quinta-feira, junho 23, 2005

Véspera de S. João

Nos últimos dias as oportunidades para actualizar o blog não têm sido muitas. Em breve, espero, a situação vai-se alterar.
Mas hoje não será o dia ideal para isso. Depois de anos privado da maior festa da cidade (e, porque não, uma das maiores festas populares do Mundo), hoje ninguém me impede, salvo força maior, de celebrar o S. João - ainda por cima Santo com o meu nome - até às tantas. Se há uma noite de festejos, é de certeza a de 23 para 24 de Junho.
O Verão chegou, e aí estão os Santos Populares a prová-lo e a recebê-lo da forma costumeira.
Um óptimo S. João a todos os que tiverem oportunidade de o festejar!

sexta-feira, junho 17, 2005

Aviso à navegação

Só para avisar que o Eelko Van Mulder deixou caír o seu pseudónimo de sonoridade vagamente neerlandesa e ficou apenas com a denominação do seu sub-título: Crónicas de "Um" VagaMundo. Tenho uma certa pena, pelo título original do blog, ao qual já me tinha habituado. Mas nome à parte, tudo o que realmente interessa conservou-se no seu lugar. Quem não conhecer é favor lá ir fazer uma visita, que vale bem apena. Recomenda-se moderação, porque pode criar vicío.

terça-feira, junho 14, 2005

Um Santo António de desaparecimentos

Álvaro Barreirinhas Cunhal 1913-2005



Por muito que represente o marxismo-leninismo mais dogmático, o comunismo mais ortodoxo e seja um defensor dos que reprimiram a Primavera de Praga ou dos que pretenderam instalar em Portugal um regime proto-soviético em 75, é impossível não ficar alheio ao carisma do líder comunista que hoje desapareceu. Dois dias depois, curiosamente, do "companheiro" Vasco Gonçalves, pelo que se poderia bem dizer que com eles o PREC morreu definitivamente.

A intransigência de Cunhal e a extrema defesa dos seus ideais comunistas são algo que perturbam o comum dos mortais. O afastamento de outras correntes mais avançadas de diversos PCs na Europa ocidental, como os de Espanha e Itália (e em menor medida o de França), na direcção oposta à da lealdade para com Moscovo, é outro elemento de marca com carga menos positiva, assim como as purgas verificadas em fins dos anos 80/ princípios dos anos 90, que coincidiram com a liquefação dos glaciares soviéticos. Mas o que atrai em Cunhal é exactamente a sua coerência e a força com que assistiu à queda do mundo em que acreditava, e que o ajudou a resistir às inúmeras torturas físicas e psicológicas durante a clandestinidade, assim como a vários anos de isolamento na prisão.

Para além do sua rígida leitura do marxismo, fica-nos também a sua aura mais romântica: a clandestinidade, as idas à URSS ainda muito novo ou o acompanhamento in loco da Guerra Civil Espanhola, a prisão em Peniche durante largos anos (nos quais traduziu obras de Shakespeare, desenhando as respectivas ilustrações), a sua faceta de romancista e desenhador, a defesa extrema que fazia da reserva da sua vida privada, bem como da família, etc.

A sua morte não constitui surpresa, até porque há muito que não saía de casa, provavelmente com estado de saúde precário. Ver-se-à se a profecia de que "quando o Cunhal desaparecer o PCP vai ao ar" se cumpre, embora já não acredite tanto nisso, já que o líder histórico há muito que se encontrava ausente ( e Jerónimo de Sousa mostra que bebeu directamente dos seus pensamentos), apesar de rábulas como a célebre leitura do discurso por Morais e Castro. Mas ainda que esperada, não deixa de constituir o fim de uma época e de um dos mais carismáticos políticos portugueses do século XX, que abraçou muito jovem a causa do comunismo e não mais a largou até ao fim dos seus dias.

