terça-feira, novembro 29, 2005

Acordar (da mesma forma)

Esta senhora está sempre a acordar de todas as formas possíveis e imagináveis. Este cavalheiro segue-a de perto. Eu não vario assim tanto. Acordo quase sempre da mesma maneira, e com a mesma disposição.



Bom, talvez tenha exagerado. As minhas manhãs serão antes assim:



Digamos que as manhãs não são a minha parte do dia favorita, sobretudo quando não durmo bem (isto é, quase sempre). No Inverno, então, acho que deviam ser suprimidas - para mais no nosso Inverno português, ameno mas sem neve. Devia haver uma lei que proibisse tais horas, pouco católicas e propícias a constipações. Não estarão os senhores candidatos às presidenciais interessados em debater o assunto? O Dr. Soares, por exemplo, é capaz de estar.

Em relação ao primeiro blog linkado encontrei lá um post curioso e familiar. Apenas discordo que Cabo Sounion seja o início: ali, mais do que tudo, a Ática acaba onde o reino de Poseidon começa. Por isso mesmo o veneravam no seu templo, e é exactamente dali que o mar Egeu deve o seu nome, atribuído, como quase tudo na Grécia, pela sua omnipresente mitologia.
Também não concordo que seja quase desconhecido: nos cartazes turísticos helénicos só encontra rival na Acrópole, e na ocasião em que lá estive, que nem sequer era no Verão, os turistas eram aos montes (até portugueses) . Falei certa vez do Cabo Sounion, aqui, no quinto parágrafo, e vejo agora que deixei uma promessa por cumprir: tenho de voltar em força a falar deste lugar mágico. Desta vez, a promessa não será vã.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Assim vão os blogs

Definitivamente, a opinião em Portugal passa cada vez mais pelos blogs. Mais uma figura do jornalismo (?) português decidiu escrever fora de um orgão de imprensa. Já não temos de esperar pela sua habitual prosa semanal contra "os terroristas dos palestinianos", "a esquerdalhada", o "governo estatista" ou "este sítio muito mal frequentado": temo-lo aí, diário e pontual. Sim, é verdade: António Ribeiro Ferreira escreve agora no Estado do Sítio, a bélica designação que já utilizava na sua coluna do DN. Não há que enganar: a truculência e o estilo rasteiro são os mesmos.

Se uns chegam, outros partem: o BdE, uma das grandes referências da blogoesfera, que já existia nesta segunda versão há dois anos e que nasceu há quase três, está a fazer as despedidas. Não me revendo politicamente no "estatuto" do blog, é justo reconhecer que a sua paragem representa o fim da primeira geração de blogs (se não contarmos com o Abrupto). Uma saudação aos seus elementos, em especial aos irmãos Silva, inexcedíveis e brilhantes.

Rui Albuquerque e o meu estimado Rodrigo Adão da Fonseca saíram do Blasfémias e decidiram iniciar uma carreira a solo (no caso do primeiro é antes um retorno ao modelo individual, como bom liberal que se preza), com os novíssimos Portugal Contemporâneo e Blue Lounge. Dois projectos a seguir.

Por último: já alguma vez falei deste blog? Talvez valha a visita, sobretudo dos cinéfilos.

PS: estamos a 25 de novembro de 2005. Se os blogs existem, deve-se também a este dia.

PS 2: como seria de esperar, os ex-BdEs não são pessoas para ficar paradas. Vai daí, já arranjaram novos espaços, juntamente com outros parceiros. Aspirina B e a Invenção de Morel (penas de JMS) são os seus nomes. Os escribas são por demais conhecidos.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Elogio à Coimbra dos futricas

