segunda-feira, dezembro 27, 2010

Duas gerações de Harlan



Já passou algum tempo, mas a notícia da morte de Thomas Harlan, em Outubro passado, num sanatório da Baviera onde já se encontrava há uns anos, só foi anunciada semanas depois e passou despercebida. O nome não será dos que mais facilmente virá à memória. Harlan era um realizador alemão, politicamente engajado na extrema-esquerda, que depois da 2º Guerra e de servir na Kriegsmarine, estudou em Paris e tornou-se amigo de Klaus Kinsky, mais tarde o actor fetiche de Werner Herzog. Viajou pela Polónia, atrás de nazis fugidos, por Itália e por inúmeros países, dentro e fora da Europa, onde colaborou com diversos movimentos de extrema-esquerda. Como tantos outros intelectuais esquerdistas, não perdeu a oportunidade de vir a Portugal em 1975 (na altura um destino turístico para activistas do gênero) para observar, estudar e filmar algumas acções mais simbólicas do PREC. Acabou por realizar um documentário sobre a ocupação das terras do Duque de Lafões, perto da Azambuja, por trabalhadores agrícolas, no processo de colectivização de latifúndios, documentário esse que ficou conhecido como Torre Bela, e que teve exibição comercial entre nós apenas em 2007. Na altura, algumas cenas de um realismo burlesco acabaram por ganhar alguma notoriedade, como a da "comprativa". A ocupação terminaria algum tempo depois, mas o filme tornar-se-ia um bom testemunho dos loucos meses do PREC.

Porém, a notoriedade de Thomas Harlan não se fica pela sua obra ou militância. Esta será antes um complemento dos antecedentes familiares. O seu pai era também ele realizador de cinema. Mas ao passo que o filho era activista da extrema-esquerda, Veit Harlan terá sido o mais famoso cineasta do III Reich, a par de Leni Riefenstahl. A autora de O Triunfo da Vontade ficava com o quinhão onde se difundia a glória e superioridade da "raça ariana", enquanto Harlan se encarregava do cinema "negativo", ou seja, da propaganda contra as "raças inferiores", particularmente os judeus. Realizou o tristemente célebre Jud Süß, o expoente máximo do anti-semitismo filmado (todo esse processo foi narrado num filme alemão deste ano, que ignoro se terá distribuição comercial em Portugal, embora torça para que venha).


A família Harlan personifica os sentimentos radicais de duas gerações alemãs. A do pai aderiu ao Nacional-Socialismo e colocou-se à sua disposição, oferecendo os seus talentos na depuração anti-semita. O filho, que conviveu de perto com altas figuras nazis, escolheu a barricada do lado oposto, abraçou as causas de extrema-esquerda, como tantos outros da sua geração (e alguns da seguinte, que nos anos setenta revelavam "simpatia" pelo grupo terrorista de Baader-Meinhof), que combatiam os resquícios da ideologia dos pais, tentando desinfectar a Alemanha de qualquer rasto de nazismo, e faziam-no recorrendo por vezes à violência armada, ao crime e à traição. Não sei se antes algum avô combateu nas trincheiras da Iª Guerra, mas em todo o caso os Harlan, com uma geração de extrema-esquerda sucedendo a outra de extrema-direita, são a face trágica da Alemanha dos últimos oitenta anos. Um e outro corresponderam a respostas desesperadas às catástrofes sofridas pelo seu país por responsabilidade das gerações anteriores. Nenhum o conseguiu. Acabaram por se confundir com o que de mais violento e fanático havia nas respectivas épocas no seu país. A morte discreta de Thomas Harlan dá-se numa altura em que os excessos de violência urbana dos anos setenta contra a próspera República de Bona foram esquecidos, e em que a Alemanha volta a afirmar-se como potência política, para a qual todos se voltam, e não já só económica.

sexta-feira, dezembro 24, 2010

A causa dos dias correntes

«Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra.
Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria. Todos iam
recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na
Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de
David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida. E, quando
eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho
primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para
eles na hospedaria. Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos
campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a
glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. O anjo disse-lhes: «Não
temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de
David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. Isto vos servirá de sinal:
encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.» De repente, juntouse
ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: «Glória a Deus nas
alturas e paz na terra aos homens do seu agrado.»
Evangelho de S. Lucas, 2, 1 - 14




quarta-feira, dezembro 22, 2010

Voou


O divórcio entre o Benfica e Juan Bernabé e a águia Vitória é um caso triste e dispensável. Estive no jogo de Sábado e não imaginava que ao mesmo tempo se davam confusões envolvendo seguranças e advogados. E as versões das partes são contraditórias. O tratador diz que o impediram de entrar no estádio e que há "sportinguistas" infiltrados nos corpos dirigentes. A SAD afirma que o espanhol é que agrediu um guarda e que há tempos que vinha demonstrando "comportamentos menos próprios". Não sei quem está mais próximo da verdade. O que é certo é que o magnífico voo da águia Vitória, revelado há sete anos na inauguração da nova Luz, não voltará ao estádio. Diz-se que se vai contratar um novo tratador, que virá uma nova águia, etc. é possível, mas ainda falta tempo. E nunca será a águia original, aquela que voou sobre o estádio no seu primeiro jogo, contra o Nacional Montevideu. Muitas vezes vi esse número, com uma criancinha a fazer o chamamento de sempre ("Vitória, vem!"), e com os visitantes, particularmente os estrangeiros, estupefactos e deslumbrados. Numa ocasião, salvo erro contra a Naval, quando eu ainda estava a chegar ao estádio, alguma coisa assustou a ave, que esvoaçava em volta dos prédios vizinhos da Luz.
Ao que parece, o conflito estará relacionado com o facto de Bernabé ter oferecido os seus serviços a outros clubes que usam aves no símbolo, como a Lázio (ver vídeo abaixo) e Flamengo. Esperemos agora pelo sucessor, mas com saudades da original, e mágoa por este caso acabar assim.







PS: Pôncio Monteiro sempre me irritou, com o seu fanatismo e as suas tiradas despropositadas. Mas há que confessar que sem ele aquele pequeno Mundo tão mediatizado do comentário futebolístico televisivo fica muito a perder, sem o seu estilo inconfundível, as suas atoardas e a sua pronúncia com "zs". E recorde-se também o desaparecimento de Aurélio Márcio, um dos mais isentos e justos comentadores que me habituei a ouvir na rádio (assim reconhecido por todos), e um dos históricos fundadores de A Bola.

terça-feira, dezembro 21, 2010

De Yaoundé ao Monte Ararat

Apoula Edel é um guarda-redes nascido nos Camarões, que cedo se mudou para o Pyunik Yerevan, clube da capital da Arménia, e que depois de alguns anos se naturalizou arménio, passando a defender a baliza da selecção daquele estado do Cáucaso. Passou ainda pelos romenos do Rapid de Bucarest, antes de desembocar no Paris Saint-Germain. Actualmente é titular na equipa da capital francesa.


Dificilmente conseguirei encontrar melhor caso para exemplificar a globalização. Perfeito era que o keeper passasse ainda pelo Atletico de Cali, da Colômbia, pelo South Perth, da Austrália, antes de acabar a carreira no Qatar. Isso sim, era O futebolista global (ou sem pátria, se quiserem) por excelência. Mas assim como está já é bom.


Só mesmo o futebol, para nos mostrar arménios nascidos nos Camarões, que trocam a humidade do Equador pela sombra do Ararat. Também assim se comprova a beleza deste desporto.
A Esperança encontra-se até nas filas à chuva

Como em tudo na vida, há momentos de azar. Estar na bilheteira do estádio a apanhar chuva e perder dois golos dos nossos é um exemplo entre milhões de outros. Mas conseguir ainda ver outros cinco (três dos quais dos nossos) já é uma reviravolta da sorte, sobretudo se o bilhete estiver a preço reduzido. Não sei se isto contribui para a esperança do leitor destas linhas, mas a intenção também era essa. Afinal, estamos no Natal, e os sentimentos cristãos, como a Fé e a Esperança no Advento, são para ser invocados nestas alturas.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

E assim aconteceu...


Além de grande promotor da cultura em Portugal, com o inesquecível Acontece (o tal programa que, segundo Nuno Morais Sarmento, o seu coveiro, custava tanto que "dava para pagar uma volta ao Mundo a cada português"), e de jornalista facilmente reconhecível, Carlos Pinto Coelho divulgou também as novidades da África lusófona, a sua paixão pela fotografia, e acabou por inspirar Carlos Filinto Botelho, uma das personagens mais antigas de Herman. Também por esse humor indirecto, mas não só, que descanse em paz e que não seja esquecido.


