segunda-feira, agosto 27, 2012

Pussy Riot contra a laicidade


Estive atento a uma das grandes polémicas da época, a do processo contra as Pussy Riot. Todo o procedimento contra a banda punk que desatou a entoar cânticos anti-Putin desencadeou vivos protestos da "comunidade internacional", dos governos ocidentais aos artistas, sobretudo músicos, e "activistas" de todo o tipo, com especial ênfase para Madonna.
 
Ora é sabido que o regime russo só no papel é que é democrático, com fraudes sucessivas nas eleições, trocas descaradas nos cargos de presidente e primeiro-ministro, repressão policial, tudo condensado num sistema autoritário que herdou métodos do tempo do comunismo, recuperou bandeiras do czarismo e aposta num nacionalismo soft e no regresso da Rússia ao papel de super-potência, sem intervenção directa nas áreas que não são da sua "influência". Em parte será inevitável, porque um país com a dimensão, a instabilidade e as condicionantes culturais da Rússia dificilmente se transformará num estado democrático como a restante Europa.
 
Dessa forma, é por demais evidente que o processo contra as Pussy Riot tem uma enorme componente política, até porque a Igreja Ortodoxa Russa é hoje um dos sustentáculos do "putinismo". Um protesto com tal brado, directamente contra o presidente, em plena Catedral do Cristo Salvador (destruída sob o estalinismo, reconstruída nos anos noventa), cujo simbolismo é grande, seria sempre objecto de repressão. Num estado de direito, levariam uma multa e uma repreensão. Não na Rússia. E isso as raparigas da banda sabiam-no com certeza. Teriam consciência do que se seguiria?
 
Em todo o caso, chamar a isto um "processo estalinista" é entrar no disparate desbragado. Não as espera o Gulag nem nenhum "campo de educação na Sibéria". Mas é curioso ver tantos defensores das acções da banda quando se está sempre a apelar ao "estado laico" para tudo e mais alguma coisa, até (ou sobretudo) para tentar calar a igreja. Laicidade significa separação entre dois tipos de instituições, as confissões religiosas e o Estado, e entre outras coisas, a não utilização dos púlpitos para mensagens estritamente políticas ou partidárias. Que era exactamente o que a banda punk estava a fazer. a regra aplica-se todos ou só atinge os sacerdotes, permitindo que qualquer pândego o faça? O processo contra as Riot pode ser excessivo, mas o que fizeram tratou-se não apenas de vandalismo e de total desrespeito para com um espaço religioso e quem orava (imaginem sacerdotes a invadirem a festa do Avante para fazer propaganda religiosa), mas também de uma quebra das regras da laicidade por parte de um bando de miúdas de sangue na guelra mas musicalmente nulas - quem conhece a sua obra? As autênticas, não o que algumas inteligências pretendem tomar com verdadeiras.

quinta-feira, agosto 23, 2012

Fanáticos do nosso tempo


Na semana passada registaram-se duas situações paradigmáticas do maior grupo de fanáticos da nossa era. Num apartamento do Porto, um cão mordeu e matou uma criança de ano e meio. Imediatamente, a Associação animal veio queixar-se de que "diabolizavam animais sem culpa nenhuma" e que "o caso acabaria com a morte de dois inocentes" (a criança e o cão). Para quem tanto se bate pelos direitos dos animais, a desculpabilização ultrapassa o absurdo: os cães têm direitos, mas quando têm comportamentos agressivos a culpa cabe apenas e só aos donos, sendo que os animais são "inocentes". São sujeitos de direitos mas totalmente inimputáveis. Reparem como há aqui mais lamentos pela sorte do cão do que da criança.