Fazendo horas para apanhar o comboio que viria de Lisboa recolher-me para me trazer de volta ao Porto, pensava que era simplesmente indecente nunca antes ter entrado no ilustre café Santa Cruz, pegado à Igreja do mesmo nome (onde respousam os restos mortais do nosso primeiro rei e do seu filho Sancho, o Povoador), na Praça 8 de Maio, em Coimbra. Isso porque já tinha passado algumas vezes em frente ao dito estabelecimento, parado à porta, rondado pela praça e entrado na vizinha igreja, mas nunca tinha sido seu consumidor ocasional. Mas no Sábado vinguei tal afronta, instalando-me nas suas cadeiras de couro austero, tomando um café enquanto mirava o DN e lia a reportagem da GR sobre um outro conhecido blogger, embora com óbvio exagero, como se fosse uma das vozes mais influentes da pátria.
O café, é preciso que se diga, é mais do que um simples "Majestic" ou "Brasileira" conimbricense. Uma pequena relíquia, num espaço anexo à Igreja vizinha, de que já foi parte integrante; era notoriamente uma capela, tendo conservado (e bem) o seu tecto em ogiva, e outros discretos aspectos que denunciam as suas antigas utilidades litúrgicas e clericais. confesso que não conheço bem a história nem os motivos que levaram a que o antigo templo (ou parte dele) tivesse sido convertido em ponto de encontro social. Ainda assim, a junção de algum ambiente sacro, embora dissimulado, com o ambiente de café clássico, o seu mobiliário escuro, os vitrais, os lustres, produz um resultado nobre e encantador, sem deixar de ser sóbrio.
À saída, o ambiente da praça mostra que está em paz com o mundo: o chão está ainda molhado das chuvas, mas o céu apresenta-se de um cinzento suave e metalizado; inúmeros traseuntes cruzam o espaço; uma anciã vende castanhas, e o fumo que sai do fogão ambulante espalha-se pela praça provocando um efeito outonal singelo e reconfortante, embora já se note um certo ar invernal, provocado também pelas (muito precoces) iluminações de Natal. O momento da semana em que mais me senti em paz com o mundo, antes de, em passo acelerado, atravessar a "Baixinha", com as suas ruelas labirínticas, lojas e lojecas vendendo de tudo um pouco, e apanhar a ligação para Coimbra-b.

Praça 8 De Maio, com a igreja de Santa Cruz
ao centro, a câmara municipal à esquerda (com tapumes) e o café Santa Cruz à direita.

Nota: a paz antecedeu a viagem de comboio, em que tive de ficar ao lado de um casal hippie (ela) e sorna (ele), e que volta e meia se punha aos beijos a dez centímetros de mim, com uma indiscrição que por certo teria enfurecido Miguel Sousa Tavares e José António Saraiva. Isso para lá de outros passageiros que ora ostentavam o cabelo do João Pereira (para pior), ora dirigiam aos outros olhares enigmáticos, entre as suas vestes góticas, punham-se a entoar versos em voz alta, como aquele senhor de idade perante o ar enfiado da mulher, ou ainda aqueles que arrastavam pesadas mochilas de interrail, sem grande espaço onde as colocar; pior do que isso, só mesmo aperceber-me da presença no comboio do meu antigo professor de Obrigações (não tanto por causa dele, mas sim das Obrigações).
Para acabar de forma indelével com a tarde que tão bem tinha começado, poucas horas depois o Benfica perdia em Braga no último minuto, num golo em fora de jogo.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Ufff (vencemos os helvéticos)!

O jogo não era a feijões, como o da Selecção-A, e por isso todo o esforço era pouco. Sem manuel Fernandes, a coisa era mais complicada. Os helvéticos, diga-se, entraram a todo o gás, o que, alido à sua maior pujança física, provocou os estragos consequentes que se verificavam no fim da 1ª parte. O juíz da partida, é certo, resolveu chatear um bocadinho a partir dos 30´.
Segunda parte, alterações nas Quinas, os alpinos perdem força, o ataque ganha poder de fogo, e dois oportunos golos põem as Esperanças no europeu da classe, que doravante se realizará no nosso país. O público, garanto-vos (até porque também eu era uma componente), jamais deixou de apoiar os rapazes, ainda que a temperatura exterior não fosse a melhor. E a equipa correspondeu. Almeida aplicou uma valente cabeçada no sítio certo, e Varela, o Didier Drogba português, aguentou-se bem à bronca e carimbou o acesso ao campeonato.
Mandava a mais elementar das lógicas, conjugada com a mais pura das justiças, que uma equipa que em onze jogos ganhou...onze jogos, não ficasse pelo caminho precisamente no último e mais decisivo embate. Que acabou por ser superado. E morrer na praia perdendo contra os suíços, o povo mais desinteressante, moralista e usurário da Europa, se me permitem, seria francamente mau. O destino, se é que o há, jogou do lado certo.

