quarta-feira, maio 14, 2008

Há meio século, o Porto aclamou Humberto Delgado

Este mês de Maio é mesmo a época de todas as efemérides, comemorações e aniversários. algumas sem grande importância, outras que merecem ser recordadas. É o caso do dia de hoje, quando passam 50 anos da maior manifestação política a que o Porto já assistiu: a chegada de Humberto Delgado, em plena campanha eleitoral.

O "General sem Medo", que dias antes atirara com o famoso "Salazar? Obviamente, demito-o" que tantas preocupações provocara no seio da União Nacional e da candidatura de Américo Tomás, candidatava-se com o apoio de quase toda a oposição política, numa lista de apoiantes que juntava nomes tão díspares como António Sérgio, Rolão Preto e Aquilino Ribeiro. Iniciou uma campanha "à americana" (Delgado era aliás um entusiasta da NATO e dos EUA), sempre em carros descapotáveis e com enormes comícios onde quer que fosse. O de Chaves, por exemplo, ficou famoso. Em quase todas as localidades, com pontuais excepções, era recebido com os eufóricos brados de "Humberto, Humberto". Até dada altura, os líderes da União Nacional, i.e. é, do próprio regime, pouco se importaram. Mas quando Delgado chegou de Foguete ao Porto, eram milhares e milhares os que os aguardavam em frente a S. Bento, enchendo toda a Baixa da cidade. O general teve de prescindir do seu carro para atravessar aquele mar de gente até à sede da sua candidatura, em Carlos Alberto, onde pela primeira vez falou à multidão entusiasmada. Houve também um comício que transbordou de emoção no Coliseu, e outras acções de campanha, que verdadeiramente atingiu a apoteose no Porto. As autoridades, até aí serenamente vigilantes, ficaram apreensivas. O Ministro do Interior, Trigo de Negreiros, em completo desespero, deu ordens ao Governo Civil para parar com as manifestações de apoio ao General, nem que fosse com recurso a disparos sobre a multidão; do Porto, obviamente, recusaram-se a cumprir qualquer ordem, recordando ao ministro os avisos que recebera.


O Estado Novo aprendeu aí a lição, e dias depois, em Lisboa varreu todos os que estavam no exterior do liceu Camões e que não puderam entrar para assistir ao comício. A contrapropaganda e as proibições para "manter a ordem" fizeram a sua aparição. Nas eleições propriamente ditas teve lugar a monumental fraude que é conhecida, com urnas trocadas, pides a votarem várias vezes numa "eleição divertida" e, em certas localidades, Tomaz obteve mais votos do que os inscritos, assegurando assim a sua escolha. Humberto exilou-se no Brasil e encontraria a morte às mãos da PIDE num caso ainda difícil de deslindar. Um erro crasso da parte dos seus mentores. O Estado Novo, que até 58 nunca tivera grande oposição nem preocupações internas de maior, sofreu um enorme abalo com a candidatura de Delgado, a que se lhe juntou a sua morte e a guerra em África. A recepção no Porto foi talvez a maior e mais visível demonstração desse abalo inicial, que tornaria Humberto Delgado, porventura com algum exagero, num herói nacional, e cujo nome passaria a figurar no cimo da Avenida dos Aliados, recordando esse 14 de Maio em que o repetiram em altos brados, como nunca se ouvira antes.

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