In dubio contra Assange

Falou-se tanto nestas últimas semanas sobre o WikiLeaks e o seu mentor, Julian Assange, que pouco ficou para dizer. Há opiniões contra, a favor e assim-assim. Falar de todo o caso tornou-se um exercício quase repetitivo. O que é que se pode dizer do fenómeno? Que tanto pode ser útil e realmente justo, como quando denuncia delitos praticados por estadistas, fraudes monumentais e crimes encobertos, como demagógico e perigoso, ao desvendar tudo quanto os diplomatas enviam nas suas missivas. Faz com que a tensão cresça desnecessariamente entre os estados. Os defensores furiosos do WikiLeaks referem a "hipocrisia" dos diplomatas; custa-me a crer que tenham sempre dito na cara o que realmente pensam das pessoas, que nunca tivessem dito nada de menos abonatório na ausência do visado ou que não se importem de ver a caixa de correio devassada.
Quanto a Assange, o homem do momento (e do Ano), é óbvio que a sua prisão por "delitos sexuais" não convence nem a velhinha do 3º Direito e é uma desculpa esfarrapada para o deter. Mas aquela face aparentemente calma desvenda um auto-intitulado profeta da informação verdadeira, uma espécie de pregoeiro messiânico da net, anunciando o pior dos tempos aos americanos, e apenas a esses. Alguém que acha que tem uma missão atribuída por sabe-se lá que divindade e a quer levar a cabo contra a Babel americana, desprezando a diplomacia e as relações internacionais. Esse homem, evidentemente, é um fanático. A maioria dos fanáticos messiânicos apresenta uma figura calma e uma voz melíflua (Hitler era uma excepção). Na dúvida, estou do lado contrário ao dele.
PS: ao menos o caso serviu para alguma coisa: por exemplo, para ganhar ainda mais consideração pelo actual MNE, que soube conservar as alianças sem deixar cair princípios básicos. Sim, falo dos voos americanos.

terça-feira, dezembro 14, 2010

Escatologia na porta da net
Há tempos, falava-se aqui da literatura escatológica de porta de casa de banho. Mas isso são marcas que se vão apagando com o tempo. A escatologia escrita (e a rasquice em geral) permanecem e até se expandiram, mas alojaram-se completamente em tudo quanto é fórum ou caixa de comentários da net. É ver para crer. As maiores taras, os ódios mais ressabiados, as frustrações mais dissimuladas, a estupidez mais incontroladas, acabam todas ali, em especial quando o assunto toca bola, questões de fé ou ódios ancestrais. Nisso o Sousa Tavares tem toda a razão.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Mais um disparate ultrapassado


A famosa "candidatura ibérica" suportada pelas federações futebolísticas de Espanha e Portugal perdeu. Ainda bem. Quando ouvi o nome do vencedor pela rádio fiquei satisfeito (mas não surpreso, porque nos corredores da FIFA já se sussurava que a Rússia tinha ganho). Como já aqui escrevi há mais de um ano, estava totalmente contra este projecto, pela mentira inicial - a de que serviria para aproveitar os estádios menos usados construídos para 2004 - pela subserviência a Espanha, como atesta a pouca importância votada aos recintos de Portugal, que nem o jogo inicial receberiam, e até o termo "ibérico", que conduz directamente ao país vizinho - e também pela razão moral de que se um país (neste caso, dois) atravessa uma grave crise financeira e económica, não se deve lançar em mega projectos desta natureza para o futuro. Além de que assim o TGV já pode ficar adiado sine die (o Mundial seria um bom pretexto para se avançar com a sua construção).


Ao mesmo tempo, já tinha tomado partido pela Rússia. A candidatura da Bélgica/Holanda já estava de fora, e os ingleses, como é tradição desde Francis Drake, fizeram uma autêntica acção de pirataria mediática, lançando através dos seus influentes jornais suspeitas sobre todos os outros candidatos. No fim, saíram pela porta pequena, e nem a presença do cómico Boris Johnson lhes valeu para que o football comes home. Terão de esperar mais uns anos antes de tentarem repetir a proeza concedida em 1966.

Assim, a velha pátria dos czares vai ser a anfitriã em 2018. Embora tenham organizado os Jogos Olímpicos de 1980 (os do ursinho Mischa, boicotados por meio mundo), não têm grande experiência na matéria, mas julgo que, ao contrário do que imaginam os perspicazes Zapatero e Sócrates, a causa da sua vitória é mesmo a possibilidade de um grande país ter a oportunidade de organizar um evento destes partindo do zero e erguendo novas infra-estruturas. Não precisaram de Putin nem de Medvedev na cerimónia para nada, e por via disso houve quem suspeitasse logo de subornos e rublodólares por baixo da mesa, não se sabe se com informações fidedignas ou se por inveja. Certo é que novos e grandiosos estádios surgirão em Moscovo, São Petersburgo e Kazan, com o apoio da Gazprom, e circular-se-à pelas imensas estepes entre estas cidades em comboios gratuitos (promessa da organização). Se não for antes, até pode ser um bom motivo para conhecer finalmente o país de Pedro O Grande.

sábado, dezembro 04, 2010

4 de Dezembro


A cada 4 de Dezembro, e mais ainda de dez em dez anos, é-se bombardeado com a memória de Sá Carneiro (e mais modestamente, Amaro da Costa). Discute-se se a tragédia que os levou se tratou de acidente ou atentado, milhentos barões e respectivos assessores falam na "herança de Sá Carneiro", mostram-se enésimas imagens dos amores felizes do fundador do PPD e de Snu Abecassis. Não vale a pena discutir essa avalanche, porque é uma fatalidade conhecida, e as fatalidades são imunes a qualquer discussão. Saúdam-se no entanto as novas biografias de Sá Carneiro, entre as quais uma reedição do livro de Maria João Avilez, muito embora a de Amaro da Costa me pareça uma obra epistolar que pouco revela da sua visão do Mundo. Mas podia-se então aproveitar para mudar boa parte da toponímia urbana que se apoderou de praças tão respeitáveis como a Velasquez e a do Areeiro. Dê-se o nome de Sá Carneiro a novos arruamentos e retomem-se os nomes originais (isto vale para o aeroporto de Pedras Rubras, cujo nome oficial parece uma brincadeira de mau gosto). Quanto a Amaro da Costa, julgo que não haverá grandes alterações a fazer, embora o Largo do Caldas seja conhecido assim por todos, a começar pelas gentes do seu partido. Mais útil seria recuperar o seu arquivo, perdido nalguma sede partidária do CDS do distrito de Beja, onde como se sabe, são às centenas...

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Ernâni Lopes 1942 - 2010


Desapareceu hoje, vitimado pela doença que já em tempos o apoquentara, o melhor Ministro das Finanças das últimas décadas, um dos poucos que não escondeu a situação caótica das contas públicas aos portugueses. Exerceu o cargo no mais impopular governo da III República, o do Bloco Central. Teve de recorrer ao FMI, adoptar uma autêntica política de austeridade e tomar medidas draconianas. Foram tempos atribulados, mas graças a ele e à entrada de Portugal na CEE, com os fundos subsequentes, seguiram-se anos de prosperidade e estabilidade como o país já não se lembrava. Cavaco Silva deve-lhe uma fatia de leão das suas maiorias absolutas pela trabalho realizado, mas lamentavelmente sempre o ignorou. Numa altura em que atravessamos uma grave crise financeira, económica e moral, não é apenas triste perdermos homens assim: é desolador.

terça-feira, novembro 30, 2010

Notas catalãs


Não haja dúvida que a Catalunha passa por dias animados, neste gélido início de Inverno. No Domingo, a velha CiU voltou a ser maioritária no parlamento regional e ocupará por certo a Generalilat. A experiência da esquerda tripartida à frente do governo não correu muito bem, e o PSOE pagou por isso, com muitos a verem o fim de um ciclo e a prever o princípio do fim do governo de Zapatero. Pior ainda ficou a Esquerda Republicana Catalã, reduzida a menos de metade pelas tolices do inenarrável Carod Rovira, e que ainda se viu ultrapassada pelo PP. Mais atrás ainda ficaram os comunistas e umas franjas de independentistas. Será que os anarquistas da CNT votaram em alguém?



Um dia depois, o motivo de todas as conversas: os cinco golos sem resposta do Barcelona ao Real Madrid. Jamais Mourinho tinha encaixado uma derrota por estes números (embora o resultado não seja inédito: basta recuar a 1994 e aos tempos em que Romário fazia levantar o Camp Nou), com um jogo avassalador da cantera culé sem hipótese de reacção dos merengues e de Cristiano Ronaldo, como sempre muito desacompanhado. Barcelona conseguiu por uma vez vingar-se do "tradutor", mas por muito abatido que este estivesse, desconfio que ainda vai virar as contas e retribuír a gentileza no Santiago Bernabéu, onde presumivelmente já contará com Káká. É não conhecê-lo e à sua capacidade de emergir.


Fica uma nota de uma ironia curiosa: a fustigada dupla de centrais do Real era constituída por Pepe e (Ricardo) Carvalho, precisamente o nome do detective criado pelo mais conhecido escritor catalão de livros policiais, Manuel Vazquez-Montálban, que chegou até a fazer parte dos corpos sociais do FC Barcelona. Nos histórias, Carvallo queimava livros; no relvado, a dupla homónima queimou a própria equipa. Se Mourinho tivesse estado mais atento à literatura contemporânea catalã, talvez a coisa não lhe tivesse passado em claro.