Neste fim de semana, nas Festas da Senhora da Agonia, voltaram as corridas de Touros a Viana do Castelo, numa arena amovível montada nos campos da Areosa. As opiniões dividiram-se violentamente: os aficionados da Festa Brava aplaudiram ruidosamente, os adversários protestaram e convocaram várias manifestações de desagrado, encabeçados pela dita associação Animal e por Defensor Moura, ex-presidente da câmara de Viana e, como todos se lembrarão, ex-candidato à presidência da república não se sabe bem porquê. Como se sabe, Defensor conseguiu aprovar, em 2009, em reunião camarária, um regulamento que tornava Viana do Castelo em "município anti-touradas". Sempre achei esta regra bastante descabida, porque não só contrariava as leis nacionais como transpunha as convicções pessoais de um autarca para todo um município, proibindo uma tradição antiga em Viana e obrigando os seus habitantes a declarar-se anti-touradas. Precisamente por isto é que a associação PróToiro obteve o deferimento de uma providência cautelar, suspendendo tal deliberação camarária e permitindo a realização da corrida.
 
No Domingo, entre ameaças, manifs, urros e insultos, a corrida teve mesmo lugar. Contou com perto de 2500 assistentes. Cá fora, 300 manifestantes gritavam contra. A comunicação social (a que eu vi, ao menos), noticiou o evento de forma bastante parcial. A RTP, televisão pública, apresentou uma peça mostrando que "os vianenses estavam contra a corrida" (entrevistou apenas cinco). Os jornais mostravam apenas os manifestantes anti-tourada, e as opiniões dos editores iam no sentido de que a proibição de um "espectáculo bárbaro" tinha toda a razão de ser.
 
Não sou propriamente aficcionado nem nunca assisti a uma tourada, mas estando bastante próximo de Viana, tive ganas de ir a esta (só não fui porque o excelente dia de praia me impediu). Não vejo qualquer ilicitude nestes espectáculos. Ninguém estima e conhece bem os touros do que quem com eles lida, ao contrário de muitos auto-denominados "amigos dos animais". É um espectáculo com o seu quê de primitivismo e violência, mas demonstrativo de coragem, do simbolismo do confronto entre um homem e um animal, e que tanto inspirou inúmeros artistas  ao longo dos séculos. Há quem seja grande apreciador e quem abomine. Ninguém é obrigado a ver, da mesma forma que ninguém deve ser obrigado a não ver. Por isso, acho que qualquer regra que declare parte do território nacional como "anti-touradas" é abusiva e totalitária.

Sobre a tal Associação Animal, vejam-se os perfis dos seus dirigentes mais visíveis: são vegans, e como tal, acham que «é inconcebível partilhar casa com um carnívoro, quanto mais namorar ou casar(...) É nojenta a ideia de beijar alguém que esteve a degustar alegremente um animal morto. Seria pactuar com algo altamente imoral». Cada vez mais acho que os defensores mais radicais dos direitos dos animais são os grandes fanáticos do nosso tempo. Já chegaram a matar (lembram-se de Pim Fortuyn e do seu assassino?), mas por aqui limitam-se às ameaças cada vez que há um espectáculo taurino. Tratar bem os animais? Sem dúvida. O problema é quando há uns extremistas que querem fazer a "equiparação da espécie", quais Calígulas e o seu cavalo-senador. Adolf Hitler, aliás, também encaixava nos pressupostos. É bom que se dê alguma atenção a estes indivíduos, e já agora, que se pergunte o que fariam aos animais carnívoros. Obrigá-los-iam a comer vegetais?
 

sexta-feira, agosto 17, 2012

Ornatos vivos e pérolas arruinadas


É hoje que os Ornatos Violeta retornam aos palcos, no acolhedor anfiteatro de Paredes de Coura. Um regresso há muito esperado, como o comprovam os quatro concertos agendados para Outubro, no Porto e em Lisboa, há já algum tempo esgotados, mesmo com reforço de datas. No Alto Minho também não deve faltar público. Os Ornatos marcaram o fim dos anos noventa, e embora tenham lançado apenas dois álbuns, tornaram-se uma banda de (enorme) culto, ao mesmo tempo que se pulverizavam em inúmeros outros projectos, sobretudo do seu frontman, Manuel Cruz. Não deixarão certamente de tocar músicas como Ouvi Dizer, Capitão Romance (provavelmente sem o dueto com o vocalista dos Violent Femmes), a Dama do Sinal ou Punk Moda Funk.

