segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Oscares

Está a começar a sessão de Oscares deste ano. Não tendo podido ir ao cinema tanto quanto gostaria, também não tenho enormíssimas preferências. Ainda assim, gostava que a tradição se quebrasse esta ano e que Scorcese ganhasse finalmente a sua estatueta. Não vi The Departed, mas toda a sua obra já o justificava, e de que maneira. Pena para Eastwood, mas neste novo duelo ao pôr-do-sol com Marty, espero que ele perca. Frears e Iñarritu têm as suas hipóteses, ao contrário de Geengrass, e noutras circunstâncias até gostava de ver o prémio ir parar às mãos do realizador de Ligações Perigosas. Se Scorcese não ganhar, definitivamente estará criada uma autêntica maldição (ou má vontade) sobre este realizador.

Outro que sofre do mesmo mal é O´Toole, mas não me parece que chegue lá. Não o premiaram em Lawrence da Arábia e agora afadigam-se a tentar compensá-lo. Mas há coisas que se não são feitas na altura devida, mais vale que se fique quieto e calado. Mas infelizmente a Academia não é dada a indiscrições.
Nesta categoria deve acontecer o mesmo que no ano passado, ou seja, o Oscar irá para um actor a quem todos reconhecem enorme talento, que normalmente aparece em filmes menos comerciais, sem grande sex-apeal, e que quando interpreta uma personagem real é que se lembram de o premiar. O caso de Forest Withaker (escandaloso ser nomeada pela primeira vez aos 45 anos) é em tudo igual ao de Philip Seymour Hoffman, e não custa a crer que o resultado final seja o mesmo.
Will Smith e Di Caprio terão de esperar pela sua terceira nomeação. Ryan Gosling não conheço, nem o filme que protagoniza. A nomeação será um bom veículo ou continuará no anonimato?

Na categoria feminina, o nome de Helen Mirren não deverá espantar ninguém, mas contra Her Majesty não há nada a objectar. A ficar navios ficarão uma vez mais Kate Winslet e Judy Dench, que já mereciam qualquer coisinha. ao menos veremos Penélope Cruz lá no meio; quanto a Merryl Streep já deve estar farta de comparecer na cerimónia, com nomeações ano-sim, ano-não.

Secundários? Babel terá uma palavra a dizer. Mas reparo que Cate Blanchett, co-protagonista do mundi-pudim de Iñarritu, surge como nomeada por Notes of a Scandal. O filme ainda não chegou às salas, mas tenho a certeza de que ela merece novo galardão. Só mesmo por se tratar de Blanchett, que é uma razão mais que suficiente. quem sabe se para o ano não ganha a estátua principal, se Hollywood voltara premiar uma interpretação de uma Rainha inglesa.
Entre os senhores secundários, a luta terá a sua piada, mas não faço prognósticos. Talvez entre Alan Arkin (do excelente Little Miss Sunshine) e o renovado Eddie Murphy.

Prémios técnicos à parte, resta-me esperar pelo melhor filme. Que deverá ser Babel, já que a Academia gosta de filmes do gênero, sobretudo quando conseguem ser tão (descarademente) "globalizantes", e para mais agora, que os realizadores mexicanos estão tão na moda.
Vamos lá ver até que hora aguento. Mas sinceramente não espero grandes surpresas. Mas quem sabe, na edição passada aquilo acabou com grandes emoção. E esta noite?

sábado, fevereiro 24, 2007

As (in)consequências da visita de Isabel II a Portugal



Como se assinalou nalguns jornais e blogues, a Rainha Isabel II visitou Portugal em Fevereiro de 1957, há cinquenta anos, durante quatro dias. Não era a primeira vez que um monarca britânico vinha ao país; já Eduardo VII o fizera, em 1902. De qualquer modo, a visita teve imenso impacto, e serviu para cimentar a velha aliança Luso-Britânica e para retribuir a visita de Craveiro Lopes, em 1955.