O exemplo do Banco Alimentar

O Banco Alimentar recolheu neste fim de semana mais de 3 mil toneladas de alimentos. Ultrapassou os recordes de sempre. Ese sucesso tem várias leituras possíveis: significa que, como se temia, há mais gente com fome a precisar de auxílio. Mas também que as pessoas, mesmo com mais apertos na bolsa, e sabendo das novas realidades do país, foram mais solidárias do que o costume. Em tempo de crise, é uma bela amostra de que a sensibilidade social não está por terra, antes pelo contrário. E quando tantos apregoam por maior intervenção da sociedade civil à margem (ou como complemento) do Estado, o Banco Alimentar é um exemplo maior desse tipo de intervenção, mostrando quão eficaz pode ser o apelo de uma instituição de confiança e sem segundas intenções, para acudir às reais necessidades do país e dos que estão na sua margem.

segunda-feira, novembro 29, 2010

Acabou o Contra


Acabou o Contra Informação. Durante mais de uma década, foi o mais verrinoso programa de humor televisivo, o mais subversivo, o mais inspirado. Os trocadilhos dos nomes dos bonecos eram sempre inventivos, e de lá saíram diálogos e situações brilhantes, como as célebres galas. Não havia figura pública que não estivesse representada, e houve mesmo quem se sentisse posto de lado por não ter o seu próprio boneco. Durante muito tempo era o programa televisivo que mais fazia questão de ver. Ultimamente, já vinha perdendo fôlego e imaginação, e estava reduzido a um discreto bloco semanal. Agora acabou, definitivamente. Pode ser que qualquer dia venha um substituto, porque o modelo está longe de estar esgotado (recorde-se que antes do Contra já tinha havido o Cara Chapada, na SIC). Certo é que a televisão portuguesa fica mais pobre. Ou melhor dizendo, ainda mais pobre, mais sensaborona e mais servil.

quinta-feira, novembro 25, 2010

Goa, quinhentos anos


Só mesmo a leitura ao fim do dia das habituais efemérides do suplemento P2 do Público é que me puseram ao corrente do facto histórico do dia: não, não são os 35 anos do 25 de Novembro de 1975, graças ao qual não ficamos sob o domínio de militares de aspecto cubano e gente demasiado excitada. São antes os 500 anos da tomada de Goa por Afonso de Albuquerque. Meio milénio decorrente da entrada do governador português, que já conquistara Ormuz, no território ao qual o seu nome ficaria indelevelmente ligado e que se tornaria no centro político, religioso e comercial da Índia portuguesa. Ali começou verdadeiramente a "conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia". Dali partiram as expedições que conquistariam Malaca e chegariam às Molucas, e também dali São Francisco Xavier iniciou a sua peregrinação pela Ásia. Goa cristianizou-se, ganhou traços arquitectónicos portugueses e, graças aos planos de miscigenação entre os indianos e os portugueses levados a cabo por Albuquerque, nasceu um novo sub-povo: os goeses. Goa pertenceu a Portugal até 1961, quando as muito mais numerosas forças da União Indiana ocuparam o território. Foram 450 anos, desde esse 25 de Novembro de 1500. Uma nova era da história de Portugal e do Oriente começou aí.

terça-feira, novembro 23, 2010

E assim passou a NATO por Lisboa

A NATO lá se reuniu em Lisboa sem problemas de maior e com promessas de reforma e de resolução de casos pendentes. É cedo para se saber se há possibilidade de salvar o Afeganistão das suas muitas ameaças com uma saída airosa (tanto uma como outro hipótese são duvidosas). Por outro lado, a futura cooperação com a Rússia promete desanuviar uma tensão nada desejável no leste da Europa e no Cáucaso e fortalecer ainda mais a aliança contra as novas ameaças globais - o Irão provavelmente entendeu a mensagem. Ver-se-à se Lisboa deste fim de semana ficará para a história.


Um qualquer habitante da cidade poderia passar à margem da Cimeira, desde que não vivesse (ou trabalhasse) na área do Parque das Nações ou não precisasse de usar alguma das vias condicionadas. Estive na capital nestes dias e tirando as entradas vigiadas do Vasco da Gama, restos de barreiras em Belém e de manifestantes no Rossio, nada vi de substancialmente diferente. Ao que parece, o controlo nas fronteiras funcionou bem (apesar dos protestos) e o temido Black Block não conseguiu fazer das suas. É bem possível que muitos dos retidos que se queixavam de não poder entrar no país e da sua "falta de democracia" fossem na realidade membros desse movimento que ocupa o tempo a partir montras e a montar coktails molotov. Mas a coisa seguiu sem problemas, mas revelando uma incrível e variada fauna, que o Miguel Castelo Branco reportou fotograficamente, para nosso gáudio e para deleite da sociologia. Ficamos mesmo a saber que Os Cinco, tão bem comportados e amigos da ordem e dos british values, enveredaram por maus caminhos e foram parar à prisão. Felizmente têm amigos que não se esquecem deles. Ou então eram eles as más companhias. Nunca se sabe.

sexta-feira, novembro 19, 2010

A terceira mais bela


A Livraria Lello foi considerada a terceira mais bela do Mundo pela Lonely Planet. Está longe de ser uma novidade, já quem em 2008 o Guardian deu-lhe o mesmo galardão, e a mesma posição. A diferença é que nessa votação era uma livraria holandesa, estabelecida numa antiga igreja, que estava em primeiro, e agora é uma americana, de S. Francisco. Em segundo permanece a de Buenos Aires, num antigo teatro (pelo que talvez a Lello seja a mais bela das construídas de raiz para a função).
Não é surpresa nenhuma, mas é um orgulho para o Porto e para Portugal. Agora só falta que a Lello se torne numa livraria realmente boa, e não apenas um alfarrabista onde também se compram livros novos, e que a disposição e organização também sejam aperfeiçoadas. Também teria a sua piada ver os livros transportados de novo naqueles carrinhos que circulavam nos carris de metal que ainda são visíveis entre o soalho do centenário estabelecimento.

Eis a Ateneo Grand Spirit, de Buenos Aires

E a nova campeã de beleza das livrarias, em S. Francisco. Pergunto-me quanto terão pago pela distinção, sabendo-se que destronaram a fantástica livraria que se vê em baixo, a Boekhandel Selexyz Dominicanen, de Maastricht.

quarta-feira, novembro 17, 2010

A república dos abutres
Não haja dúvida que esta comissão dos cem anos republicanos tem o dom da oportunidade...ou o vício do oportunismo. Tem razão o Nuno ao chamar a atenção para este disparate. Comemora-se a república homenageando Nuno Gonçalves? Mas no Séc. XV Portugal tinha sistema republicano? Terão confundido com Veneza ou Génova? E as personagens presentes nos Paineis de São Vicente (entre os quais D. Afonso V e D. João II), foram transmutados em figuras da 1ª república? Se a monarquia representava o "atraso", "as trevas", a "desigualdade", o "analfabetismo", os "privilégios de uma casta por causa do seu sangue", etc, etc, porque raio há da efémera (espere-se) comissão de Artur Santos Silva dedicar-se a exibir aquilo que considera serem defeitos de regime? Homessa! Se queriam exaltar a "ética republicana" que fossem mostrar obras dos últimos cem anos, em lugar de fazerem de abutres sem memória.
PS: o jogo particular da selecção portuguesa com a Espanha também se insere nas comemorações. Luminosa ideia, esta, de convidarem uma monarquia, que por acaso é somente a campeã mundial e europeia em título. Porque é que não chamaram antes a inspiradora Republique Française? Tiveram medo dos maus modos dos seus jogadores?

sexta-feira, novembro 12, 2010

Versão pós-1980.
Noutras situações seria um plágio ou um cover. Mas neste caso, que considerar? Trata-se da banda original, só que sem o seu carismático vocalista, e consequentemente com outro nome. Os Joy Division ficaram para trás, e os New Order, mais electrónicos, menos negros, interpretam um dos hinos que marcou a sua anterior encarnação, ao qual falta aqui a voz grave e algo cavernosa de Ian Curtis. Chamemos-lhe então uma versão, ou um cover, de per si.


quarta-feira, novembro 10, 2010

Cobardias e contrastes

Estranhos tempos, estes, e estranho continente, aquele em que habitamos. Vemos chegar o presidente de um estado que não permite a liberdade de expressão, de manifestação, que reprime as religiões e que comete um genocídio cultural sobre o Tibete (para não falar das atrocidades cometidas contra o seu povo por via armada). Quase ninguém se manifesta, e mesmo esses, aliás pacíficos, são afastados para a margem da margem.