Esta última, primeira faixa do primeiro álbum do grupo, abre logo a matar (com um corrosivo "quero mijar"), revelando a primeira faceta dos Ornatos, mais rocker, mais subversiva, com um vídeo ainda de qualidade incipiente. Mas chamou-me a atenção para um pormenor, o do lugar onde a banda encena a música.

 

Talvez pelo seu aspecto já decadente, escolheram a casa da quinta do Montado, ou Marques Gomes (nome do construtor), um palacete hoje decrépito no alto de uma colina em Canidelo, Gaia, perto da Afurada, bem visível da marginal da Foz do Douro. Não faltam na net imagens do exterior e dos interiores do palacete arruinado, com uma aura de imponência classicista, que, talvez pelo seu aspecto, tem, como não podia deixar de ser, fama de ser assombrado (pelo menos a acreditar num livro recente sobre o assunto).

Porque terão escolhido os Ornatos violeta semelhante cenário para o seu primeiro videoclip? É difícil de dizer. Mas há um interessante contraste entre as músicas corrosivamente juvenis do fim dos anos noventa e esta jóia arruinada. Talvez quisessem tomar um cunho de certa marginalidade e usassem um espaço devoluto, para acentuá-la, ainda que com requinte. O que é certo é que os Ornatos voltaram à vida e uma legião de fãs correm a assistir. Entretanto, todos podem também "assistir" ao palacete, e sem pagar bilhete. Mas neste caso, não se trata da sua ressureição, mas da morte lenta. O edil Luís Filipe Menezes, sempre pronto a abrir a bolsa, não tem nenhum plano para o local, ou já só pensa noutro edifício com uma torre, mas do outro lado do rio, no alto não de uma colina mas da Avenida dos Aliados?


quinta-feira, agosto 16, 2012

Portugal, um país sem cultura desportiva


Acabaram os Jogos Olímpicos, bem à inglesa, misturando pompa com cultura popular. E tivemos a ocasião, provavelmente única, de ver o estandarte de Portugal carregado por um atleta (medalhado) de apelido Pimenta.
Como não podia deixar de ser, acabada a festa, surge a discussão sobre "o que correu mal". Valeram-nos os remadores que nos deram a única medalha (já era tempo dos remadores portugueses, quase sempre do Minho, verem os seus esforços recompensados) para não passarmos outra vergonha de seca medalhística como em Barcelona. O resto foram desilusões sobre desilusões, mesmo que acreditemos que os atletas deram o que podiam. As declarações de Vicente de Moura são absolutamente certas e não têm nada de inesperado.

Sim, o que ele disse, ainda que certamente, como presidente do comité Olímpico português, não possa descartar responsabilidades, é de uma realidade crua mas inegável. Portugal não é uma nação de atletas. não é agora nem era no passado, tanto quanto os meus conhecimentos alcançam. A título de exemplo, vale a pena soccor-nos do inevitável Eça, e do que se dizia no tempo da monarquia constitucional:

(...) Pois é verdade, prefiro toiros. Cada raça possui o seu sport próprio, e o nosso é o toiro (...) É uma grande escola de força, de coragem e de destreza (...) Nós não temos os jogos de destreza das outras nações, exclamava ele, bracejando pela sala e esquecido dos seus males. Não temos o cricket, nem o foot-ball, nem o running, como os ingleses; não temos a ginástica como ela se faz em França; não temos o serviço militar obrigatório que é o que torna o alemão sólido… Não temos nada capaz de dar a um rapaz um bocado de fibra. Temos só a tourada… Tirem a tourada, e não ficam senão badamecos derreados da espinha, a melarem-se pelo Chiado!

Continuamos sem cricket, o "running" vai-se fazendo um pouco, a ginástica está cada vez mais desvalorizada, o serviço militar obrigatório não passa de uma recordação, e quanto à tourada não faltam "amigos dos animais", que com certeza só viram touros do comboio, a querer acabar com ela. O futebol instalou-se em Portugal e reina sobre todos os desportos, é certo, mas a maioria só o praticou no recreio da escola e nem ao estádio vai, preferindo a conversa de café sobre as arbitragens. Mas enfim, sempre é um desporto no qual temos sucesso, a par do hóquei patins. O ciclismo vai sobrevivendo, e quase tudo o resto é um deserto, sem visibilidade nem apoios.