Não foram poupados esforços nem custos. Exortou-se a população a vir para a rua aclamar a Soberana e a comunicação social a comparecer em peso. Usaram-se coches e um bergantim do Séc. XVIII para transportar a Rainha do iate Britannia, onde chegou, até ao Cais das Colunas, onde Craveiro Lopes e Salazar já a esperavam, com pompa e circunstância.
A família real ficou instalada no palácio de Queluz. Relevantes foram o banquete na Ajuda, com centenas de convidados, o almoço de honra na câmara de Lisboa (onde se retomaram hábitos esquecidos, como o do arauto vestido com as cores da edilidade, ou a guarda de honra prestada por pajens com o pendão dos corvos de S. Vicente) e as visitas ao Bairro da Ajuda (o momento "instituições sociais", com claras instruções para não ir a hospitais nem a sítios com "sick people"), aos Jerónimos e ao Museu dos Coches. Houve ainda uma passeio até à Nazaré (aqui,ao que parece, a pedido da própria Rainha), a Alcobaça, onde os estudantes de Coimbra fizeram uma passadeira com as suas capas, e à Batalha, recordando a ajuda inglesa na utilização da táctica do quadrado em Aljubarrota. No regresso, oportunidade também para ver os campinos e touros do Ribatejo.
Para terminar, houve ainda um banquete no Britannia, em honra do presidente português, com fogo-de-artifício sobe o Tejo. A soberana partiu no dia seguinte de avião, com uma paragem no Porto para receber a "colónia britânica" na Bolsa e na Feitoria Inglesa.

A velha aliança solidificou-se com esta viagem, sem qualquer dúvida. Mas as esperanças do governo português eram outras, e foram compreendidas pela União Indiana. Um mês após a visita, o jornal do Partido do Congresso, de Nehru, publicava um editorial com alusões à "pouca inteligência da Rainha" e às "carnificinas dos portugueses em Goa". O líder indiano ainda pediu desculpas, mas o episódio demonstrou quão acesas estavam as relações dos indianos com Portugal. Quatro anos depois, como se sabe, os territórios portugueses no sub-continente eram ocupados e começavam as insurreições em África.

Portugal pretendia obter o apoio britânico na manutenção a toda a força do Ultramar. Mas a Grã-Bretanha estava a mudar rapidamente. A doutrina de Churchill, que pretendia manter o Império Britânico, tinha sido guardada. Em 1956, a expedição ao Suez, em conjunto com a França e Israel, para reverter a nacionalização do canal por Nasser, redundara num fracasso. A URSS ameaçaram intervir usando a sua força nuclear,e os Estados Unidos pronunciaram-se igualmente contra a intervenção no Egipto. O episódio mostrou quem mandava no Mundo e revelava, de forma cristalina, que as potências coloniais já não tinham a força de outrora. A França perdera a Indochina, começava o processo de independência das suas colónias africanas e iniciava uma sangrenta guerra na Argélia. No Reino Unido, o fracasso levou à queda do governo de Eden, substituído por MacMillan apenas um mês antes da visita da Rainha. O novo primeiro-ministro, de ideias opostas às de Churchill, sendo igualmente Conservador, pretendia desligar-se paulatinamente do Império (fora do âmbito da Commonwealth) e aproximar-se dos EUA, tornando-se o sustentáculo principal dos americanos, e por outro lado aderir à nova CEE.
Ainda em 1957, a Malásia e o Gana alcançaram a independência. A partir dos anos 60, as colónias britânicas foram-se desligando do antigo colonizador, embora algumas tivessem permanecido na Commonwealth com a Rainha como chefe de Estado (outros saíram, como a África do Sul). A autonomia unilateral da Rodésia, encabeçada por Ian Smith, em 1965, teve o apoio de Portugal, coisa que arrefeceu as boas relações com a Inglaterra. Esta aliás considerava que a sua colaboração em questões internacionais jamais deveria estender-se ao Ultramar, e fazia a subtil distinção entre "Portugal aliado na NATO" e "Portugal como potência colonizadora".
Muito embora a visita tenha reforçado os laços entre os dois países, as suas consequências quanto a política externa ultramarina não foram significativas. O fim do Império Britânico enfraqueceu o Reino Unido, obrigando a uma mudança de políticas, e isolou Portugal na sua muito particular visão colonial, o que viria a traduzir-se mais tarde na perda dos seus territórios fora da Europa.
O Welfare State, esse bárbaro

