quarta-feira, setembro 29, 2010

A papafobia britânica

O Papa Bento XVI regressou a Roma da sua visita ao Reino Unido sem qualquer tentativa de prisão, atentado terrorista ou ataque isolado. Já não nada é mau.

Aproveitou-se um pouco de tudo para criticar a visita: os gastos com o acontecimento em si, a memória histórica, os casos de pedofilia recentemente encontrados, medo de proselitismo, etc. Os conhecidos militantes radicais ateístas Dawkins e Hitchens tentaram obter um mandato de captura de Bento XVI por "cometer crimes contra a humanidade" e não "ser um chefe de estado reconhecido", apesar de haver relações diplomáticas entre o Reino Unido e o Vaticano (ou não havia visita, tout court). Conseguiu-se, durante os dias em que o Sumo Pontífice permaneceu nas ilhas britânicas, organizar autênticas manifestações com toda uma coligação negativa anti-papista, reunindo associações ateístas e seculares, activistas dos "direitos da mulher", famílias de vítimas da pedofilia, nacionalistas ingleses e protestantes fanáticos, como o Reverendo Paisley, que em tempos dirigiu-se a João Paulo II no Parlamento Europeu, bradando que o Papa era o "Anticristo". O perfeito contraste com a visita papal de Maio a Portugal.
O Reino Unido tem os seus paradoxos. O puritanismo e a rigidez vitoriana são do mesmo país onde nasceram a pop e o punk. Em terras em que o parlamentarismo tem tantas raízes, ainda subsiste o espírito catolofóbico criado no século XVI por Henrique VIII. Sabia que os ingleses tinham um sentimento anti-católico, mas não ao nível do que se viu - ou do que se falou. Aos casos de pedofilia na Igreja Católica juntou-se a polémica dos gastos com as visitas, as "causas fracturantes", a beatificação de John Henry Newman, e todas as causas possíveis para justificar um poderoso sentimento anti-católico, tido como manifestação de liberdade contra as "trevas". Uma liberdade legada por um tiranete como Henrique VIII, que por razões políticas e libertinas, rompeu com a Igreja de Roma. Depois, os católicos foram perseguidos e afastados, com métodos tão cruéis como os da Inquisição, até praticamente ao século XIX, com algumas notórias excepções por razões políticas, como o casamento de Carlos II com Dona Catarina de Bragança. Ainda assim, membro da família real que por qualquer razão se aproximasse do catolicismo seria excluído da sucessão. Mas mesmo a partir de oitocentos, em que os seus direitos foram sendo progressivamente reconhecidos, nem assim deixaram de ser vistos como inferiores pelos britânicos. Os irlandeses desde Crommwell que foram tratados como gente de terceira. Oscar Wilde sofreu humilhações e o calabouço não somente pelas suas provocações e libertinagem, mas também por ser católico e irlandês.


O anti-catolicismo oficial que durava desde o início da igreja inglesa esbateu-se, mas existe. Quando o príncipe de Gales esteve presente nas cerimónias fúnebres de João Paulo II, ouviu críticas por causa da "submissão à igreja de Roma". Curiosamente, sendo o Reino Unido um estado oficialmente Anglicano, é também um dos que mais se afasta da prática religiosa. A igreja que a Rainha chefia tem enfraquecido, cedendo ao multiculturalismo reinante e a novas práticas e credos. Os ingleses conservam-na como uma tradição, mas a sua heterodoxia afasta-os. Talvez seja por irem em busca de algo mais que surgiram alguns interessantes grupos de católicos ingleses, como a tendência que tocou alguns escritores contemporâneos - Greene, Chesterton e Waugh, para destacar os mais conhecidos. Mas apesar disso, e de um crescente número de católicos, vê-se um anti-papismo que não há em mais país nenhum na Europa. Tradição enraizada, inimizades históricas, medo de que o Bispo de Roma seja um mentor do IRA ou de proselitismo? Ou a ideia de ver um Papa católico e alemão a ser recebido pela Rainha é duplamente dolorosa? Confesso que não sei qual será exactamente a raíz do problema, e que essa aversão mais histórica que social devia ser matéria de estudo mais aprofundado. O que sei é que Bento XVI falou mais contundentemente dos casos de pedofilia na Igreja, encontrou-se com as suas vítimas, homenageou os caídos na batalha na luta contra o nazismo (que provinha, não nos esqueçamos, do seu país) e beatificou John Henry Newman, e conseguiu voltar para Roma sem uma beliscadura. Convenhamos que para um Papa, alemão e que lutou na Segunda Guerra com o uniforme da Whermacht, é uma missão cumprida digna de Hércules.

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