terça-feira, novembro 15, 2005

The Constant Gardener

Eis um forte concorrente a filme do ano: The Constant Gardener, O Fiel Jardineiro, obra de John Le Carré agora adoptada ao cinema por Fernando Meirelles, realizador que ganhou o reconhecimento internacional com o muito aclamado Cidade de Deus. Já o esperava há umas semanas, e o que vi há dias não me decepcionou.
Talvez tenha sido antes surpreendido pela crueza de certas situações. Não é, evidentemente, um filme para relaxar, nem para se levar a avó ou o filho de dez anos. Não. A violência, a pobreza extrema, a tremenda desigualdade social, a corrupção a nível governamental tudo o que caracteriza a miséria de África está lá. Uma miséria que não dispensa todavia a cor e a abnegação, mas que é acentuada pelas maquinações que dão origem à trama.
A história, é já conhecida: o pacato diplomata que se dedica à jardinagem, a sua incansável mulher e a sua militância contra as experiências farmacéuticas, o que lhe custa a vida ( e a do seu amigo médico), a revolta que assalta o marido apanhado de surpresa, etc. A mudança brusca no carácter do protagonista Justin Quayle converte-o num novo homem, capaz de interrogar tudo e todos, de se deslocar entre Nairobi e Londres, Berlim e o Sudão (já não os Estados Unidos, como no livro) para descobrir os reais motivos que levaram à morte da sua mulher. Por trás da história de espionagem/interesses obscuros tão comum em Le Carré surge também uma história de amor, de um amor quase póstumo e deseperado.
O Travelling de Meirelles é constante. Não há muitos momentos para respirar durante o filme. a fotografia, essa, é pouco menos que fabulosa. Em relação às interpretações, só tenho a dizer que de Ralph Fiennes, um dos meus actores favoritos e um dos grandes representantes da arte de representar britânica, espero sempre o melhor, e mais uma vez não me desiludiu. Como disse uma qualquer crítica da imprensa, no seu olhar imóvel quando toma conhecimento da morte de Tessa, perpassa uma quantidade enorme de sentimentos em catadupa, quase ao mesmo tempo. Rachel Weisz surpreendeu-me muito, com um registo mais maduro do que o habitual com bastante sobriedade, o que é notável para quem está na pele de uma activista particularmente emotiva e algo desbocada.
Por razões compreensíveis, o filme lembra-me outras duas opus : o já referido Cidade de Deus e O Paciente Inglês, provavelmente por rever Fiennes, com ar perdido, apaixonado e desorientado, errando pelo deserto. Até ao terrível mas comovente epílogo, na paisagem desolada mas irreal do lago Turkana.
O filme continua em exibição. Vão ver, se não estiverem numa de relaxar, pensando que embora não se retrate uma situação real, coisas daquelas deverão suceder com toda a certeza em África. E não desviem os olhos do ecrã. Admirem uma obra arrojada, dramática, tortuosa. E belíssima.