A Dia D, revista de economia que acompanhava o Público, e orgão oficioso para tudo o que é blogoesfera liberal, chegou ao fim. Fê-lo com um momento de assinalável boa-disposição: a crónica de Miguel Noronha. Ao que parece, as razões da decadência social do Reino Unido devem-se à Igreja Anglicana, aos governos de Lloyd George e de Attlee e ao terrífico "Welfare State". Já a Srª Thatcher, que governou o país precisamente quando essa decadência se acentuou e se tornou mais visível (simbolizada pelos hooligans, referidos no artigo, e também com a violência urbana resultante do enorme desemprego da época), teria introduzido reformas para estancar o "trágico resultado", mas em vão.
Acho muito bem que a publicação, uma vez que vai encerrar, o faça desta forma. O bom humor faz sempre falta, e nesse aspecto, os peritos económicos, por muito que o disfarcem, são autênticas reservas espirituosas.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

O típico governo italiano

O Governo Prodi caiu porque o seu programa "externo" não passou no Senado. Nada de espantar. A média de duração de um governo italiano desde a 2ªGuerra (isto é, durante a República) é de dez meses, sendo que muitas vezes o anterior chefe do executivo é reconduzido ao cargo, coisa que ao que tudo indica, voltará a suceder. A instabilidade governativa italiana é um velho costume político que só mesmo Mussolini quebrou. Uma vez que a Itália vai continuar a viver em democracia, os governos vão consequentemente durar, na melhor das hipóteses, ano e meio. Contra isto não há Mãos Limpas que lhes valham.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Entrudo em Lazarim


Dia de Carnaval, Terça-feira Gorda, comemorada nas Ovares e Loulés deste país, com samba, dançarinas semi-nuas e carros alegóricos. O mesmo se passa em Veneza, Nice, Salvador e Nova Orleães.
Mas entre o Douro e Trás-os-Monte as tradições são diferentes, e seguramente mais antigas. Aqui existe o Entrudo, permitem-se excessos mais físicos que visuais, muitas vezes camuflados debaixo de carantonhas, e reavivam-se tradições que, depois dos anos de interdição durante o Estado Novo, se tornaram um chamariz de forasteiros. Como eu.

Em Podence, Macedo de Cavaleiros, onde os caretos infestam as ruas com as suas travessuras e os seus chocalhos e os seus trajes garridos,ocultados por máscaras bizarras, ou em Lazarim, onde são de madeira e os mascarados se vestem de forma mais diversificada e incrível, o Entrudo é uma imagem de marca destes dias frios. Dirigi-me para esta última aldeia, apanhando a estrada para Tarouca, depois de Lamego, e virando à direita após Britiande. Por entre uma paisagem mais de lameiros que de vinhas, atravessa-se a aldeia de Lalim, que já vem da Idade Média (como quase todas, nesta zona), onde a estrada se converte em apertadas ruelas. Mais uns quilómetros e estamos à vista de Lazarim, nas faldas da Gralheira. Para chegar ao centro da povoação há que deixar o carro na borda da estrada, a umas centenas de metros, que o intenso movimento assim o obriga.
 
A festa começou no fim de semana e tem o ponto alto na Terça, com a leitura dos jocosos "testamentos", o desfile e o concurso dos caretos, a queima dos compadres e a comezaina final. Com bombos e banda pelo meio.
Pouca sorte: chego já na altura do cortejo e tenho necessidade de me ir embora ainda com luz do dia. É o suficiente para me inteirar das festividades. Lazarim é antes de mais uma antiga povoação que se alonga pela estrada fora, abrindo-se num largo central e terminando nas ruelas adjacentes. Nas bermas, espalham-se vendedores de cavacas de Resende, cavacórios, vinho da região, recordações da aldeia, postais e até t-shirts alusivas à ocasião.


Os caretos vêm no sentido contrário ao meu, precedidos pela banda que os anuncia. O cortejo é encabeçado por uma espécie de líder dos mafarricos de madeira, montado num burro. Descem até se concentrar no largo, exibindo as suas fatiotas e fazendo barulho, no meio da multidão que os aplaude e fotografa. Na casa brasonada que domina o terreiro está montada uma varanda/palanque à laia de palco do concurso, onde os caretos começam a subir um a um. Aí, apresentam-se e vão retirando as máscaras. A grande maioria é da aldeia, mas mesmo os de fora provocam o gáudio dos assistentes.








