segunda-feira, setembro 01, 2008

Guerras de Verão



Os Jogos Olímpicos de Pequim, que à partida seriam o assunto mais debatido do mês que agora acaba, tiveram de dividir o protagonismo com o conflito entre a Geórgia e a Rússia, por causa da Ossétia do Sul (e da Abcázia). Desde o início das hostilidades até à retirada das tropas russas do território georgiano propriamente dito, muito se escreveu sobre de quem seria a culpa, ou a nova ameaça que alguns vêem na Rússia, quando a criam quase por terra.


Desde logo, será bom verificar que a actual Geórgia está bem mais forte do que nas guerras civis dos anos noventa. Com um crescimento económico de perto de 10% e a modernização das forças armadas, o Presidente Saakashvili alimenta a sonho de entrar na NATO e na UE, coisa que seria uma lança no Cáucaso. A aproximação à Europa dos 27 e principalmente aos Estados Unidos, com os quais tem estreitas relações, e cuja ajuda para a Revolução Rosa de 2003 foi determinante, tornam a Geórgia num posto avançado ocidental encravado no flanco sul da Rússia. Precisamente o que os EUA pretendem, para cerca e domar a Rússia e aproximar-se da Ásia Central - e do Irão.


Em 1991, com a queda da URSS, inúmeros entusiastas da Pax Americana deleitavam-se com a humilhação do ex-inimigo, agora transformado apenas num urso de peluche, com o seu presidente beberrão, os seus governantes pró-yuppies e o seu exército decadente e a desfazer-se. Abriam McDonalds em Moscovo e aos poucos foram aparecendo novos oligarcas, donos agora das antigas empresas públicas soviéticas. Mas com a passagem do século surgiu também Vladimir Putin, que os havia de dominar e aproveitar da melhor maneira as necessidades energéticas do Ocidente de petróleo e gás natural.


Um dos maiores erros da história é humilhar povos e estados que já tiveram um passado bélico de respeito, sobretudo se tiverem um forte orgulho nacional, algum rancor e capacidade de se levantar. Basta pensar na Alemanha pós-1919.


Putin usou esse mesmo sentimento para reerguer a Rússia como potência a temer. Ainda por cima o orgulho estava ferido pela adesão do ex-Pacto de Varsóvia à NATO, pelo projecto do escudo anti-míssil nas suas antigas esferas de influência, pelas revoluções multicolores pró-ocidentais nessas mesmas esferas e pela afronta feita à sua aliada Sérvia, com o apoio à independência do Kosovo. Resolveu por isso actuar, coisa que aterrou os que a julgavam hibernada.


A aventura militar da Geórgia serviu às mil maravilhas para mostrar o seu poderio. Tem-se dito, e acho a expressão particularmente feliz, que Saakashvili deu um passo maior que o pé. Apesar das suas forças estarem bem equipadas, também ele devia estar ciente da impossibilidade militar, a menos que estivesse embriagado de megalomania. Provavelmente esperava a reacção russa, mas com a confiança de que a Europa e os EUA a apoiariam. Poderia assim restaurar a soberania georgiana no Ossétia e na Abcázia, aderir a curto prazo à NATO e recuperar o seu prestígio interno. Mas essa confiança era desmesurada, já que se sabe que conselheiros americanos e israelitas o tentaram dissuadir de semelhante empresa. ainda assim, avançou. Os seus planos saíram furados: não conseguiu recuperar a autoridade nas regiões insurgentes e viu os tanques russos a poucos quilómetros de Tbilissi. Talvez a Geórgia ainda possa aderir à NATO, daqui a alguns anos, se prometer não se envolver em semelhantes brincadeiras. O resultado desta curta guerra de Verão, a que mais episódios se deverão seguir, são algumas centenas de mortos, milhares de refugiados e desalojados (para os dois lados) e uma derrota militar e política humilhante. Além de que poderá ver ao seu lado dois futuros estados, antes sob sua autoridade, sem qualquer condição de viabilidade e que provavelmente se tornarão em províncias da Rússia. Moscovo conseguiu os seus intentos, apenas com inofensivas recriminações, e no fim ficou-se a rir.

Só se pode concluir que se tratou de uma aventura absurda e pretensiosa de um país pelo qual até tenho apreço e curiosidade. Mas a e a teimosia megalomania dos seus líderes teima em perdê-los. Gamsakurdia pagou com a vida. Shevardnaze com a destituição e o exílio. Saakashvili (que já mostrou laivos de prepotência) mantém-se no lugar, mas por quanto tempo?

Um comentário:

Nuno Castelo-Branco disse...

Já levou a lição que se esperava. Quanto ao resto, são assuntos do quintal da Rússia, nos quais não nos devemos meter. Nada de NATO com Geórgias, Ucrânias e outras habilidades do género...