Eugénio de Andrade/ José Fontinha 1923-2005


Outro desaparecimento algo esperado mas nem por isso menos penoso: Eugénio de Andrade, até ontem o maior poeta português vivo (salvo talvez Herberto Hélder), deixou-nos esta madrugada. Natural da Beira-Baixa, vivia há mais de cinquenta anos no Porto, tendo trabalhado como funcionário público. Morou muitos anos perto do jardim de S. Lázaro, até se mudar para a fundação com o seu nome, obra de inúmeros amigos e da Câmara Municipal do Porto, no Passeio Alegre, ao lado de outro homem das letras, Rebordão Navarro, e defronte do preciso espaço onde o rio encontra o mar, que tanto o inspirou enquanto lá viveu.
Lembro-me do dia em que lá fui, numa visita de estudo, no meu último ano do secundário. O poeta, que imaginava mais fechado e avesso a questões, recebeu-nos de forma cordial e simples, no pequeno auditório da fundação, leu-nos alguns dos seus mais recentes poemas da altura e respondeu a todas as perguntas que lhe fizemos (julgo que terei sido o mais insistente, mas sinceramente já não sei o que lhe perguntei). Falou-nos do seu fascínio por alguma poesia de outros autores, como Camilo Pessanha ("Conchas, pedrinhas e pedacinhos de ossos") e das suas impressões gerais da vida. Deixo-lhes um dos textos poéticos da sua autoria, que me lembro de ler na altura da visita, tirado de "O Sal da Língua", seguido de outro poema lindíssimo dedicado à pessoa que mais amou na sua vida.



ACERCA DE GATOS

Em Abril chegam os gatos: à frente o mais antigo, eu tinha dez anos ou nem isso, um pequeno tigre que nunca se habituou às areias do caixote, mas foi quem primeiro me tomou o coração de assalto.Veio depois, já em Coimbra, uma gata que não parava em casa: fornicava e paria no pinhal, não lhe tive afeição que durasse, nem ela a merecia, de tão puta. Só muitos anos depois entrou em casa, para ser senhor dela, o pequeno persa azul. A beleza vira-nos a alma do avesso e vai-se embora. Por isso, quem me lambe a ferida aberta que me deixou a sua morte é agora uma gatita rafeira e negra com três ou quatro borradelas de cal na barriga. É ao sol dos seus olhos que talvez aqueça as mãos, e partilhe a leitura do Público ao domingo.
(O SAL DA LÍNGUA)

Poema à mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...
Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."
Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...
Boa noite. Eu vou com as aves!

(Eugénio de Andrade, Antologia Breve)