Nem todos estão atentos ao concurso. Encostado ao cruzeiro a meio do largo, um homem de fato de ver a Deus, largo capote por cima, lenço ao pescoço e chapéu igual ao que os Gato Fedorento usaram no rap matarruano mal se aguenta de pé, perdido de bêbado. Inclina-se para a frente, descai para trás, e a certa altura tomba mesmo, perante algum riso e a pronta ajuda dos confrades. Há quem aproveite a quadra festiva até à náusea, ou pelo menos, aos limites dionisíacos.





Acabada a exposição dos caretos, os ex-mascarados dispersam-se e o júri retira-se para deliberar. Entretanto, a banda cria ambiente, tocando freneticamente, com bombos e concertinas, cantigas de Quim Barreiros. Apesar do frio (zero graus às 6 da tarde, e vê-se neve nas montanhas ao longe), a animação nas pessoas é visível. Por um Euro, compra-se uma extensão enorme de cavacas de Resende, ideal antes de entrar na Quaresma. Eis o autêntico comércio tradicional, o dos almocreves e das feiras, antes de qualquer loja ou armazém, que hoje nos parecem ser de outro tempo.

O júri demora muito, e como tenho de voltar cedo, saio de Lazarim ainda com a luz da tarde. Ainda há muita gente no largo. Sei que haverá a queima dos Compadres e que a festa acaba em farta comezaina, com caldo de farinha, feijoada e vinho. Óptima maneira de encerrar o dia, para os que ficam. Uma ideia que consola é que a tradição, agora reavivada e cada vez mais conhecida, retomar-se-à para o ano. O tempo também pode andar para trás nas coisas boas da vida.

Este relato diz respeito ao Carnaval de 2006, mas parece que este ano, em que não pude repetir o passeio, a folia voltou em grande escala. Também o Bichos Carpinteiros descreveu o mesmo evento, mas dois dias antes. Ao que parece, sou um dos "duros" que esteve no epicentro da festa. Ou quase.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Sanchez na Venezuela?

Num post do Hoje há Conquilhas, que subscrevo e recomendo, diz-se a certa altura que algumas das pessoas que ao nome Salazar pegam na pistola "alimentam a esperança de que Hugo Sànchez substitua, na América Latina, o retirado Fidel Castro". Aqui confesso que fiquei desorientado: então Hugo CHÁVEZ deixou o poder, logo agora que estava a criar a sua querida república socialista e em que iniciava as suas próprias conversas em família, com a respectiva secção de apresentação de livros (muitos exemplos marcelistas segue Chávez)? E logo para que o antigo craque e actual seleccionador mexicano ocupasse o seu lugar, e, ao que parece, o difícil papel de Fidel? Estrangeiros a ocupar o lugar de chefe de estado num país sul-americano não é coisa inédita, na ficção como na realidade, desde o próprio México, com o efémero imperador Maximiliano, até à BD.
Agora do ex-craque nestas lides é que não estava à espera. Se tiver a mesma relação com a governação como com os golos, os adversários, a começar pelos EUA, que se preparem. Mas mais valia que o elemento estrangeiro da Quinta del Buitre continuasse a dar instruções a Kikin Fonseca e não tentasse aparecer na fotografia com o guevarista Maradona. Não lhe fica bem, depois de anos de rivalidade, e sempre conserva as simpatias que os seguidores do Atlético de Madrid e os Ultra Sur, na sua maioria pouco predispostos a socialismos, lhe dedicaram.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

O Público mudou

Digam o que disserem, torci o nariz à a nova imagem do Público, que considero descaracterizado, indistinto de outras publicações e graficamente desengraçado. Como não o tenho comprado nos últimos dias, ainda não pude testemunhar outras alterações de fundo, mas do que me tenho apercebido, as novas divisões são uma confusão, há igualmente rodagem de colunistas, e também temo pelos suplementos semanais. Se tivessem conservado o logótipo, com o acento azul sobre o "u", ainda podia pronunciar um relativista "´tá bem, pronto". Um jornal não tem, antes pelo contrário, de ser uma coisa anacrónica ou inerte, mas sim de acompanhar o mundo e as suas conjunturas e mutações.
Mas não. Nem isso. Mudaram tudo, de cima a baixo. É pena, porque há sempre pequenos símbolos a que uma pessoa se agarra, e que considera em parte seus. Os jornais e as características que transportam são um claro exmplo disso, até porque fazem parte da vida pública de uma sociedade.
Posso vir-me a habituar, em parte, mas definitivamente este Público deixou de ser o jornal a que me habituei desde o início, quando me levantava ao Domingo por causa do Júnior, e que jamais dispensei.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