No mesmo dia, um Papa é recebido em Barcelona com insultos, provocações e cartazes de protesto. Os opositores estão longe de ser uma multidão, mas os diversos órgãos de comunicação social dão mais ênfase a isso do que aos muitos mais que o acolhem. A viagem papal tinha o duplo objectivo de visitar Santiago de Compostela em ano de Xacobeo e de consagrar a Catedral da Sagrada Família como Basílica. A obra-prima de Gáudi, eternamente incompleta, é já o símbolo máximo da cidade condal, mas nem sempre os seus habitantes a respeitaram ou preservaram. Os anarquistas já foram a maioria em Barcelona, em alturas da guerra civil, por isso o seu anti-clericalismo já vem de longe. Os manifestantes que vimos nas imagens são descendentes da miscelânea de anarquistas, comunistas, trotsquistas, socialistas e demais republicanos que se juntaram um pouco contra natura para combater os nacionalistas de Franco (e entretanto, para se combater entre si). Coragem teve o Papa em passar entre fileiras de gente que o odiava, de um lado, e que o aclamava, do outro - uma boa metáfora da Espanha actual. A Sagrada Família (porventura a única verdadeira razão que me levaria àquela cidade) e mestre Gaudi mereciam-no, e a mensagem cristã, para ser espalhada, também exige coragem. Mas é espantoso como muitos vêem o Papa como uma real ameaça física, como se os Estados Pontifícios ainda existissem e tivessem a prerrogativa de organizar Cruzadas, a não ser que o vejam como uma ameaça no campo das ideias e de influência moral, e aí já lhes mais razão. Mas a prova do limitado poder terreno do Sumo Pontífice é exactamente o exibicionismo dos seus contestatários e os órgãos de comunicação social, mostrando-os até à medula, levados pelos airs du temps. Caso contrário, nem se atreviam a mostrar o nariz num raio de dez quilómetros. Como aconteceu com Hu Jintao, cujo regime foi olimpicamente ignorado por quase todos por mero temor reverencial e económico e em troca de alguns yuans. Com esses os "corajosos" apupadores do Vaticano não tugem nem mugem.

terça-feira, novembro 09, 2010

Hara Kiri

A táctica que Jorge Jesus usou ontem no Porto confirmou-se como uma autêntico suicídio. Ao ver David Luiz na esquerda e Sidnei no meio, palpitou-me que a coisa ia correr mal, até porque me recordei da última ida a Liverpool. Na altura, o Benfica despediu-se da Euro Liga. Agora pode muito bem ter-se despedido da luta pelo campeonato, e pelos mesmos erros. E pior, sofrendo uma goleada copiosa do grande adversário, sem ponta de garra, demonstrando apatia e nervos à flor da pele (que renderam um penalti e uma expulsão, logo a do capitão), com três castigados para o próximo jogo, que vá lá, é contra a Naval...dificilmente podia ser um cenário mais negro. Contra um Hulk em plena forma pôr um David Luiz numa posição com a qual não se dá bem é pura loucura. Assim se ganha um passador e se perde um grande central. Jorge Jesus bem pode meditar para não mais repetir o erro, salvar o resto da época. Ainda para mais depois de uma grande exibição de contra o Lyon, a meio da semana, em que nem os erros dos suplentes tiraram brilho, apanhar com um resultado destes é duro, e logo do clube cujos adeptos mais ódio sentem pelo Benfica. Agora, há que lamber as feridas e preparar os próximos jogos sem invenções imbecis. É que as ideias "luminosas" têm custos incalculáveis, e não é Roberto que vai fazer sempre de bode expiatório. Até porque não merece.


P.S.: que quer dizer André Villas-Boas com os seus "gestos de revolta" pela "época passada"? Há algum regulamento que proíba o Benfica de ser campeão? O Porto tem direitos naturais na matéria? A avaliar pelas reacções e pelas palavras de um ex-guarda-redes daquele clube, agora adjunto despedido, parece que acham isso mesmo. Razões de revolta tem o Benfica, e de sobra.

domingo, novembro 07, 2010

De novo a subserviência com a China

Pelos vistos, até houve alguns protestos de meia dúzia de membros da Amnistia Internacional e de um ou outro indivíduo com a bandeira do Tibete às costas. Mas ainda assim o Governador Civil de Lisboa não esteve com meias medidas, proibiu a acção e desterrou-a para as imediações da Torre de Belém, com o argumento de que se tratava de uma "contra-manifestação" e que no local já estavam as associações luso-chinesas, para aclamar Hu Jintao. Os manifestantes eram poucos e pacifíssimos, mas o peso da China na política externa e sobretudo os interesses económicos prevaleceram sobre quaisquer princípios de "respeito pelos direitos humanos" tão apregoados nesta republicazinha das (de) bananas. Nem os Falun Gong puderam fazer os seus exercícios meditativos em paz. Mas já tínhamos visto algo de semelhante, quando o governo, há não muitos anos, se recusou a receber o Dalai Lama. Para memória futura, fica o nome do autor de mais um acto de subserviência total perante a China comuno-capitalista selvagem. Chama-se António Galamba. A não esquecer.

sexta-feira, novembro 05, 2010

Aguardam-se protestos
Hu Jintao, Presidente da República Popular da China e homem mais poderoso do mundo, segundo publicações recentes, está a chegar a Portugal. Espero, obviamente, que os profissionais da manifestação e do activismo radical a favor de "causas nobres", como a de apupar continuamente Israel, não deixem o crédito por mãos alheias e venham para a rua protestar contra ao chefe de um estado semi-totalitário que reprime de forma brutal as aspirações do povo tibetano e todas as formas de protesto na China. Nem outra hipótese me vem à cabeça.

quinta-feira, novembro 04, 2010

Wall Street de regresso



Desde que vi o anúncio da sequela de Wall Street, filme de Oliver Stone de 1987, fiquei atento à sua chegada. Tinha gostado muito do original, e até o revi de propósito numa das sessões de Verão na esplanada da cinemateca. Quem o tenha visto conhece a sua crítica feroz ao sistema capitalista pronto-a-vestir e especulativo, a caracterização de uma época e dos seus traços distintivos, e da nova classe emergente dos anos oitenta, os corretores, com os fatos cruzados por suspensórios, os gadjets, os sinais de riqueza, a vida num corrupio imparável, etc. E uma espécie de vilão do sistema vigente, Gordon Gekko, financeiro sem escrúpulos, que não sendo a personagem principal consegue dominar o protagonista Bud Fox/Charlie Sheen e arrebatar o Óscar de Melhor Actor desse ano para o seu intérprete, Michael Douglas. Dele ficou para a antologia cinematográfica a máxima "Greed is good", que tão bem assentava naqueles anos antes do crash da bolsa de 1987, que marcou o fim daquela época. O filme é todo ele um conjunto de símbolos de uma época, recriados ou inventados. Os anos oitenta novaiorquinos estão ali espelhados, como se pode verificar pela banda sonora tão new wave dos Talking Heads.

A sequela dos anos dois mil e zero, merecendo mais do que a estrela solitária da crítica do género, desaponta um pouco. Ou a nossa era é demasiado desinteressante (e ainda mais cínica), ou Stone não conseguiu captar o mesmo espírito de época. Há alguns paralelismos interessantes entre as duas obras, tal como o financeiro escrupuloso mas desiludido com o sistema, que no primeiro filme era um Hal Holbrook amargamente irónico, e no segundo um Frank Langella bem mais trágico. A saída de Gekko da prisão logo no início, com o seu tijolo celular na mão tem a sua piada. Com a apêndice "Greed was good, now It´s legal" e o pequeno reencontro com Bud Fox (Charlie Sheen lá arranhou tempo entre um divórcio e uma bebedeira), é dos momentos mais interessantes da fita. Mas falta muito mais a Wall Street dos nossos anos; ao correctorzinho bem intencionado e ecolo de Shia Leboeuf falta a vertigem de ganhar dinheiro rápido e de fazer pequenos truques, como Bud Fox; os "maus da fita" não têm um centésimo da espessura cínica do original Gekko (apesar dos esforços de Josh Brolin), mesmo que a fasquia da pose de obras de arte tenha subido - os promissores quadros pop art são substituídos por Goyas autênticos. E ainda aparece, um pouco enfiada a martelo (provavelmente para mostrar que os filhos não têm de seguir os maus exemplos dos progenitores), a filha de Gordon Gekko, uma jovem idealista que é noiva do seu novo discípulo, precisamente a personagem de LeBoeuf, e que não fala com o pai há anos. A tentativa de reconciliação será uma das tramas principais do filme, o que dá a Gekko um ar mais humano, juntamente com o passado de ex-recluso e o cabelo grisalho, mas a coisa começa a dar para o torto quando o jovem casal pensa que os sonhos se vão cumprir e o corretor aproveita para "to back in business" com o espírito de tubarão que lhe víramos no primeiro filme. Só que o a voz do sangue fala mais alto, e afinal Gekko até tem alma e coração. A coisa acaba com um happy end digno de um "filme para toda a família", literalmente falando. Dá ideia que não haverá um Wall Street 3, até porque o efeito surpresa, ou coque, como quiserem, desvaneceu-se com a sequela. O capitalismo anda à solta, precisa de ser regulado, o dinheiro dá a volta à cabeça das pessoas, mas no fundo, no fundo, há sempre uma réstia de humanidade. Se a mensagem de Oliver Stone não era esta, anda lá perto.


Já agora, as cenas com mais charme são as passadas em Londres. Waal Street é ainda poderosa, mas Saville Row deixa-a K.O. em classe e elegância.

sábado, outubro 30, 2010

A guerra eleitoral brasileira - o homem da segurança

E que dizer dos candidatos provindos da polícia? O Coronel Gondim "viu mais bandidagem em dois meses na política do que em 33 anos de polícia militar". E deixa mensagens claras e directas ao eleitorado. Resta saber se a "vagabundagem" a que se refere não seria uma grossa fatia dos eleitores, suficiente para alterar uma votação.