segunda-feira, junho 13, 2005

O PPM acabou



Em 1974, com o advento da Democracia, o Partido Popular Monárquico era a única força política democrática que relembrava os ideais da monarquia sem os habituais e constrangedores complexos miguelistas ou integralistas. A sua importância, ao não deixar caír a recordação de oito séculos de história, foi extremamente importante, apesar do seu residual peso eleitoral. Além disso, os monárquicos-populares foram também a primeira força a defender princípios ambientalistas (muito antes dos pouco autónomos "Verdes"), expressos na campanha contra a instalação de centrais nucleares em Portugal ou por um urbanismo de qualidade nas cidades, que contemplasse os espaços verdes, os cursos de água e as culturas tradicionais que tinham sido o sustento de tanta gente há séculos e séculos no coração das urbes. Como é sabido, apesar da sua diminuta expressão nas urnas, chegaram ao poder via AD, tendo ocupado lugares no Parlamento e no Governo. Eram os tempos de Gonçalo Ribeiro Telles, Barrilaro Ruas, Luís Coimbra e tantos outros, como o velho Rolão Preto, convertido à democracia e já esquecido das suas aventuras nacional-sindiclistas dos anos trinta.
Acabada a Ad, o PPM voltou aos magros resultados abaixo do 1%. Houve no entanto a excepção das Europeias de 1987, em que Miguel Esteves Cardoso, com uma campanha personalizada e imaginativa quase entrava em Estrasburgo (imagine-se o que seria o MEC a discursar no PE!); por pouco não o voltava a conseguir em 89, só que a elevada abstenção trocou-lhe as voltas.
Depois disso, assistiu-se aos tradicionalismos e corporativismos de Nuno Cardoso da Silva e ao desfilar de um conjunto de líderes sem carisma nem senso, que terminaram com o caricato Pignatelli Queiroz e o apoio do PPM a Pedro Santana Lopes, em troca de dois lugares de deputado. Pelo meio houve ainda lugar para todo o tipo de saudosismos das ex-colónias e rejeições à UE, com pseudo-nacionalismos inflamados e bacocos.
Pois bem: quando se julgava que o PPM tinha descido ao seu ponto mais baixo, eis que a sua liderança é tomada por um dos novos deputados - à custa do PSD, relembre-se- que é, nada mais nada menos que o fadista Nuno da Câmara Pereira. O marialva, o homem que sem ponta de argumentos afirma que D. Duarte Pio não é o verdadeiro Duque de Bragança, em detrimento de uma qualquer prima sua (recorde-se que D. Manuel II atribuíu os direitos sucessores a D. Duarte Nuno, pai do actual pretendente ao trono), a criatura que acha que "o aborto devia ser totalmente proibido menos a raparigas abaixo dos dezoito anos, porque até essa idade devem poder prevaricar". Para cúmulo, na direcção nacional sentar-se-á o seu irmão Gonçalo, pifío fadista que reside na inanarrável Quinta das Celebridades (não, parece que já não, segredam-se aqui).
Ribeiro Telles afastou-se da vida partidária (com breve incursão no MPT), dedicando-se agora apenas à arquitectura paisagística; Barrilaro Ruas desapareceu, Luís Coimbra apoia agora Sá Fernandes, e MEC escreve regularmente no DN e na Blitz. O velho partido monárquico e ambientalista acabou. As ideias monárquicas são agora fielmente representadas pela Causa Real .
Com estes excelsos representantes do marialvismo de pacotilha, ancorado em fados, touradas e pouco mais, sem a menor visão do Mundo actual e ostentando a subtileza de um cacto, o PPM chega ao termo do seu caminho (muito, muito) descendente com a expressão que se lhe adivinhava há muito: a de uma caricatura. Paz à sua alma.

(Sobre o mesmo tema aconselho a leitura deste texto de António de Sousa-Cardoso, no Expresso desta semana).

terça-feira, junho 07, 2005

Se Serralves não existisse tinha de ser inventada

Há já algumas semanas que Lordelo do Ouro vinha sendo objecto de notícias pouco abonatórias, como a do assassínio da menina do Bairro do Aleixo, das despropositadas declarações do pároco a propósito da hedionda morte da criança, ou, há dias, a do homicídio de um pobre taxista de sessenta anos, em plena luz do dia e a vinte metros do hotel Ipanema Park.
Como nem só de más novas vivem as freguesias, Serralves teve o bom gosto de reeditar as quarenta horas non-stop, forma reduzida das Noites Brancas de Paris ou Roma, em que se podia visitar todo o espaço da fundação de graça. Claro que o rótulo da gratuitidade levou milhares de portuenses ao idílico espaço, aos seus jardins, prados, concertos, exposições e colóquios. O sucesso era esperado, mas a quantidade de gente que por lá passou deve ter superados as expectativas. Pela minha parte não posso falar das tardes em que as famílias aproveitaram para se estender na relva, uma vez que só me desloquei à Fundação quando já era noite cerrada e enormes luzeiros iluminavam as milhares de pessoas que por lá circulavam.