A tentação da raiva

Falo agora não do referendo que passou, mas das suas reacções. Como se esperava, entre os "vencedores", houve reacções mais moderadas ou racionais. Mas não faltaram igualmente os ajustes de contas, os odiozinhos recalcados a virem à superfície, em suma, tudo aquilo que muitos queriam dizer e não puderam para dar o ar de "moderados". Entre casos mais ou menos graves, dou como exemplo este destapar de irracionalidade, má-fé e triste figura, provavelmente um caso clínico, de uma criatura chamada Carlos Esperança, alguém que vive ainda no tempo de Afonso Costa e que se pudesse correria a incendiar todas as igrejas que encontrasse pelo caminho. Ficou muito claro, através deste post troglodita, quais as reais intenções de alguma dessa gente: "achincalhar a igreja". O que equivale a insultar milhões de portugueses em nome dos seus dogmazinhos das catacumbas. Percebe-se: esta malta sabe que nunca conseguirá subverter a igreja - i.e. acabar com ela - e diverte-se com as vingançazinhas blogoesféricas. Que seja essa a alegria deles, o matchbox para brincar sabendo que nunca terão um em tamanho natural, já que na prática, só mesmo olhando para as litografias da esquecida Iª República.
Adenda: o já célebre editorial do El Pais considera que o CDS é um partido de "ultra-direita", que o Algarve, o Alentejo e a cintura de Setúbal são regiões "avançadas", e que "a voz do Portugal laico e moderno elevou-se sobre o silêncio do país atrasado". É só exemplo das imbecilidades proferidas pelo editorial (e não por qualquer coluna de opinião) de um jornal espanhol "de referência", que assim dá uma imagem deturpada e ideologicamente marcadíssima de Portugal, para quem não conhecer este país. quem não o ficar a conhecer a partir de agora, que o compre. E que leia também este post , antes de tudo.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Depois do referendo

O que há a dizer no rescaldo do referendo? Que a minha escolha, aqui e aqui expressa, perdeu nas urnas. Só soube do resultado lá pelas onze horas, porque antes disso estava num comboio entre Porto e Lisboa. Não foi a vitória do "sim" que me espantou e entristeceu, mas a diferença clara entre as votações.

Como não tenho os pruridos do PCP, entendo que a escolha dos que votaram deve ser respeitada, mesmo que o referendo juridicamente não seja vinculativo (como não o fora em 98). Faço votos para que a nova legislação seja moderada e não deixe de considerar o aborto um mal, dando o necessário atendimento às grávidas e não esquecendo o direito à maternidade, constitucionalmente consagrado, mais a mais num país com fraca natalidade.
Mas como já se disse repetidamente noutras partes, a questão não está nem pouco mais ou menos resolvida. Temo que o número de abortos suba, e não apenas nos primeiros tempos, mas também que o SNS tenha ainda mais dificuldades em atender os pacientes habituais, que o aborto clandestino permaneça (em alguns meios vai com certeza subsistir) elevado, e que se observe a aberrante situação de ver as mulheres de Espanha a vir abortar ao nosso país, quando em certas situações uma portuguesa tem de ir dar à luz a Badajoz. Sim, isso pode muito bem acontecer, e não é por acaso que já há uma clínica espanhola especializada em abortos a ser montada em Lisboa... mesmo antes de se saberem os resultados do referendo. Quem viu a entrevista a uma cinicíssima representante dessa casa não poderá com certeza ter deixado de reprimir um arrepio pela espinha.