sexta-feira, novembro 11, 2005

A coincidência a 10 de Novembro

Soube por este meio que o grande capitão Águas, o "Capitão dos Campeões", como lhe chamaram, faria hoje 75 anos se fosse vivo. Não fazia a menor ideia, mas deixo aqui o facto. O mais curioso é que, também neste dia, o meu avô materno, que infelizmente nunca conheci, faria cem anos. Curioso porque há uma relação com o facto de eu ser benfiquista.
Apesar do meu avô não ter sido exactamente um grande desportista nem um particular adepto do futebol (ainda que tivesse tido a chatice de presidir a uma colectividade desportiva transmontana por aclamação), tinha uma característica singular: não gostava do Porto nem de nada que estivesse relaccionado com a cidade. Embora esse meu avô seja uma referência para mim - pelo seu espírito livre, apesar de ter sido um conservador à moda antiga, e pela sua convicção na monarquia - neste aspecto eu jamais poderia concordar com ele, visto que nasci e sempre vivi na Invicta. Contudo, o seu passado em Lisboa (depois de uns tempos de diletantismo em Coimbra) acabou por fazê-lo preferir o Glorioso quando se tratava de fazer a (já na altura) sacramental pergunta sobre o clube a que se pertencia. A minha mãe, muito embora sendo do maioritário grupo feminino a quem o futebol nada diz, adoptou a mesma escolha encarnada. Por isso, por influência materna, tornei-me benfiquista, graças aos céus, não tendo seguido as preferências mais esverdeadas do meu pai (apesar de nunca termos tido discussões sobre bola demasiado sérias, além daquele jogo em que o SLB venceu em Alvalade com um golaço de Geovanni e em que os meninos da Juve Leo resolveram passear no relvado).

Ao meu avô materno(morto pouco antes do 25 de Abril, que nada o teria surpreendido) devo assim, não só a minha crença na monarquia e num conjunto de princípios e valores essenciais, como a eterna paixão pelo Benfica. Afinal, se acreditasse nos astros, tudo isto teria uma razão facilmente explicável: nasceu 25 anos antes do imortal Águas (e já agora, cinquenta antes de uma sua sobrinha). Uma coincidência espantosa e feliz. Não querendo, por razões de reserva, postar aqui uma imagem do meu avô, deixo a imagem do Capitão levantando a Tça dos campeões de 1961, se exeptuarmos a Taça Latina o primeiro troféu internacional ganho por um clube português, depois de um jogo épico contra o Barcelona, onde também ele marcou na vitória por 3-2.

quarta-feira, novembro 09, 2005

La France en flammes

É o assunto de que todos falam: a revolta dos adolescentes dos guettos parisienses (e não só), em especial da zona norte, de longe a mais degradada, o ódio à solta, a destruição de veículos, os ataques a cidadãos vizinhos e à polícia, a contestação a Sarkozy, enfim, todo o caldo de violência que invadiu o hexágono. Uma situação parecida com a do Maio de 68, mas sem o romantismo e o espírito livre inerentes aos soixante-huitards.
Pessoalmente não conheço muito bem o fundo da situação, nem os bairros em questão, a não ser alguns a sul de Orly, onde não há nem de longe nem de perto a degradação suburbana nem o clima de violência que se fazem sentir (e o mapa dos distúrbios mostra bem que esta zona foi bem mais poupada). Mas já passei por Saint Denis, em trânsito do Charles de Gaulle, e não fiquei com uma imagem muito positiva do lugar nem da gente que o habita. Mas como disse, não posso escrever muito até haver uma acalmia, e aí sim, se fará o rescaldo e consequente reflexão sobre o que se está a passar. Entretanto, bloggers e comentadores de todas as tendências continuarão a dissertar sobre o modelo social francês, as palavras de Sarkozy, o silêncio de Villepin, a não integração dos emigrantes, a degradação suburbana, o radicalismo islâmico, a arrogância dos franceses, etc.
Aconselho a todos estes textos de Henrique Raposo, no Acidental, ou os do Bom Selvagem, com o seu proverbial optimismo. Em sentido oposto, os do Insurgente, com o habitual wishfull think do "fim do estado social" perante o "superior estado liberal", e uma quase euforia por ver em que estado está a França, são absolutamente de fugir, a não ser para ver até que ponto vai a arrogância ultraliberal.
Até lá, deixemos o sr. Sarkozy actuar. Porque a onda vai necessariamente passar. Só à vista dos escombros é que se poderá relançar o debate e tirar as justas conclusões.