Vicente de Moura reclamou mesmo um retorno às práticas desportivas da Mocidade Portuguesa, sem a "carga política". Muitos se terão escandalizado, mas a verdade é que essa instituição teve o mérito de fomentar os desportos e de levar inúmeras crianças a praticá-los, que de outro modo não fariam, e de levantar algumas estruturas desportivas, assim como a FNAT/INATEL. Mas essas condicionantes poderão não ser a escolha ideal: os resultados olímpicos dessas épocas foram muitíssimo modestos.

Actualmente, constroem-se inúmeros gimnodesportivos em qualquer freguesia média, mas a prática não aumentou. Os poderes públicos construíram novos estádios mas subtraíram-lhes as pistas de tartan, e lá se vão fazendo algumas ciclovias. E é tudo. Pode-se fazer algum jogging, há ginásios por toda a parte, mas mais paras manter a linha e moldar a silhueta do que com real intuito desportivo. O Estado pouco se importa, porque apenas serve para cortar fitas mas não traz votos. E o povo lá se vai movendo um pouco mais, mas sem real cultura desportiva, como no Reino Unido. Depois não se admirem que só uns poucos estóicos, com real sentido de sacríficio e disciplina, alcançem magros resultados, aqui e ali com uma medalha uma uma "boa participação". Daqui a quatro anos se verá se alguma coisa mudou.

sábado, agosto 11, 2012

Memórias da Guerra Fria na silly season 2012


Esta história sobre as técnicas de espionagem da FNAC que Zita Seabra trouxe a lume é das coisas mais divertidas (e mais dignas de uma perfeita silly season) que tenho visto nos últimos tempos. A alegação (puxada pelo entrevistador Mário Crespo) de que a antiga Fábrica Nacional de Ar Condicionado, que utilizava tecnologia alemã da antiga RDA, e que era próxima do PCP por via dos seus dirigentes, montava os seus aparelhos inseridos com microfones para escutas em tudo o que era gabinete de órgão público não pode deixar de fazer sorrir.


É verdade que a empresa de ar condicionado era presidida por Alexandre Alves, conhecido como o Barão Vermelho, por ser próximo do PCP e porque a FNAC patrocinava a camisola do Benfica (a cuja presidência se chegou a candidatar, perdendo para Jorge de Brito, que até era conotado com o Marcelismo). E que a tecnologia da RDA era mesmo usada nos aparelhos. Ninguém ignora também que a antiga Alemanha do outro lado de lá da Cortina de Ferro tinha como um dos principais desportos, a par da prática de atletismo coercivo para fazer boa figura, a espionagem obsessiva dos seus cidadãos através da famigerada STASI, que devia estar então muito avançada em técnicas de escuta. Assim, a ex-DDR financiaria a FNAC para que os funcionários do PC ouvissem o que se passava nos gabinetes ministeriais e o transmitissem ao exterior (ou seja, a Moscovo).

Mas a história parece ser demasiado rocambolesca para ser verdade. No vídeo, o próprio Alexandre Alves esclarece que tal seria impossível porque os aparelhos eram montados nos próprios locais. Não sei qual a longevidade dos exemplares montados pela FNAC, mas será que ao fim de vinte e tal anos ninguém retirou nenhum e reparou em eventuais microfones? E por último, não esquecer que Alexandre Alves voltou à baila precisamente na última semana, a propósito da sua anunciada fábrica de painéis solares em Abrantes, que recebeu por antecipação fundos do AICEP. É exactamente na altura em que o seu nome reaparece que Zita Seabra recorda esta história? Parece que se trata de alguma revanche para aborrecer o velho PCP, por interposta FNAC. Ou então, Seabra, que agora milita no PSD, terá dito isso algo inconscientemente, levada pela entrevista ou instigada por alguém que queria ajustar contas com Alves ou prejudicá-lo na intenção em levar o projecto de painéis solares avante.
Em qualquer das hipóteses, duvido muito que esta história digna de órfãos do "confronto de blocos" (dos dois lados) vá para a frente. Será uma entre muitas da silly season, ideal para conversas de café ou para inspirar romances de cordel da Guerra Fria.