Os vencidos da noite foram portanto os que estavam do lado do não, como eu, excepto talvez uma pessoa: Ribeiro e Castro. Com uma campanha infatigável, quase sozinho, foi o líder do único partido que disse "não" e na declaração oficial não atirou a toalha ao chão, prometendo que continuaria atento e a lutar pelas suas convicções. Ganhou um grande capital político, que Portas e os seus acólitos terão de enfrentar doravante.
Outros derrotados: Marcelo, claramente, e Marques Mendes. O PSD não entra nestas contas devido à sua divisão entre as duas opções. E embora tenha criticado este partido pela sua campanha ambígua, devo igualmente felicitá-lo: se a questão não era política nem partidária, então partido algum devia ter tomado posição, deixando o caminho aberto para os vários grupos de cidadãos. A partidarização de questões desta natureza é que tem tendência a afastar as pessoas das actividades cívicas; e nem assim se compreende os apelos para que a Igreja não se metesse ao barulho. Afinal de contas, porque é que os direitos dos partidos a fazerem estas campanhas prevalecem sobre as confissões religiosas? Só se a questão fôr afinal política, coisa que não é ou não deveria ser.
De tudo isto, retira-se ao menos um facto positivo: a maior participação dos cidadãos organizados fora das esferas partidárias. Um exemplo que deve frutificar.

Entre os vencedores, Sócrates, claro. A vitória do "sim" deve-se provavelmente a ele e a mais ninguém. A diferença entre 98 e 2006 esteve provavelmente na mobilização do governo e do PS quase todo, com as raras excepções do "não". O PCP conseguiu enfim ver aprovada na prática a tese de licenciatura do seu líder histórico, mas quanto a capital político, é duvidoso que tenha ganho muito. O BE terá ganho esta batalha, mas pelas reacções pantomineiras duvido que tenha angariado muitos trunfos. Aquele cartaz do "Bem-vindos ao Século XXI" é uma coisa confrangedora. Como é que pessoas que vivem, na melhor das hipóteses, nos anos setenta, podem servir de anfitriões ao Século XXI? Aquilo era antes um "bem-vindos à pós-modernidade"; tinha muito mais a ver com aquele partido e com este momento.

Como disse atrás, a questão está longe de estar resolvida. As convicções não se calam por causa de uma derrota nas urnas. E quase aposto que um dia terá de se fazer novo referendo sobre o assunto, mas noutro sentido. Se uns o puderam repetir, porque não os outros? É assim que funciona a democracia.

domingo, fevereiro 11, 2007

Não é para me fazer à lista, mas o Corta-Fitas merece os meus parabéns atrasados. Quanto mais não seja porque passou a ser um blogue de leitura diária obrigatória, depois de meses de indiferença a que o votei. A ignorância tem destas coisas. Muitos parabéns, então, e que o blogue continue exactamente como é.
Este ano já não ganhamos a 25ª

Eu já estava pessimista desde o sorteio, e as minhas desconfianças concretizaram-se da pior maneira: fomos afastados da Taça por um clube da Divisão de Honra. Não é tão mau como a eliminação do Porto frente ao Atlético, mas era escusado. Não me lembro de ver o Benfica ganhar naquele horrível estádio da Póvoa, que de bom só tem o estar em frente ao mar (e mesmo isso vai ser alterado).
O meu trauma já vem de 2001, naquele jogo em que ficou célebre a frase "deixem jogar o Mantorras". Lembro-me que paguei couro e cabelo, fiquei empilhado com os outros benfiquistas em meia bancada, mesmo sendo em maior número que os varzinistas, depois de me terem recusado a entrada no lugar a que tinha direito, e ainda vimos os locais a beneficiarem de uma arbitragem péssima que nos roubou descaradamente um penalty. A partir daí, fiquei com uns sentimentos de ternura em relação ao Varzim que me fazem anualmente desejar a descida da divisão onde se encontrem.
Infelizmente, continuamos sem ganhar naquele maldito estádio.Mas lá virá o dia (e que seja de novo na Taça, sinal de que os poveiros permanecerão nas divisões inferiores). Agora é recuperar a equipa para o decisivo encontro com o Dínamo de Bucareste. E desta vez tem de haver mais golos da nossa parte, entendido, Eng. Santos?

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Bem sei que a campanha do aborto está a deixar todos pelos cabelos. Mesmo assim, queria chamar a atenção para os posts do Timshel relativos ao assunto. A série Pasolini, o cineasta maldito italiano , é altamente recomendável, assim como os vários links dirigidos ao tema. Mais uma estocada na ideia de que esta discussão põe a esquerda e a direita em compartimentos estanques. Só surpreende a quem andar desatento.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Balcãs ou Cáucaso?