A guerra eleitoral brasileira - Eneas Carneiro
Nas vésperas da segunda volta das presidenciais brasileiras, que vão escolher o novo chefe de estado e de executivo brasileiro (muito provavelmente Dilma roussef, por quem não nutro a menor simpatia, mas isso é outra história), relembro algumas figuras de campanhas anteriores. Nas eleições para os orgãos legislativos e estaduais deste ano muito se falou de Tiririca e da sua campanha ("pior do que tá não fica"), assim como a da "mulher-pêra", de candidatos evangélicos ou da eleição de Romário e Bebeto para o Congresso. Mas a comicidade ou excentricidade das guerras eleitorais brasileiras já vem de longe. Lemas fortes, ideias surpreendentes, dezenas de partidos com momes parecidos ou ideologias ambíguas, de tudo se encontra nas eleições de Vera-Cruz.
Um dos mais destacados era Eneas Carneiro, que aliava uma figura singular a um discurso erudito mas violento e supersónico. Baixo e magro, de enormes óculos de massa, careca e com uma enorme barba negra, Eneas ganhou imensa popularidade e lugares de destaque nas presidenciais, antes de se tornar deputado federal. Ameaçava os corruptos, prometia a bomba atómica para o Brasil e proclamava a suma importância do conhecimento. Era já uma personalidade conhecida em todo o Brasil, até à sua morte, em 2007, de um linfoma. O seu minúsculo partido, o PRONA, não resistiu ao seu desaparecimento e fundiu-se com outro movimento. Mas de Eneas ficaram os discursos inflamados e a sua frase-chave, que o tornou conhecido em todo o Brasil: Meu nome é Eneas!


Eneas Carneiro em 1989

...e a última campanha de Eneas

sexta-feira, outubro 29, 2010

Loucuras em livro
Depois de mais de um ano de cartas atrevidas e bem humoradas enviadas a todo o tipo de entidades (e respectivas respostas, das secas às delirantes), de boa-disposição e seguramente muitos nervos, Mário Dias, a.k.a. João Pinto Costa, vê agora as suas loucuras publicadas em livro. o Mail de um Louco passa ao papel, mas não deixa de estar online. E de todas as formas de humor, o nonsense é sempre um excelente antídoto contra os enfados e as micro-depressões quotidianas. Façam bom proveito.

quinta-feira, outubro 28, 2010

A queda final do Império Romano



Via Delito de Opinião cheguei a este texto pormenorizado, intenso e angustiante, recordando uma dos temas que mais me fascina e me assombra: a queda de Constantinopla às mãos dos Otomanos. Lá encontra-se a magnificência final das cerimónias da igreja oriental e dos Imperadores bizantinos, a defesa desesperada das muralhas pelos seus habitantes, a entrada cataclísmica dos turcos na cidade, perante a qual o Basileus Constantino XI Paleólogo e os seus últimos fieis se atiraram de armas na mão, para perecer juntamente com o império, e todos os massacres, violações, pilhagens e demais atrocidades perpetrados pelos invasores. Para que a leitura ficasse ainda mais completa, aconselharia um texto de Stephan Zweig, incluído numa obra do autor (qualquer coisa como "Momentos Decisivos da Humanidade"), editado recentemente, em que mostra a escassíssima ajuda dos cristãos do ocidente, as técnicas usadas pelos otomanos para ultrapassar a inexpugnável corrente de ferro que fechava o Bósforo e o patético, e autenticamente bizantino descuido que permitiu que os turcos aí entrassem: uma minúscula porta (a Kerkaporta) aberta entre as muralhas, por distracção dos defensores. Assim caiu Constantinopla, e acabou definitivamente o Império Romano, mil anos depois do do ocidente. Uma página negra da história da Europa, que, e por muito que isso desagrade ao senhor Erdogan, convém sempre relembrar.

segunda-feira, outubro 25, 2010

No Conselho de Segurança



Como nem tudo pode ser mau, Portugal conseguiu uma importante vitória externa, ao ser eleito para membro não-permanente do conselho de Segurança da ONU. Com adversários como a Alemanha e o Canadá, ambos membros do G8, a tarefa não era fácil, mas superaram-se as barreiras (e os canadianos). Para isso, tivemos de contar com os votos de países como a China e a Rússia, que por quaisquer razões, porventura estratégicas, preferiram ver Portugal como interlocutor temporário no Conselho de Segurança. Há que agradecer também à Espanha pelo apoio dado e por convencer os estados sul-americanos a votar em nós. Em contrapartida, estados houve da União Europeia que votaram no Canadá. Mais uma prova de que a solidariedade comunitária é mais um véu institucional que outra coisa qualquer.

É certo que os canadianos desistiram antes da terceira ronda, mas apenas porque ficaram muito abaixo de Portugal na segunda rodada. Recorde-se que o Canadá, além de ser membro do G8, é o segundo maior país do Mundo em área e já tinha estado por seis vezes (todas a que se candidatou) no conselho de Segurança.

A importância desta eleição para Portugal é significativa. Para já, porque apesar de tudo mostra que nem tudo corre mal e dá uma pequena balão de oxigénio no amor-próprio. Depois, por causa do prestígio e da imagem externa do país, numa altura em que é acossado por agências de rating e periódicos financeiros. E por fim (esta é a razão porque escrevo agora, quase duas semanas depois do feito), porque pode influenciar a permanência do quartel-general regional da NATO em Portugal, a poucas semanas da cimeira, e cuja saída, perfeitamente plausível, seria prejudicial ao nosso país. É uma indiscutível vitória da diplomacia portuguesa, por muito que isso perturbe os adeptos do "quanto pior, melhor", mais fiéis a esquemas partidários do que ao Bem Comum do país. Agora veremos os frutos que se vão colher. E se Oeiras mantém a sua importância estratégica.

sexta-feira, outubro 22, 2010

O Oeste anda todo ligado
A polícia prendeu hoje no Bombarral um capo da Cosa Nostra siciliana, que estava fugido de Itália. Ao que parece, o indivíduo dedicava-se no nosso país ao mesmo tipo de actividades comuns às máfias, nomeadamente extorsão a empresas. Mas atente-se ao local da detenção: se puxarmos ligeiramente pela memória, damos conta de que há não muito tempo, um elemento da ETA foi preso em Óbidos, ali mesmo ao lado. Não digo que a localização dos dois criminosos não seja uma coincidência; mas pelo sim pelo não, se fosse o ministro Rui Pereira não estava preocupado apenas com a cimeira da NATO e aumentava a vigilância no Oeste: é que não é novidade nenhuma que máfias e organizações terroristas têm estreitas ligações (é ver o que diz Roberto Saviano) e os negócios de uns confundem-se, ou pelo menos favorecem com as actividades de outros. Espero que daqui a pouco tempo não venha a ser descoberto um covil das FARC nas redondezas.

quarta-feira, outubro 20, 2010

O Benfica do presenteAinda não me tinha debruçado aqui sobre o Benfica desta época. Poderá soar a alguma cobardia escrita, tendo em conta o início desastroso da equipa. Na verdade, já há tempos que pretendia falar sobre isso.

Tudo indica que a tempestade inicial já terá passado. Na baliza, o poste Roberto, que tantas piadinhas tem criado aos adversários, parece ter enfim alcançado a serenidade que lhe faltava. Tenho é dúvidas que vá justificar o pesado investimento financeiro nas suas luvas, com prejuízo para Quim. Eu não o teria feito, mas também não tenho estudos nem tarimba de treinador como Jorge Jesus. Fico a pensar que Eduardo poderia não ter rumado a Génova, até porque sempre seria mais um internacional português, mas é capítulo encerrado. quem sabe se daqui a uns tempos Roberto não será um cobiçado guarda-redes.

Na defesa, poucas mudanças subjectivas, mas a intranquilidade parece que se apoderou de David Luiz. Têm sido muitas as falhas ao "macarrão", logo agora que o convocaram para a Canarinha. Coentrão ficou com o elan do Mundial, a atacar e a defender, ao contrário de Maxi, e Luisão está sereno e autoritário. Bastante desiquilíbrio neste sector, como se vê.

Meio-campo: é óbvio que a saída de Ramires não ficou suficientemente compensada. Javi parece uns furos abaixo do ano passado, mas Airton está aí para compensar. Já Aimar está bem e recomenda-se, e quando não tem lesões é uma maravilha vê-lo jogar. Com Carlos Martins passa-se o mesmo, mas este, além das lesões, é constantemente prejudicado pelo geniozinho, que tanto dá para passes do outro mundo como para andar aos berros com os bandeirinhas. Mas o seu potente chuto está aí.

Por fim, o ataque, sector onde o Benfica é tradicionalmente forte e que tantas redes moveu na época passada. Cardoso está ausente (agora literalmente, com a lesão), abúlico, sem convicção; Kardec bem tenta agarrar a oportunidade, mas não é fácil para quem vem de lesão prolongada. Saviola continua a ser o rato atómico, só que tem tido pouca sorte a facturar. Nuno Gomes está lá para mostrar que há "gente da casa" no balneário, e Weldon espera ser tão útil como no último ano. Depois, os reforços: Jara não tem ido ao relvado, e pouco se percebeu do seu valor tirando alguma "raça". Depois, surge-nos um daqueles casos de incompetência corrigida à pressa: emprestaram o promissor Urreta, e quando perceberam que precisavam mesmo de alguém para o lugar do agora merengue Di Maria foram à pressa buscar Sálvio ao Atlético. Sem resultados práticos, até ao momento. Sobra Gaitan; ao contrário do que diz o preclaro arquitecto José António Saraiva, está longe de ser um jogador "banal", e mostra muita técnica e qualidade de passe. Precisa de aprender a jogar à europeia, de ganhar experiência, de rematar com outra calma, e então será de grande qualidade. Mas para isso precisa de tempo...

