segunda-feira, dezembro 08, 2008

A miséria do STJ-I


Deixei passar algumas semanas sobre dois casos recentes, mas graves, e que tiveram pouquíssima divulgação. A sua actualidade e importância fazem com que não seja de forma alguma tarde para escrever sobre eles. Falo de duas decisões do Supremo Tribunal de Justiça, cada uma mais deplorável e revoltante que a outra. Atenção: trata-se da última instância da justiça portuguesa.

O primeiro é um Acordão de Outubro que passaria despercebido, não fossem curtas notícias em alguns jornais e um artigo de Inês Pedrosa, na revista Única do Expresso, exprimindo justamente a sua indignação. O STJ, com um voto de vencido, comutou os cinco anos de prisão efectiva de um violador para pena suspensa e o pagamento de 10 mil Euros de compensação. O violador era um Sargento da polícia militar, e a vítima uma miúda de 12 anos. Razões para a comutação? Não haver "preocupações de monta ao nível da reinserção social do arguido e que nada se pode apontar quanto ao seu comportamento anterior ao crime, ou posterior ao mesmo". Além do mais, parece que o violador "continua com o registo criminal limpo, mais de oito anos volvidos sobre os factos" e "está inserido familiarmente" e era "socialmente bem considerado.”. Além disso, “as necessidades de prevenção especial não se mostram, muito fortes, no caso". Culpas? Muito poucas. Ah, parece que "O seu comportamento foi altamente censurável e o recorrente não pode deixar de o interiorizar".


Isto não é uma piada de mau gosto: é uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, e por isso transitada em julgado, que pese embora os factos estarem provados e o arguido não ter apresentado mostras de arrependimento (como se lê no Acordão), deixam-no ir pela "boa consideração social" e outras desculpas semelhantes. A violação de uma criança, que decerto lhe deixou traumas para toda a vida, não mereceu dos supremos juízes mais do que uma repreensão e uma compensação de uns milharzitos de Euros. Provavelmente o estatuto militar da criatura pesou no caso. O "respeitinho" contou mais do que a honra e a integridade física e a vida futura de uma pessoa que pela sua pouca idade, estaria certamente indefesa. Certo é que se a justiça se baixa perante estas tretas, não tem a menor utilidade. Não houve nem acção correctiva nem pena real para um criminoso sem arrependimento: aqueles que supostamente deveriam ser os magistrados mais sensíveis e conhecedores do Direito resolveram fazer uma interpretação literal e sem razão de ser do novo Código de Processo Penal e livrar o violador de mais trabalhos, pouco se importando com a vítima e deixando-a na vergonha e no seu trauma pessoal para toda a vida. Sabendo que o criminoso pouca admoestação teve pela justiça e que qualquer outro violador "respeitável" pouco terá com que se importar se repetir a afronta.
Ou este grupo de magistrados, excepção feita ao vencido, é demasiado incompetente e não merece a posição que ocupa, ou são competem no crime por inacção e merecem eles próprios ser punidos com as regras que se lhes aplicam. Qualquer das hipóteses seria grave num mero Julgado de Paz. No Supremo, são gritantes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Há que ir preparando a sociedade para as leves penas que se adivinham vir a ser aplicadas àqueles que não consigam fugir à absolvição no processo da Casa Pia.

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