Tirando a Grécia (e mesmo assim, apenas a região da Ática), não conheço nada dos Balcãs. Essa região montanhosa, de que ouvimos falar quando ocorrem distúrbios e conflitos étnicos, com reminiscências ortodoxas e muçulmanas, e desde o último alargamento rodeada - se não ocupada - pela UE, apenas se me revelou vista do ar. Lembro-me claramente de ver Corfu quase a tocar na costa albanesa, e a linha do Adriático a banhar Montenegro e Croácia.

Sendo uma região ainda algo desconhecida nos roteiros turísticos e com amplas diferenças culturais no meio desta Europa "civilizada" onde vivemos, tenho desde há muito uma curiosidade imensa de conhecer essa região. Não somente (mas também) a parte mais visível e visitável, como as ilhas gregas ou as estâncias croatas; são sobretudo as cidades romenas e búlgaras, os Cárpatos, a tripartida Macedónia, o idílico Montenegro e até a misteriosa Albânia que chamam por mim. Aqui há uns anos, como tivesse a oportunidade de ir a um congresso de estudantes em Budva, aldeia costeira montenegrina, cheguei a elaborar um complicado plano, em que iria por terra de Veneza até à dita localidade. Mas tive exactamente nessa altura os meus exames de fim de curso e o plano gorou-se (ainda assim, pouco tempo depois passei por Veneza). Desde então, pensei em fazer larga peregrinação pela Grécia, mas a coisa ficou igualmente adiada.

Continuo com planos muito, muito teóricos para ir aos Balcãs. Depende sempre de uma data de factores, desde a disponibilidade, as economias, companhias, e, claro, a situação política que não prima pela estabilidade, embora não tenha grande vontade em ir para o Kosovo. Mas o interesse mantém-se. Sei que lá irei, só não sei quando.

 
Entretanto, brincando com a Wikipedia, fui dar a uma região de que me tinha esquecido, mas que, ao me ser mostrada em tempos num documentário televisivo, me tinha deixado assombrado.

No centro do Cáucaso, no norte da Geórgia, um país também politicamente instável e à procura do seu rumo, entre montanhas que ultrapassam os 5000 metros, existe uma região quase perdida, um povo com costumes ancestrais, que venera São Jorge e as matriarcas de família, tem um dialecto próprio e vive em aldeias vigiadas por torres medievais. Uma região chamada Svaneti, rara nos mapas.

Se pensava que os Balcãs eram algo de remoto, coisa que já não são assim muito, que dizer desta fronteira-sul entre a Europa e a Ásia? Confesso que apesar das dificuldades evidentes em ir até tal região, dados os conflitos no Cáucaso e os deficientes meios de transporte, fiquei com uma enorme vontade de ir até lá. Isto sim, seria uma aventura com o seu quê de autêntico. Apesar de tudo, parece-me que será mais fácil ir antes aos Balcãs. O Svaneti, depois de tantos séculos de pachorrento isolamento, não vai certamente sair do lugar.

Voltarei a este tema, mas acharia graça ver mais blogs com notas dedicadas ao assunto.

Mestia, capital do Svaneti, com as omnipresentes montanhas ao fundo
Novas actualizações no blogue Norte pela Vida.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

E prossegue esta infeliz e insuportável campanha



Continua a campanha para o referendo à despenalização da IVG (de vez em quando há que falar em linguagem politicamente correcta, que também não traz mal ao mundo e amansa as almas). Parece que alguma propaganda do "não" tem sido mais infeliz . Também não estava à espera que fosse um mar de rosas, sobretudo quando se cai no apelo da lágrima fácil, ou, pior ainda, se vem com a bíblia numa mão e Nossa Senhora de Fátima na outra. É óbvio que qualquer argumento cai por terra quando aqueles meios entram em jogo.
 
Do lado do "sim", a coisa também não corre pelo melhor. A começar por um dos outdoors mais espalhados ou nos panfletos que os "jovens pelo sim" distribuem infatigavelmente pelas ruas pedonais fora. Uma coisa claramente enganosa, mostrando uma menina de ar tristonho e belos olhos atrás das grades...quando se sabe que não há uma única mulher presa por fazer um aborto proibido pela lei. Também esse lado da campanha se deixou contaminar pela emoçãozinha fácil, como se vê.