quinta-feira, agosto 09, 2012

Memórias vagas de um "sequestro"


A semana passada parecia uma página de necrologia, com as mortes de Gore Vidal, da actriz Carla Lupi ou de Eurico de Melo, entre outros. Sobre este último, histórico do PSD e antigo ministro todo-poderoso do cavaquismo outrora conhecido como "vice-rei do Norte", muito se disse. Mas houve uma história rocambolesca de que me lembro de ouvir falar na altura, ainda era pequeno, e que ninguém referiu, nem consegui encontrar registos na net. Aí por volta de 1988, um caso obscuro levou a que o FC Famalicão, acabado de subir à 1ª divisão de futebol, voltasse de imediato à Segunda. Beneficiou o FC Fafe, que se estreou entre os "grandes". Por causa disso, e numa visita da época a Famalicão, Eurico de Melo e o jovem delfim Marques Mendes ficaram retidos, quase sequestrados, por uma turba furiosa, durante umas boas horas. Tudo por razões futebolísticas. Alguém se lembra disso ou não há registos possíveis?

segunda-feira, agosto 06, 2012

Polémicas bloguísticas com totalitários


Vejam como uma manifestação de amor a tudo o que é ditadura (especialmente na sua versão anti-ocidental) provocou uma bela polémica blogoesférica de Verão. Na sua habitual verborreia totalitária, um dos membros do comité central do 5dias endereçou os votos de boa sorte olímpica a Coreias do Norte, Cuba, Hamas, e tutti quanti os que "lutam pela libertação nacional" (esqueceu-se lamentavelmente dos taliban). Pelo meio, há mesmo criaturas que julgam que Israel era uma criação do Irgun, ignorando completamente que durante trinta anos a esquerda esteve no poder, e que até ao golpe de Nasser no Egipto, a URSS deu todo o apoio ao novo estado sionista, opinião corroborada pelo Avante! da época. Soube desta bonita declaração via Estado Sentido.

Por causa disso, o Samuel Paiva Pires levou logo com uma intervenção de tanques de guerra datados de 1956 de outro dos cães de fila do 5dias, o bizarro Renato Teixeira, admirador confesso do regime de Teerão e provavelmente do seu sistema penal de enforcamento de adolescentes. Resposta pronta do Samuel com remédios contra a demência, mas essa parece incurável. Apanhou logo com uma acusação de fascismo, num post que tinha alguma defesa na substância mas que a estragou tudo numa forma patética (e em acusações de que a outra parte não respeitava a "liberdade individual", o que vindo de um comunista só pode ser uma boa piada). Entre outras intervenções aquecidas do Aventar (cujo autor, nos comentários, me chama "ignorante" porque ao que parece não sei distinguir um estalinista de um trotsquista, coisa complicada quando o apelidado trotsquista defende Estaline e zurze continuamente no Bloco de Esquerda) e do Insurgente, com mútuas acusações de apoio a inúmeras ditaduras seleccionadas.

A coisa não deve demorar muito, mas de novo pelo Estado Sentido dou pela mais recente proclamação lunática e totalitária do supracitado Renato (reparem no exemplo ternurento aos "sovietes do povo", e na forma maquiavélica como fala em "assassinatos"), fazendo curiosas alusões zoológicas. Felizmente, como a esmagadora maioria das pessoas já não liga nenhuma a comunistas encartados e ninguém quer voltar aos tempos pré-1989, nem sequer na Grécia, onde o estalinista KKE permanece fossilizado em ideologia e votos, coisas deste teor dão sobretudo para rir dos seus pobres autores. Mas servem também para demonstrar que os totalitariozinhos à esquerda andam por aí (à direita também não faltam), com desejos de calabouços para todos os que não partilhem da sua tenebrosa ideologia, como se estivéssemos na URSS ou num eterno PREC.


quinta-feira, agosto 02, 2012

A nova afirmação de Londres (com a sua Torre Eiffel)


Londres está em polvorosa. Depois do Jubileu de Isabel II, temos aí os Jogos Olímpicos, abertos com competência, criatividade, bom gosto. E, como em todos os grandes eventos, não faltaram as grandes infra-estruturas emblemáticas, que neste caso, não se ficaram pelos recintos desportivos.