No campeonato, as coisas parece que estabilizaram. Na Liga dos Campeões, a derrota em Gelsenkirchen obriga a cuidados redobrados. O Benfica entra hoje em campo em Lyon, uma cidade neste momento a ferro e fogo, para defrontar o poderoso Olympique local, hepta-campeão francês nesta década. Empatar seria bom, ganhar magnífico, perder aborrecido, mas longe de ser letal, com os jogos que faltam. O que se quer é que se lembrem do jogo em Marselha do ano passada e que honrem a camisola. Já chega de resultados falhados.

segunda-feira, outubro 18, 2010

Mineiros, analogias e lições
Já tanto se falou na operação de salvamentos dos mineiros da mina de S. José, no Chile, que pouco mais há a dizer (ou a mostrar). Depois de tantas notícias de desastres relacionados com minas, particularmente na China, é grato pensar que estes ao menos se salvaram, talvez porque todo o Mundo estivesse atento e um país inteiro se tivesse empenhado no seu resgate. A forma como tudo decorreu, e o tempo em que se conseguiu trazer os mineiros à superfície (os primeiros cálculos previam que isso só aconteceria pelo Natal) também é um bom indicador de que o Chile está realmente um país terceiro-mundista, muito embora haja sempre as habituais colagens "latino-americanas". Mas este caso, que pôs o planeta à frente dos ecrãs e que até já está a inspirar Hollywood para um filme - fala-se inclusive em Javier Barden para um dos papeis - recordou-me duas situações que datam de há dez anos: a tragédia do submarino Kursk, imobilizado no fundo dos mares depois de uma explosão, e em que pereceram asfixiados mais de cem marinheiros russos, que o seu país não conseguiu salvar (em parte também pela orgulhosa recusa em aceitar ajuda estrangeira); e, com um final mais feliz mas à custa de muito sangue, a crise em Timor-Leste após o referendo pela independência, quando as milícias pró-indonésias espalharam o terror e a morte, e que levantou uma onda de solidariedade em Portugal para com a antiga colónia. Terá sido a única vez em que António Guterres assumiu por inteiro os seus galões de estadista. Então como agora, viu-se um país unido por uma causa própria. Infelizmente, e ao contrário do que alguns optimistas ainda pensaram na altura, Portugal não mudou para melhor. Talvez o Chile ainda vá a tempos de aproveitar em benefício próprio esta união pelos seus mineiros.

terça-feira, outubro 12, 2010

Hoje, no Delito

Hoje sou o convidado do blogue Delito de Opinião. Respondendo ao seu amável convite, escrevi sobre a visita de Sophia Loren a Lamego, e da sua homenagem no festival de cinema Douro Film Harvest. No fundo, um texto sobre o encontro entre o cinema e uma das mais fantásticas regiões de Portugal.

Resta-me agradecer ao Delito de Opinião (e particularmente ao Pedro Correia), que já por si era um blogue diversificado, mas que consegue sê-lo ainda mais ao permitir que tantos "bloguista" lá escrevam livremente.

domingo, outubro 10, 2010

Um cinco de Outubro em Guimarães

A proclamação de lealdade a D. Duarte, em Guimarães, no dia em que se (deveria) comemora(r) o Tratado de Zamora, em em que as entidades oficiais, mais do que o povo, celebra o "5 de Outubro" de 1910, foi talvez o acto mais marcante dos movimentos monárquicos desde a homenagem às vítimas do Regicídio, em 2008.

(Fotos recolhidas da Guimarães TV)

Fiquei um pouco temeroso à chegada ao Paço dos Duques de Bragança, porque quase só via turistas, até encontrar os primeiros traços do evento e perceber que estavam todos no pátio e salas daquele edifício construído pelo filho de D. João I e fundador da Casa que viria a reinar em Portugal. Não consegui quase ouvir as palavras de D. Duarte, com toda aquela gente, mas acompanhei a marcha que precedeu o momento mais solene. Nela seguia um pouco de tudo: pessoas mais vestidas a rigor, com os seus melhores trajes (alguns com o habitual "bigode retorcido" à finais de oitocentos), outros com um estilo mais fashion, outros ainda de t-shirt com as armas reais; a bandeira azul e branca do liberalismo e as da Restauração; anciãos, jovens, crianças, gente com ar mais institucional ou mais "activista": em suma, para ouvir as palavras do Duque de Bragança estavam pessoas de todo o tipo e de várias zonas do país.


Há já vários anos que não ia a Guimarães (coisa indesculpável para quem vive a apenas cinquenta quilómetros), mas tencionava lá ir antes de 2012, quando a Cidade-Berço for Capital Europeia da Cultura. Surgiu a oportunidade no melhor dia possível. E reconheça-se que é a urbe ideal para uma manifestação monárquica. Todo o enquadramento do centro histórico ajuda, com as suas apertadas ruelas de traço medieval, as casas brasonadas, o granito a espreitar sempre. Os nomes e decoração de alguns bares e restaurantes também ("El-Rei", "Cara e Coroa", etc). Mas a quantidade de bandeiras de D. Afonso Henriques em janelas e varandas espanta; nalguns casos, via-se a bandeira com a cruz de Santiago. As tabuletas com os nomes de alguns estabelecimentos comerciais pareciam estar ali de propósito, com inúmeras alusões aos reis, às armas, etc. E ao espanto inicial dos transeuntes que vinham à janela ver que marcha era aquela começaram a chegar as primeiras palmas e "vivas".

O cortejo continuou até ao largo da Oliveira, onde se ergue o Padrão do Salado, mandado construir por D. Afonso IV para recordar a vitória que lhe deu o cognome de O Bravo, e a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, obra do tempo de D. João I, em agradecimento à vitória de Aljubarrota. Mas naquele espaço, dos mais característicos da cidade, também existe, numa das esquinas o edifício dos antigos paços do concelho, e sob a suas arcadas, que dão para a Praça de Santiago, havia uma mini-exposição da república organizada pelo PCP local. Como os bolcheviques normalmente só apreciam "monarquias" do jaez da Coreia do Norte, uma meia dúzia de camaradas desatou aos berros, dando vivas à república ou contra as "provocações". A marcha acabou aí, com uma evocação à Senhora da Oliveira, e talvez tenha sido a altura ideal, por causa de algumas discussões que se levantaram entre os "provocadores" e os "provocados". Naquele momento, mais uma vez se revelava a tolerância tão democrática dos defensores de 1910, e mais ainda, dos vencidos de 1975. Uma tresloucada fazia exclamações vitoriosas sobre o Regicídio, e um indivíduo com ar de quem trabalha em duvidosas actividades nocturnas inquiria sobre a "legalidade" da manifestação; claro que quando lhe perguntaram onde estava a legalidade das alterações ocorridas em 1910, respondeu com tíbias referências ao "povo".


Acabada a marcha e as histerias que nem por isso a estragaram, andei um pouco por aquela cidade que tanto diz a Portugal. A região tem sido das mais afectadas pelo declínio da indústria portuguesa, há já largos anos, mas conserva a altivez das suas pedras e é prodigioso observar como está arranjada. Do Toural ao Castelo, passando pela alameda de S. Gualter, tudo está limpo e organizado, e por toda a parte se encontram plantas do centro histórico e informações sobre os monumentos relevantes. Antes de partir, ainda vi um traço da cerimónia protagonizada por D. Duarte: uma coroa de flores aos pés da estátua de D. Afonso Henriques. Para muitos vimaranenses, soube-o nesse dia, a nacionalidade nasceu com a batalha de S. Mamede, ali ao lado. Mas a verdade é que se não houvesse o reconhecimento por parte de Castela em Zamora, o país provavelmente não teria passado daí. Deve-o a esse tratado, firmado num longínquo 5 de Outubro.

sexta-feira, outubro 08, 2010

G revelado no Porto

Já tinha deixado aqui no blogue a música, mas entretanto surgiu o respectivo (e soberbo) videoclip do novo single dos Golpes, Vá Lá Senhora, onde têm a companhia de Rui Pregal da Cunha, o carismático vocalista e showman dos Heróis do Mar. Para apresentar as suas novas músicas, Os Golpes deram dois concertos, em Lisboa e no Porto, onde se distribuiu em exclusivo o seu novo "meio CD", intitulado muito simplesmente G, em edição limitada e capa em pele, com a supracitada Vá Lá Senhora logo no início.
Num Hard Club novo em folha, aconchegado no mais que centenário mercado Ferreira Borges, que domina o Infante e a Bolsa, a banda ofereceu um espectáculo que começou morno e acabou em êxtase. Também acabou alagado em suor, por causa da falta de refrigeração, mas nem isso impediu que fosse uma hora e tal extremamente bem conseguida, que teve o seu ponto alto quando Rui Pregal da Cunha (com um traje napoleónico!) entrou em palco, para entoar o novo single, e ainda, como brinde, a velhinha Paixão, dos Heróis do Mar. Como se pode imaginar, a sala ficou ainda mais ao rubro. E deu para perceber que Os Golpes já têm um pequeno culto atrás de si, e que a sua pose revivalista e as suas referências dos anos oitenta - uma delas, por sinal, estava ali em carne e osso - os vão continuar a caracterizar e acompanhar, na sua Marcha levada pela nova vaga de música pop cantada em português.