segunda-feira, novembro 07, 2005

O regresso do MFA

Só para completar o post anterior: quem der uma volta por Coimbra, ali para os lados do Penedo da Saudade, com excelsa vista para o Calhabé, ou perto do Jardim Botânico, encontra inúmeras inscrições nas paredes com a sigla MFA. Não se assustem: os militares não decidiram revoltar-se uma vez mais, como prometem regularmente todos os 25 de Abril. Por baixo da sigla pode-se ler o seu significado: Movimento Força Alegre. Há pois uma força silenciosa na Lusa Atenas que, muito apropriadamente, apoia o poeta-deputado. Desde que não usem blindados, acho muito bem.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Candidatos, regressos e razões

Passadas as autárquicas, o assunto de que se fala são, inevitavelmente, as presidenciais, em especial o fim longo do tabu (mais um) do professor Cavaco, em confronto com as inúmeras candidaturas de esquerda. Bem sei que não devia falar muito do assunto, uma vez que, para quem leu o pequeno texto ali no cabeçalho, saberá que a minha vontade seria fazer referência a El-Rei de Portugal e não ao Sr. Presidente da República. Mas é neste regime que vivemos, e como o regresso da monarquia ainda não é para já, detenhamo-nos para falar um pouco dos senhores que vão ocupar a chefia de Estado nos próximos anos.

Antes de mais, esclareço: ao contrário da maioria dos monárquicos, eu voto nas presidenciais. Por uma questão cívica mas também pelo simples facto de que não há actualmente bases - populares, leia-se - para haver monarquia em Portugal; assim sendo, e como não quero ver isto entregue aos bichos, voto para que seja escolhido o representante da Nação e da (argh) República, apesar de não deixar de compreender aqueles que se abstêm de ir às urnas.

Como já é tradição acontecer, os partidos mais afastados da função governativa (e mais nas margens do regime democrático) apresentaram os seus candidatos, ou seja, os respectivos líderes, para lhes emprestar uma maior áurea de seriedade. A tarefa não parece colher muito êxito, quer pelas forma despudorada com que fazem a colagem candidato/partido (veja-se a apresentação de Jerónimo de Sousa, em que o próprio anunciou a sua cabdidatura como se de um terceiro se tratasse), quer pelo objectivo único a que se propõem, que é o de "impedir a direita de conquistar a presidência". Outro fim poderia passar por uma desistência para beneficiar um candidato de esquerda melhor posicionado; como ambos recusam esse cenário, fica-se com a impressão de que não concorrem para muito mais e que os seus votos virão do núcleo duro do seu eleitorado. O mesmo se pode dizer de Garcia Pereira, com menos atenções que há cinco anos, embora tenha uma postura mais rebelde e menos "aparelhística". A luta, poré, é a mesma, e o lema é, como sempre, "ousar lutar, ousar vencer".

Agora sim, os pesos pesados. Soares é o que se sabe: "pai do regime", conhece os cantos à casa de Belém como nenhum outro e continua a respirar política. Os argumentos relativos à sua "provecta idade" são um disparate pegado, típico de gente que ainda não aprendeu que Soares é a última pessoa que se deve substimar. Mas será razoável pensar-se que alguém que já ocupou todos os cargos políticos relevantes devia deixar definitivamente lugar a novas pessoas, e por consequência, a novas ideias. A eterna figura de "Pai da Nação" não o favorece desta vez, e além do mais o país é bem diferente do que era em 85. Agitar o fantasma da direita revanchista não leva a lado nenhum, até porque candidato algum pertence a esse segmento político. Atacar esses mesmos candidatos é um tiro pela culatra que atingirá inevitavelmente o pé, sobretudo pela forma desabrida com que o fazem, como de resto é bem visível pelos textos destes senhores, que se lembram de falar de toda a gente envolvida nestas eleições menos do candidato que apoiam. Esta candidatura, em suma, é mais um reflexo do ego de Soares e da infinita admiração que alguns lhe têm do que um movimento de grande necessidade ou rasgo, como em 85, ou de pacífica consagração, como em 91. Soares avança porque se vê como um político imprescindível, porque não confia em Cavaco nem na sua falta de "humanismo", porque apesar de toda a sua astúcia e instinto ainda não entrou realmente no Séc. XXI.