Neste ponto de encontro as pessoas acotovelavam-se a descer as escadas

Num prado normalmente reservado ás de ovelhas, uma tenda de circo expelia música ora aparentada com o reegae, ora parecida com coisa nenhuma, tais eram os guinchos agudos da intérprete. Como seria de supôr, acabou com techno puro, já despontava a alba. Embora tenha estado na prado a maior parte o tempo, não perdi a magnífica exposição de fotografias de Paulo Nozolino (atenção, até dia 12) ainda no início da noite, tendo reservado a dos projectos de Siza Vieira para as primeiras horas da manhã, quando os noctívagos se arrastavam para fora de Serralves e os madrugadores ainda não tinham aparecido. Ainda que a noite não dormida me pesasse em cima, foi gratificante passear pelo museu iluminado pelos primeiros raios de sol, com um fundo musical belíssimo (um estranho encadeamento sonoro, comovente e babilónico ao mesmo tempo) e uma ansiada placidez, depois das multidões que por lá circularam. À saída, os jardins respiravam todo o ar da manhã luminosa. A noite branca tinha valido bem a pena.
Sim, Lordelo,- onde Serralves também se situa - já merecia uns momentos de alegria, para variar um pouco das semanas antecedentes.

sábado, junho 04, 2005

Adio, Trapattoni



Afinal sou obrigado a falar novamente de bola, por uma razão que já se adivinhava há tempos: o técnico que devolveu ao Benfica o título de campeão decidiu voltar para itália, por razões familiares. Muitos, apesar dos apressados agradecimentos, terão ficado alegres. Eu não.
Talvez nem tanto pelo que poderá ser a próxima época: com um bom técnico e mais algumas soluções no banco, e se não houver nenhuma revolução no plantel, podemos pensar em fazer uma campanha europeia aceitável e revalidar os títulos internos. a questão é outra. É que apesar de todas as críticas que lhe foram feitas ao longo de época, tanto por benfiquistas como não-benfiquistas, assim como "defensivo", "Trapalhoni", "senil (aos 65 anos!)"ou "acabado para o futebol", e da ingratidão que muitos mostram, fiquei-lhe eternamente agradecido não só pelo fim do jejum como pela enorme dignidade que demonstrou, pelo nível que manteve e pela paciência face ao vendaval de críticas que ouviu. Soube ser pragmático e realista a partir do momento que ficou a saber o que valia o plantel no seu todo, mais os seus adversários ("em Abril e Maio é que se resolvem os campeonatos", disse), e não embandeirou em arco quando se começou a distanciar na tabela. Conseguiu ser além disso de uma correcção extrema, apesar de alguns lapsus linguae e gaffes. A sua forma de viver os jogos, ora serena, ora exaltada e emocionada, fará saudades. As suas tentativas de falar um português italianado com espanhol pelo meio (fizera o mesmo na Alemanha) também. E convém sobretudo lembrar que já não tínhamos um treinador tão titulado desde o tempo de Bella Guttman, nem sequer Ericksson. Trap não é apenas um conhecido treinador italiano: é um dos mais vitoriosos de sempre, o único que até agora conseguiu ganhar TODOS os troféus europeus, e que por isso mesmo se poderá considerar uma lenda viva do futebol. Basta lerem este artigo de Luís Freitas Lobo intitulado "No trilho da raposa" para confirmarem isso mesmo: Trap é um dos raríssimos técnicos já campeões por três países diferentes, e é o recordista em títulos europeus. Mas o mais impresionante é que ainda conserva toda a sua humildade, simpatia e naturalidade, não precisando de escudar-se em frases-choque ou atitudes de ser "o maior da minha rua".
Que regresse então Trap a casa, à sua família e a um qualquer clube transalpino que tenha a sorte de o contratar. Já não precisa de provar nada a ninguém, e a desilusão (ou azar) que teve na Squadra Azzurra já passou à história. Sai em grande do SLB, ao qual devolveu a alegria. e confirma o que eu disse aqui mesmo quando chegou à Luz: velhos são os trapos, não os "Trapas". E para rematar, deixo aqui o currículo desse grande senhor do futebol europeu que é Giovanni Trapattoni.

Uma Taça dos Campeões Europeus
UmaTaça Intercontinental
Uma Taça das Taças
Três Taças UEFAS
Sete campeonatos italianos
Um campeonato alemão
Um campeonato português
Duas Copas Itália
Uma Taça da Alemanha
Uma supertaça alemã
Duas supertaças italianas

Arrivederci, Trap.