Alvorada, de Brasília, para construir os arcos da sua fachada, tendo na altura recebido uma carta de apoio do próprio Niemeyer face ao desagrado que provocou entre as autoridades da época e à revolta a favor da obra. Aliás, a capital brasileira não cessou de povoar o imaginário por este país fora - em Vila Real, um prédio modernista dos anos sessenta ainda hoje é conhecido como "edifício Brasília"; e não esqueçamos o mítico shopping da rotunda da Boavista, que lá está em pleno funcionamento.
 
Mas também se falou no seu percurso de (longuíssima) vida e na sua orientação ideológica. Niemeyer permaneceu comunista até ao fim da vida, era amigo do histórico líder Luís Carlos Prestes, chegou a presidir ao PCB e viveu exilado durante a ditadura militar. Era autor também de algumas obras emblemáticas de partidos comunistas outora pujantes, como a supracitada sede do PCF e a do seu órgão oficial, L´Humanité, em Saint-Denis. Elogiou mesmo publicamente Estaline há não muitos anos.


Contudo, Niemeyer estava a anos-luz da arquitectura estalinista que se abateu sobre a URSS e os países do Pacto de Varsóvia depois da 2ª Guerra, com edifícios de estado esmagadores e funcionais. Os seus projectos demonstram antes uma leveza, uma preocupação estética que o afasta irremediavelmente dos modelos totalitários vigents nos estados comunistas. Talvez consequência de ser brasileiro e meridional, preferiu sempre a estética à funcionalidade, a leveza à imponência, as curvas ondulantes às rectas precisas e rígidas. Neste último aspecto aproxima-se de Antoni Gaudi, outro génio da arquitectura do século XX, que dizia que "a linha recta é do homem, e a curva de Deus". Não sendo religioso, apesar das suas obras para igrejas, Niemeyer procurou de certa forma atingir também o transcendente através do belo que criava com as suas obras, escapando às convenções arquitectónicas mais utilitaristas. Como ele próprio dizia, "não é o ângulo recto que me atrai. Nem a linha recta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual".

 

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