Manuel Alegre é um caso bastante diferente. O nosso vate favorito, com aquela pose meio aristocrática meio republicano de 1910 (no fundo é um cruzamento dos dois), resolveu fazer meia-volta e mergulhar de cabeça nas presidenciais, sem grandes apoios nem partidos embevecidos, proque "é republicano". Confesso que apesar desta última razão quase dei um salto ao ouvirem directo a declaração de candidatura de Alegre, em Águeda, fazendo justiça à sua proverbial frontalidade. Para aumentar a confusão presidencial temos agora um candidato sem grandes tropas mas também sem os costumeiros aparelhos partidários atrás. É o mesmo que dizer que traz uma lufada de ar fresco (quando fizerem a comparação com Zenha, lembrem-se que ele tinha atrás de si o PRD e o PCP) à batalha eleitoral.

Po fim, Cavaco Silva, o professor regressado que acabou enfim com outro tabu, porventura o mais longo. A sua eleição é um dado quase adquirido (embora, como em todos os casos, merecesse alguma prudência, que eu penso que o professor tem). As sondagens atribuem-lh largo favoritismo, a imprensa está com ele, a esquerda moderada adoptou-o, o PSD rejubila, a direita resigna-se ao que há. Parece ser o sucessor mais óbvio de Sampaio. E não admira, não só pela restante oferta como pela maneira messiânica e simultaneamente conciliadora e apaziguadora com que se apresenta, numa estratégia em que nada parece ter sido deixado ao acaso. Entusiastas não lhe faltam, desde aqueles que julgam que Cavaco irá logo dissolver a AR por causa "do governo ilegítimo" e da "armadilha de Sampaio", como é o caso do semper-cavaquista Vasco Graça Moura ( e muito surpreendentemente por Miguel Veiga, a avaliar pelas suas declarações recentes), até aos que acham que será um complemento perfeito do governo de Sócrates, e um garante de estabilidade, caso de Belmiro de Azevedo, entre outros. Espera-se pela clarificação das ideias de fundo da candidatura, das quais até agora só houve um ligeiro esboço.

Os dados estão lançados, e à excepção do muito provável vencedor, tudo o resto (quer dizer, os pontos secundários) será avaliado em Janeiro. Como eu gostaria que isto acabasse? Sim, como os demais, com Cavaco eleito. Mas só à segunda volta, com Manuel Alegre como adversário directo.
Agora espero não voltar a falar deste assunto até ao ano que vem.

Só para completar o que acima disse de Soares: apesar de considerar essa candidatura como o seu maior disparate político de sempre (como aliás lho disseram alguns dos seus fieis amigos de outras tendências), não é por isso que me esqueço que se vivemos em Democracia e temos eleições, a ele se deve, assim como o facto de pertencermos à União Europeia, e tantas outras coisas (como a importância e utilidade do Bloco Central, o governo mais injustamente sub-valorizado de sempre). E também não é nenhum senil nem nenhum pobre velhinho, como alguns pseudo-comentadores de fraca sabedoria andam para aí a ronronar. São atitudes que consigo conceber vindas da extrema-esquerda otelista ou do PC, ou da extrema-direita saudosista do 24 de Abril, mas nunca de sectores pretensamente democráticos. Assim, temos de ouvir incongruências dessa irrelevância política que é Nuno Morais Sarmento, ou daquele lunático fossilizado que volta e meia escreve no DN coisas dignas de uma novela mexicana, um não sei quantas Mendia, admirador confesso da época colonial, para quem "Soares é muito pior que Pinochet". É pena que a memória seja curta, a ignorância tão vasta e a mediocridade tão consentida. Mas é o preço a pagar por vivermos num regime livre, o mesmo que Soares ajudou a construír.