Há poucas semanas ficou completa a London Bridge Tower, mais conhecida como de The Shard, um edifício-pirâmide de vidro com trezentos e dez metros nascido de um esboço de Renzo Piano. O novo arranha-céus, o mais alto do Reino Unido e da União Europeia, fica situado no centro da capital britânica e é mais um marco da Londres do século XXI a par do London Eye, da Tate Modern, do edifício Gherkin e da Millenium Bridge. Abrigará hotéis, restaurantes, escritórios e apartamentos, que a avaliar pelo preço serão provavelmente para conterrâneos do seu grande patrocinador. Como não podia deixar de ser, a fatia de leão dos custos foi assegurada por árabes, no caso, do Qatar.


A inauguração teve lugar a poucos dias da abertura dos Jogos, obviamente com esse propósito. A nova silhueta londrina, que dividiu opiniões, até por estar numa zona central da cidade, veio preencher ainda mais os festejos. Este tipo de afirmação a par de eventos grandiosos não é propriamente original. Em Portugal, por exemplo, a Expo-98 era ladeada pela Estação do Oriente e pela Torre Vasco da Gama. O Porto-Capital Europeia da Cultura pretendia inaugurar a Casa da Música (lamentavelmente isso só aconteceu em 2005).
Mas o exemplo que me ocorreu, até pela forma e pela altura do novo arranha-céus londrino, foi a da inauguração da Torre Eiffell, em 1889. A célebre estrutura metálica parisiense, que se tornou um ícone incontornável da cidade, era a porta de entrada e o símbolo da Exposição Universal de Paris, no ano em que se comemorava o centenário da Revolução Francesa. A época era dominada pela indústria pesada, pelo aço e pela dominação colonial, após a Conferência de Berlim de 1885. A França pretendia reafirmar-se como grande potência internacional, passada que estava a humilhação da guerra contra a Prússia, menos de vinte anos antes, e não hesitou em erguer um gigante de aço pelo seu mais competente engenheiro de pontes, responsável pela estrutura da Estátua da Liberdade e por várias pontes em Portugal, muitas ainda em uso.


A afirmação através de grandes construções e de eventos simbólicos e faraónicos é uma característica dos países que pretendem mostrar o seu estatuto ao Mundo, como vimos com a China há quatro anos, com o Terceiro Reich nos jogos de Berlim em 1936. Mas também podem ser uma forma de re-afirmação e manutenção de um certo estatuto, mostrando que ainda têm um papel internacional de relevo. Paris quis mostrar o quanto estava pujante, na cultura como no domínio da técnica, em 1889. O Reino Unido pretende fazer o mesmo, e a influência parisiense é mais que notória, como se a Shard quisesse ser a Torre Eiffel dos novos tempos, desafiando a velha construção de além-Mancha; aliás, um dos ícones destes Jogos é a Torre Olympic Orbit, uma estrutura metálica da autoria do conhecido artista Anish Kapoor, a fazer lembrar uma Torre Eiffel torta e desengonçada. Referência mais descarada não pode haver.


Não faço ideia se a Shard se vai tornar num ícone londrino, numa cidade que não tem falta deles. Mas pela altura e pela forma, é bem possível. Até porque será o miradouro por excelência da metrópole. Se o Reino Unido está muito longe de ser a grande potência que era até à Segunda Guerra (ou no papel, até à Crise do Suez), Londres pretende afirmar-se como a grande metrópole europeia e até mundial do Século XXI, enfrentando Nova York, Moscovo, Xangai e São Paulo. Está no bom caminho. Mas este novo símbolo de afirmação londrina não deixa de transparecer os sinais do tempo de novos actores da cena internacional: o patrocínio essencial dos fundos do Qatar, um dos novos Tigres Árabes que olham para além do petróleo.