Ah, e o "meio cd" limitado a quem fosse aos concertos, com o nome gravado no couro, G, além de ser muito bonito a nível estético (o cd em si parece personalizado para aquele concerto, com uma ponte D. Luiz gravada), será com certeza um dia uma peça de colecção, extremamente difícil de encontrar. Espero conservá-lo, nesses tempos, para me recordar deste concerto dos Golpes numa noite chuvosa, no velhinho Ferreira Borges.


terça-feira, outubro 05, 2010

Descomemoremos

Vejo comemorações largas pelas praças do meu país. Há paradas, discursos oficiais, musicata, teatrada, desportos radicais, etc. Dizem eles que comemoram a "implantação da república". Mas comemoram o quê, exactamente? A tomada do poder violenta por parte de insurrectos, apoiados num partido que tinha 7% dos votos em eleições gerais. E o regime fundado por esse partido, que usurpou as cores à bandeira nacional, impondo as suas; que destruiu todo quanto era símbolo de Portugal (vá lá, deixaram as quinas); que diminuiu o universo de eleitores, permitiu o direito à greve mas voltou a proibi-lo quando começaram a ser demais, meteu os opositores na cadeia, reagiu ao tiro, partiu as redacções de jornais que lhe eram adversos e nunca cumpriu as suas promessas sociais. Como se não bastasse, perseguiu os católicos e enfiou o país num guerra sangrenta, para a qual não estava preparado, e que num só dia ceifou milhares de vidas nas lamacentas trincheiras da Flandres.


Isso, e muito mais, é o resultado do que se comemora hoje. Uma comemoração marcada pela propaganda massiva e pela falta de memória. A única coisa que se pode fazer hoje para atenuar é deixar à vista a verdadeira bandeira de Portugal.

domingo, outubro 03, 2010

Sobre os restos da festa outubrina, o Rei
Juan Carlos de Espanha prepara nova visita a Portugal, no dia 6. Não deixa de ter a sua piada pensar que depois do 5 de Outubro vem aí o Rei . Sempre é um bom prenúncio.

sábado, outubro 02, 2010

Os tempos mudam, o pop-rock também
Coimbra está uma rebaldaria inédita por causa do duplo concerto dos U2. É certo que os Rolling Stones também já por lá passaram (até inauguraram o estádio), mas era só uma noite. Desta vez, o quarteto de Dublin leva dezenas de milhares à Lusa Atenas, para ver o seu palco aracnídeo e o espectáculo megalómano. Nunca vi os U2, e ainda tive ideias de ir a um dos concertos, mas a loucura em seu redor (até com fanáticos a querer ir aos dois dias), a falta de paciência para estar horas para comprar um bilhete para daí a um ano e o elevado preço dos que restavam tirou-me quaisquer veleidades. Fico por isso à espera de futuras digressões, com esperança que depois de Vilar de Mouros, em 1982, e as tournées da Zoo TV, Pop, a de 2005 e esta, queiram regressar e haja mais bilhetes disponíveis.
Só que o cartaz de concertos de bandas pop-rock e afins em Portugal não se fica pelos U2. Não faltam espectáculos para todos os gostos nos tempos mais próximos. E se os U2 têm a mesma popularidade que há vinte anos, outros há que decresceram, embora o seu nome continue a arrastar multidões, casos do R.E.M., que mereciam mais, e dos Gun n´Roses. Como muitos se recordarão, os Guns foram a banda mais popular de início do anos noventa, e levaram milhares a Alvalade, em 1992, num concerto atribulado. Agora, Axel Rose e nova companhia regressam a Portugal , ao Pavilhão Atlântico, no dia 6. Se fosse há 15 anos, provavelmente precisariam de um dois estádios. Muita gente deve dar graças a Deus e ao passar dos tempos: é que se os concertos das duas bandas coincidissem na mesma semana em princípios dos anos noventa, teriam de fazer contas à vida e lá se ia metade do orçamento nos primeiros dias do mês.

quinta-feira, setembro 30, 2010

Ainda em Inglaterra, a contenda entre irmãos



Na luta fratricida pela liderança do Partido Trabalhista, recentemente caído do poder, Ed Miliband bateu com alguma surpresa o seu irmão mais velho (e mediático), David, que esteve à frente da política externa britânica no governo de Gordon Brown. Ed pertence à ala esquerda do partido, e ganhou a contenda com o apoio dos sindicatos, que ainda têm peso considerável no partido, se bem que algo esvaziado nos últimos quinze anos. Adivinha-se que seja a martelada final no New Labour, personificado em Tony Blair. Ainda assim, Miliband tenta descolar da imagem esquerdista com que está rotulado. É naturalíssimo que o faça. Provavelmente começou a interessar-se pela política no início da adolescência, quando o Labour sofreu uma das suas piores derrotas sob a liderança de Michael Foot, morto há apenas uns meses, e que foi o líder mais esquerdista do partido de que há memória. Depois dessa inclinação para a esquerda, Neil Kinnock começou a puxar os trabalhistas para o centro, até que o malogrado John Smith, Blair e Brown enveredaram definitivamente pelo Third Way, com o sucesso que se conhece. Ed tem a sombra do seu pai, o intelectual marxista Ralph Miliband, a toldar-lhe qualquer eventual aproximação aos eleitores mais centristas. Resta-lhe esperar que parte do eleitorado liberal se aborreça com a coligação com os conservadores e se vire para este new old Labour.

quarta-feira, setembro 29, 2010

A papafobia britânica

O Papa Bento XVI regressou a Roma da sua visita ao Reino Unido sem qualquer tentativa de prisão, atentado terrorista ou ataque isolado. Já não nada é mau.

Aproveitou-se um pouco de tudo para criticar a visita: os gastos com o acontecimento em si, a memória histórica, os casos de pedofilia recentemente encontrados, medo de proselitismo, etc. Os conhecidos militantes radicais ateístas Dawkins e Hitchens tentaram obter um mandato de captura de Bento XVI por "cometer crimes contra a humanidade" e não "ser um chefe de estado reconhecido", apesar de haver relações diplomáticas entre o Reino Unido e o Vaticano (ou não havia visita, tout court). Conseguiu-se, durante os dias em que o Sumo Pontífice permaneceu nas ilhas britânicas, organizar autênticas manifestações com toda uma coligação negativa anti-papista, reunindo associações ateístas e seculares, activistas dos "direitos da mulher", famílias de vítimas da pedofilia, nacionalistas ingleses e protestantes fanáticos, como o Reverendo Paisley, que em tempos dirigiu-se a João Paulo II no Parlamento Europeu, bradando que o Papa era o "Anticristo". O perfeito contraste com a visita papal de Maio a Portugal.
O Reino Unido tem os seus paradoxos. O puritanismo e a rigidez vitoriana são do mesmo país onde nasceram a pop e o punk. Em terras em que o parlamentarismo tem tantas raízes, ainda subsiste o espírito catolofóbico criado no século XVI por Henrique VIII. Sabia que os ingleses tinham um sentimento anti-católico, mas não ao nível do que se viu - ou do que se falou. Aos casos de pedofilia na Igreja Católica juntou-se a polémica dos gastos com as visitas, as "causas fracturantes", a beatificação de John Henry Newman, e todas as causas possíveis para justificar um poderoso sentimento anti-católico, tido como manifestação de liberdade contra as "trevas". Uma liberdade legada por um tiranete como Henrique VIII, que por razões políticas e libertinas, rompeu com a Igreja de Roma. Depois, os católicos foram perseguidos e afastados, com métodos tão cruéis como os da Inquisição, até praticamente ao século XIX, com algumas notórias excepções por razões políticas, como o casamento de Carlos II com Dona Catarina de Bragança. Ainda assim, membro da família real que por qualquer razão se aproximasse do catolicismo seria excluído da sucessão. Mas mesmo a partir de oitocentos, em que os seus direitos foram sendo progressivamente reconhecidos, nem assim deixaram de ser vistos como inferiores pelos britânicos. Os irlandeses desde Crommwell que foram tratados como gente de terceira. Oscar Wilde sofreu humilhações e o calabouço não somente pelas suas provocações e libertinagem, mas também por ser católico e irlandês.


O anti-catolicismo oficial que durava desde o início da igreja inglesa esbateu-se, mas existe. Quando o príncipe de Gales esteve presente nas cerimónias fúnebres de João Paulo II, ouviu críticas por causa da "submissão à igreja de Roma". Curiosamente, sendo o Reino Unido um estado oficialmente Anglicano, é também um dos que mais se afasta da prática religiosa. A igreja que a Rainha chefia tem enfraquecido, cedendo ao multiculturalismo reinante e a novas práticas e credos. Os ingleses conservam-na como uma tradição, mas a sua heterodoxia afasta-os. Talvez seja por irem em busca de algo mais que surgiram alguns interessantes grupos de católicos ingleses, como a tendência que tocou alguns escritores contemporâneos - Greene, Chesterton e Waugh, para destacar os mais conhecidos. Mas apesar disso, e de um crescente número de católicos, vê-se um anti-papismo que não há em mais país nenhum na Europa. Tradição enraizada, inimizades históricas, medo de que o Bispo de Roma seja um mentor do IRA ou de proselitismo? Ou a ideia de ver um Papa católico e alemão a ser recebido pela Rainha é duplamente dolorosa? Confesso que não sei qual será exactamente a raíz do problema, e que essa aversão mais histórica que social devia ser matéria de estudo mais aprofundado. O que sei é que Bento XVI falou mais contundentemente dos casos de pedofilia na Igreja, encontrou-se com as suas vítimas, homenageou os caídos na batalha na luta contra o nazismo (que provinha, não nos esqueçamos, do seu país) e beatificou John Henry Newman, e conseguiu voltar para Roma sem uma beliscadura. Convenhamos que para um Papa, alemão e que lutou na Segunda Guerra com o uniforme da Whermacht, é uma missão cumprida digna de Hércules.

sábado, setembro 25, 2010

Opostos que se atraem

Olho para as manifestações em França, contra o aumento da idade da reforma para os sessenta e dois anos, que levam atrás de si multidões em protesto. Ouvem-se acusações de "neoliberais", "fascismo", "atentados aos direitos inalienáveis" e ao "estado social", etc. Parece-me tudo um perfeito exagero, mas aquelas multidões socorrem-se de argumentos datados, ignorando a realidade, vituperando quem a contradiga. Em França, isto é perfeitamente comum. Então lembro-me de um movimento novo, do lado de lá do Atlântico, de ideias e lógica opostas. O Tea Party americano acusa Obama de ser "socialista" por causa do seu novo plano nacional de saúde, de ser um soviético encapotado (e para alguns, muçulmano), de querer subjugar a sociedade civil a um estado omnipresente, etc. Os sindicalistas franceses e os redneck americanos podem estar de lados diferentes da barricada e do oceano, mas na retórica, nas ideias fixas e no anti-pluralismo são assustadoramente parecidos.


