sexta-feira, julho 15, 2011

Que apareçam outras como ela



Às voltas pelo Nordeste Trasmontano, só no dia seguinte é que soube da morte de Maria José Nogueira Pinto. impressionado, diga-se. Na véspera, lembrei-me que a tinha visto semanas antes num debate de opinião, na televisão, e tinha-a a achado com um ar muito estranho. Confirmaram-se os piores receios, e Nogueira Pinto sucumbiu a um cancro no pâncreas.





Devo ter ouvido falar dela pela primeira vez aquando do célebre caso da pala de Alvalade, quando era sub-Secretária de Estado da Cultura, em que depois de ter interditado o estádio do Sporting para concertos musicais, numa altura em que eram aí frequentes, viu-se desautorizada pelo então Secretário de Estado, Santana Lopes que poucos dias depois fazia um acordo com Sousa Cintra revogando a interdição. Não esteve com meias medidas e bateu com a porta.


O episódio mostra o carácter de uma mulher que muitas vezes se incompatibilizou na política. Conhecia ao de leve o seu percurso de vida, a casa de família do Campo Grande, onde nasceu (e morreu), o seu casamento, ainda muito nova, com Jaime Nogueira Pinto, a ida de ambos para África, as fugas à guerra, a vida no campo de refugiados sul-africano, que cimentou essa relação que duraria até ao fim, e que pôde ser revisitada numa entrevista que ambos deram em Outubro, à revista Pública. Depois, o serviço público, executado com competência e dinamismo, no Instituto Português de Cinema, na Maternidade Alfredo da Costa e na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e, claro, na Secretaria de Estado da Cultura. Depois, a aventura política, como deputada pelo CDs a convite de Manuel Monteiro, a candidatura à liderança do partido, que perdeu para Paulo Portas, num congresso em que teve o apoio dos monteiristas e em que protagonizou algumas tiradas inesquecíveis (a da "Rato Mickey" e "eu sei que ele sabe que eu sei que ele sabe que eu sei"). O regresso à política, candidatando-se à câmara de Lisboa, onde seria eleita vereadora, e a posterior ruptura com o partido, com o regresso de Portas, e o regresso ao Parlamento pela mão da Manuela Ferreira Leite marcaram a carreira política.



Muitas vezes a sua petulância irritava. Muitas vezes discordei dela. Às vezes achei que exagerava, mas ao mesmo tempo achava-lhe graça, caso típico da sessão em que não hesitou em considerar um deputado que a azucrinava como "um palhaço". Mas era uma mulher corajosa, original, activa, imaginativa, e fiel aos seus princípios (e porque não dizê-lo, uma mulher bonita). A sua morte foi legitimamente sentida, à esquerda e à direita, excepto por meia dúzia de micróbios que vagueiam nos fóruns. O último testemunho da sua vida, no DN, em que demonstrava a confiança de sempre no Salvador, comoveu. Deixa uma extensa família e o homem com quem partilhou quase toda a vida. Que descanse em paz. Embora faça muita falta, o seu exemplo prevalecerá e inspirará outras como ela.


PS. uma semana terrível, realmente; desapareceram igualmente Jorge Lima Barreto, com 61 anos, e Diogo Vasconcelos, de apenas 43, um grande empreendedor e optimista convicto, e que foi o primeira presidente a associação de estudantes da faculdade onde me formei - como nenhum jornal referiu isto, quis lembrá-lo eu.

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