segunda-feira, outubro 12, 2009

Balanço das autárquicas




Como já tenho dito, gosto particularmente de eleições autárquicas, pelo imenso micro-cosmos local que se torna visível nestas alturas, pelo Carnaval local em todas as campanhas, por se dar finalmente atenção ao "país real" e aos seus chefes políticos. As autárquicas são uma excelente forma de ir conhecendo o país, apesar de também darem azo a todos os lugares-comuns, que por vezes são de uma ignorância atroz.


Muito provavelmente Fátima Felgueiras e Avelino Ferreira Torres acabaram ontem as suas carreiras políticas, já que não conseguiram impedir as maiorias absolutas dos seus adversários do PSD. Absolvidos pelos tribunais, mas repelidos pelos eleitores nos seus antigos feudos, dificilmente obterão alguma relevância no futuro, se bem que regressos de fantasmas na política portuguesa não sejam assim tão raros. Já Narciso Miranda não irá certamente perder a oportunidade de chagar o mandato de Guilherme Pinto; o patético discurso de ontem, com a frase da noite - "esta candidatura ganhou perdendo as eleições" - mostra que ainda se julga o autêntico "Senhor de Matosinhos". Sempre entrou em guerrinhas com os sucessores, como aconteceu com Manuel Seabra, o que deu origem a um dos mais tristes episódios da política portuguesa, e os seus quase trinta anos de presidência (com muitos actos meritórios, reconheça-se) ganharam ares de culto de personalidade, com o epicentro nos inúmeros banhos de multidão na lota e no mercado.


Como sempre, houve surpresas. Para além de Felgueiras, não pude deixar de me espantar com as mudanças de cores de Beja, Barcelos, Trofa, ou outras menos visíveis, como Mesão Frio e Terras de Bouro, quase todas para o PS, o que alterou um pouco o mapa autárquico. Já Leiria era uma questão de tempo, e a perseverança de Raul Castro acabou por dar resultados. Em Faro, autarquia que muda a cada quatro anos, o triunfo de Macário Correia, por décimas, está longe de surpreender, até porque era uma aposta forte do PSD (embora tenham puxado a manta e perdido na retaguarda Tavira).


Nos grandes centros urbanos perdurou a estabilidade. Não houve uma câmara das mais importantes que tivesse mudados de mãos, e na maioria quem lá estava reforçou o seu mandato.

Mais uma vez se coloca a questão de quem terá ganho estas eleições, se o PS, se o PSD. Para mim, juntando tudo, houve um empate. Mas é mais gravoso para o PSD e para a liderança de Ferreira Leite, que depois das legislativas esperaria uma clara vitória, e que vê claramente as facas afiarem-se. Meneses, reforçado pela sua esmagadora vitória em Gaia (não esquecer que é o terceiro município do país), já o deu a entender.

 
A CDU mantém-se estável, mesmo com a perda significativa e simbólica de Beja, e noutro grau, da Marinha Grande. Aguentou parte do Alentejo e a importante "cintura industrial de Lisboa", nomeadamente Almada e Setúbal.


O CDS conseguiu estancar a hemorragia das locais, mas o que tinha era tão pouco que pior seria quase impossível. Partilha a vitória em muitos concelhos importantes com o PSD (embora só em poucos seja determinante) e quase tomou o seu antigo bastião de Mondim de Basto, palco do episódio mais trágico das autárquicas. E melhorou ainda o score na sua fiel Ponte de Lima ( aproveito para saudar o meu antigo colega de faculdade, Filipe Viana, na altura conhecido justamente pela alcunha de "Ponte de Lima", que teve de aguentar uma luta inglória). A nível local, porém, não consegue fazer a diferença; arrisca-se a tornar-se residual ou meramente a servir de muleta nalgumas coligações.

O Bloco de Esquerda nem isso. Tirando Salvaterra de Magos, e por causa de "Anita", vale pouco mais que zero. O recuo determinante em Lisboa e a incapacidade de Teixeira Lopes de chegar (mais uma vez) a vereador no Porto são os traços mais visíveis dessa semi-irrelevância. Esperemos que com isto Louçã se cale um pouco.

 
Depois, as grandes cidades. No Porto os resultados foram muito semelhantes aos de há quatro anos. Sem grandes ondas, e talvez moderando o seu tradicional sentido para a conflituosidade, Rio limitou-se a ver a desastrada campanha de Elisa Ferreira, que nos últimos dias parecia dar tudo por tudo para perder inequivocamente. Não tendo sido uma hecatombe, ficou um pouco abaixo do resultado de Francisco Assis há quatro anos. O Aleixo terá os dias contados, e ainda bem. Pior sorte terão os mercados do Bolhão e do Bom sucesso, e os jardins do Palácio de Cristal.

Em Lisboa houve algum suspense, mas apenas isso. António Costa manteve a câmara e alcançou maioria absoluta nas últimas horas da noite eleitoral. Tem agora mais espaço para "pôr a câmara em ordem". Espera-se que não abuse do poder que o povo da capital lhe entregou e que promova a facilidade no acesso à habitação no centro da cidade, a melhoria dos transportes públicos, que proteja os jardins e o património imobiliário, e que ouça atentamente o arquitecto Ribeiro Telles.

Quanto a Santana, aconteceu-lhe o inverso de 2001: à frente de uma coligação, perdeu a aposta. Na hora da derrota, pôs-se com tergiversações sobre transferências de votos e mais conversa fiada. Com este desaire (que deixou os seus apaniguados e respectivas catacumbas em forma caixa de comentários à beira de um ataque de nervos, invocando até Cunhal para carpir o "Menino-Guerreiro"), e duvidando-se que queira ser vereador sem pasta, pergunta-se por onde vai ele andar agora. Longe das responsabilidades políticas, espera-se, mas perto da ribalta.
Tomando em conta os ciclos normais deste tipo de eleições, diria que se está num ponto de viragem. O PS venceu folgadamente em 1989 e 1993, em 1997 ganhou à tangente, antes do desastre em 2001. O PSD ganhou claramente em 2001 e 2005, mas nestas já patinou. Seria previsível uma vitória socialista em 2013 se as regras do jogo não tivessem sido mudadas com a higiénica limitação de mandatos consecutivos. Assim, só Deus sabe o que vai acontecer saqui a quatro anos.

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