Voltarei ao tema da França em breve.

sexta-feira, setembro 17, 2010

O fim do Arsenal em Braga?


Os resultados das equipas portuguesas nas competições europeias foram pouco surpreendentes: as equipas grandes e experientes venceram adversários inferiores, e a equipa mais "pequena" e inexperiente perdeu com uma equipa de nome sonante. Mas é curioso pensar que neste último caso o Sporting de Braga estreou-se na milionária Liga dos Campeões (coisa que há meia dúzia de anos seria impensável) em casa do clube ao qual roubou as cores e a camisola, o Arsenal de Londres. Durante muitos anos, os jogadores e os adeptos do Braga foram conhecidos como "arsenalistas" e tiveram mesmo, por breves tempos, uma equipa B chamada Arsenal de Braga. Agora, os gunners de Arsène Wenger fizeram-se pagar pela imitação e deram implacável meia dúzia de golos aos pobres bracarenses, que apesar do brilhante triunfo de Sevilha, mostraram ser ainda muito inexperientes nestas andanças europeias, revelando um medo cénico (também conhecido como "síndrome Tavares") fatal. Será que depois da goleada passaremos definitivamente a ouvir falar dos braguistas ou a expressão arsenalistas continuará a ser empregue, podendo sempre trazer negras recordações, a ser usadas pelos adversários em futuras discussões em que cada uma puxará da memória a derrota mais humilhante do outro?

quarta-feira, setembro 15, 2010

O aterro federativo
O outro caso da época, evidentemente, é o da novela da Selecção, que parece estar perto do fim, se bem que pouco feliz. Nunca fui adepto de Carlos Queiroz, e só desejava que ele tivesse ficado há dois anos em Manchester, a planear tranquilamente as tácticas de Sir Alex, sem se maçar em ir para o relvado. Mas já que o contrataram por quatro anos (supremo disparate), ficava-se com ele até ao término do contrato. O Mundial foi modestozinho, mas sempre passamos a fase de grupos, e cumpridos os mínimos, o técnico deveria permanecer. A história dos testes antidoping e das discussões de Queiroz na Covilhã são uma pretexto mal disfarçado para o pôr fora sem lhe pagar muito. Se servisse para alguma coisa, seria bom recordar que deve haver um mínimo de ética e que a Federação é que resolveu ir buscar o ex-seleccionador. A partida que lhe fizeram é demasiado indecente para passar sem mais. Como é óbvio, os chicos-espertos federativos estão-se a marimbar para tudo isso e querem é livrar-se do homem por qualquer meio, com a cumplicidade bem explícito do bonzo Laurentino. O que se segue é facilmente previsível: contrata-se novo técnico, dá-se uma indemnização - que remédio - a Queiroz e tenta-se apanhar os cacos dos primeiros jogos da equipa nacional para o Europeu de 2012. Só que todo este caso já

a causou mossa, como se viu no pontinho ganho em dois jogos, num vergonhoso empate caseiro com Chipre, que nos marcaram quatro golos. E parece-me que nem Paulo Bento, o mais que provável futuro seleccionador, possa vir a trazer qualquer tipo de tranquilidade à equipa.


O maior drama é pensar que os actuais elementos federativos (Madaíl, o inamovível Amândio de Carvalho, etc) vão permanecer no cargo. Isso mesmo afirmou Lourenço Pinto, presidente a Associação de Futebol do Porto, que assegurou que todas as associações distritais estão com Madaíl. conclusão: não haverá sequer espaço para candidaturas diferentes, e teremos que gramar com a tralha federativa toda, fazendo campanha pelo aviltante e parolo "mundial ibérico" e figas pela qualificação para a Polónia/Ucrânia, com o beneplácito do dispensável Laurentino Dias. Ah, não haver um "Apito Dourado" na Federação, com resultados palpáveis, para tapar esse autêntico aterro sanitário desportivo

sexta-feira, setembro 10, 2010

As trevas da Casa Pia
Ao fim de oito anos, tivemos finalmente a sentença do Processo Casa Pia. Tempo a mais, mas surtiu os seus efeitos, ainda que em primeira instância. Para além das vítimas, dos acusados e de todos os outros que de outra forma estavam ligados ao caso, o dia da sentença terá sido fantástico para donas de casa, transeuntes de Moscavide, e sobretudo para a comunicação social, no seu todo. Provavelmente, estes últimos só terão tido pena de não ser possível um exclusivo, a ser atribuído a quem pagasse mais. De qualquer forma, o que ficou destes dias, além de um resultado concreto, terá sido o imenso eco propagado pelas queixas dos condenados, em especial de Carlos Cruz, que não é à toa que é conhecido como o "Senhor Televisão". Dele e do seu advogado Ricardo Sá Fernandes ouviram-se queixas, lágrimas, recriminações, etc. Mas retive a expressão usada após a leitura da sentença: esta era, segundo Sá Fernandes, "o reino das trevas". Ora Carlos Cruz poderá dizer o que quiser em sua defesa, dentro de certos limites verbais, que foram claramente ultrapassados. Mas, inocente ou culpado, é bom não esquecer que o processo existiu porque ao longo dos anos inúmeras crianças sem família nem ninguém que as protegesse foram submetidas a sevícias e terrores que as marcaram para sempre. Foram as autênticas vítimas, e não houve televisões que se compadecessem da sua tortura permanente. Isso sim, é o autêntico reino das trevas. Finalmente encontraram quem as ouvisse.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Estão de volta



Com novidades na bagagem, duetos previstos e o espírito épico e romântico que já os caracterizava nas primeiras músicas, Os Golpes dão o segundo passo. E há concertos agendados para breve, no Porto e em Lisboa, depois de um sugestivo espectáculo de garagem nas caves do Técnico de Lisboa, no 10 de Junho, assim à laia de aperitivo. O autêntico pope roque transpirando portugalidade desce às cidades.

terça-feira, agosto 24, 2010

A conquista de Arzila e a "Invenção da Glória"
24 de Agosto é uma data fértil em acontecimentos. Uma delas foi a conquista de Arzila, em 1471, etapa relevante do plano expansionista de D. Afonso V por terras mouras. O Africano quis que o feito militar ficasse registado para a posteridade e encomendou às oficinas flamengas de Tournai (hoje na Valónia) um conjunto monumental de tapeçarias que retratassem os vários momentos da tomada da cidade.

Assim sucedeu, mas por razões misteriosas as tapeçarias foram parar ao Ducado de Infantado, que os cedeu posteriormente à Colegiada de Pastrana, onde se mantiveram durante séculos. A grande questão é que a "transferência" não se deu durante o reinado da dinastia dos Habsburgos, entre 1580 e 1640, mas sim na primeira metade do século XVI, e não consta que fosse qualquer oferenda de casamento a uma qualquer infanta castelhana. Até hoje, não se percebe como é que as tapeçarias foram parar à colegiada da pequena cidade perdida no meio de Castela.

Nelas se retratam o desembarque atribulado, o cerco a Arzila e a tomada da cidade. Em todas, o Africano é representado em destaque, com uma armadura reluzente, distinguindo-se também o Príncipe D. João. Numa quarta tapeçaria representa-se ainda a tomada pacífica de Tânger, cuja anterior tentativa de conquista anos antes redundara num fracasso e custara a liberdade a D. Fernando, o Infante Santo.

Depois de séculos em Espanha, as quatro tapeçarias estão expostas do Museu Nacional de Arte antiga, em Lisboa. Impressionam pela sua monumentalidade e minúcia, retratando todos os passos dos acontecimentos da época. Os Painéis de São Vicente foram temporariamente retirados do seu lugar habitual e colocados mais à frente, para completar o conjunto. A exposição, intitulada "D. Afonso V e a Invenção da Glória", pode ser vista nas Janelas Verdes até 12 de Setembro. E garanto, vale imenso a pena ver aqueles lindíssimos e imponentes tecidos, comparáveis às célebres tapeçarias de Bayeux, que depois de tanto tempo encerrados num obscuro mosteiro espanhol, nos relatam com grande pormenor e arte esse período de conquistas que iniciou a época de ouro de Portugal