Depois, claro, há a famosa "tolerância" e "racionalidade", tão bem demonstrada numa tarde lúdica de apoiantes do "sim". Uma actriz, dizendo-se empenhada em "questões sociais", à pergunta sobre os direitos do embrião, respondia que "a mulher também tinha direitos"; não consegui perceber bem o resto da resposta, mas pareceu-me que a pergunta não tinha sido satisfeita
Mais radical conseguiu ser o prestável Pacman, do grupo da doninha. À mesma pergunta, o rapper apenas disse isto: "Os direitos do feto? Pois, mas eu acho que a mulher tem direito ao corpo e ponto final". Ponto final aos direitos do feto, também, é o que se pode concluir desta declaração. Quem disse que os defensores do chavão "na minha barriga mando eu" tinham desaparecido?

Depois, um rapaz com piercings e ar de gostar de ir a manifs disse que na última semana a campanha do "não" iria recorrer a todos os tipos de mentiras, de chantagens, etc. Ou o jovem tinha um qualquer poder de premonição que nos escapa, ou então resolveu falar por falar para assim encontrar um pretexto para radicalizar o discurso.

Entretanto, realizou-se novo debate do "Prós e Contras". A parte que vi não correu mal, com argumentos esgrimidos sem grande gritaria e com algum respeito mútuo. Vá lá que Lídia Jorge deixou-se ficar em casa. Mas fiquei curioso com o discurso de Adolfo Mesquita Nunes: até tinha pontos bastante pertinentes, que dariam base para novas discussões (como a da lei actual também não se referir à vontade do progenitor nos casos em que prevê o aborto), mas com aquele afã anti-estatista deixou-me intrigado. Então a mulher grávida deve ter assistência quando quiser abortar (se o "sim" ganhar, claro) mas o estado não deve intervir? Então onde é que ela se deve dirigir? A uma clínica privada? E se não tiver meios, se as ONGs não acorrerem ao caso concreto, se recorrer ao "vão de escada", que é uma das questões mais puxadas para o debate? Aborta de forma clandestina na mesma? Mantém-se o crime e a situação que o "sim" diz querer evitar. A única alternativa que consigo vislumbrar seria o Estado pagar os abortos para que as mulheres que "precisassem" o fizessem nas clínicas privadas. Querem ver que depois da ideia do cheque-educação vai haver o cheque-aborto?

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Entusiastas de uma vida breve

O ex-franco atirador, agora cultor de uma vida breve e entusiasta da despenalização + liberalização do aborto, assistiu ao debate de segunda-feira relaccionado com o referendo de dia 11. Assistiu mas viu umas coisas assaz estanhas. Parece que os defensores do "não" eram todos muito maus e os do "sim" todos muito brilhantes, sensatos, sensíveis, enfim, uma maravilha. Consta mesmo que Lídia Jorge (absolutamente inenarrável) teve "bom - senso" ao falar na "coisa humana". Já dá para ver a profundidade da análise. Mas fica igualmente o registo das duas partes da sessão que Luís M. Jorge teve o cuidado de descrever até onde a sua imaginação delirante o permitiu.
Ah! E não deixem de ler os comentários do clube de fãs, crendo que aquilo que leram era realmente o debate que se passou na televisão. Uma menina fala mesmo da "atrapalhação da gente acéfala do não perante as tiradas brilhantes da gente do sim". É só tolerância e honestidade intelectual, entre a malta do sim. Ao menos divertem as pessoas, e quem sabe, as "coisas humanas".

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Já há 99 anos
Há 99 anos, dois carbonários assassinaram a tiro o rei D. Carlos e o Príncipe Luís Filipe. D. Manuel escapou por pouco e sentou-se no trono por menos de 3 anos. Os assassinos acabaram imediatamente por ser mortos pela polícia , mas foram igualmente apelidados de "mártires". Os organizadores do atentado, fossem eles quem fossem, não chegaram a pagar pelo crime e acabaram também eles chegar ao poder, em 1910.
A propósito do Regicídio, alguns elementos do Corta-Fitas resolveram imaginar, há já uns meses, o que teria acontecido a Portugal se a tragédia não tivesse tido lugar. O Amigo do Povo respondeu ao repto e elaborou três versões alternativas da história de Portugal no Sec. XX, sendo que a de Luís Aguiar Santos é particularmente pormenorizada (tem inclusive abastada bibliografia). Ainda não pensei bem no caso, mas talvez deixe aqui a minha história sucedânea.