sexta-feira, abril 01, 2005

Requícios pascais

- Uma celebração litúrgica nocturna na igrejinha da paróquia, nas faldas da serra, tem muito mais significado do que se fôr rezada pelo Bispo na Sé da Diocese. É necessário, no entanto, que o celebrante não seja daqueles que por tudo e por nada ameace os fieis com as labaredas do Inferno, e que o coro não se exprima com agudos em demasia. Posto isto, informo que entre a população feminina que acorre a tais celebrações de aldeia, tanto encontramos respeitáveis senhoras de lenço negro e orgulhoso buço como jovens de ar gentil e corte de cabelo agradável.

- Maldizia eu o facto da chuva só ter aparecido exactamente nos dias em que a não desejava, quando eis que um meteorologista vem dizer ontem, com um ar de assistente novato, que nos últimos dias só tinha havido precipitação significativa "no Minho e na região de Bragança". Nada no Douro, portanto. O que significa que a carga de água que apanhei em cima quando vinha desesperadamente a patinar Almacave (Lamego) abaixo, com medo de descer aos tombos, era pura imaginação. Ou o barulho da chuva a caír durante a noite, bem como a lama que repetidamente me enterrava as botas, ou os rios - como o Corgo - e riachos a correr furiosamente em direção ao Douro foram mera alucinação. Terei então de consultar um bom psicólogo, ou então perguntar o que se passa com os discípulos de Anthímio de Azevedo.

- Na Grande Reportagem da semana passada vinha uma carta de alguém que incensava a atitude do Padre Serras Pereira, com o sugestivo título de "aviso aos pecadores". Nela, o seu autor afirma que "os católicos modernaços são espertalhões", porque "procuram as regalias da religião sempre pecando a torto e a direito enquanto assobiam para o lado". Fala ainda no dito Serras Pereira, "pronto a fazer imperar os bons costumes religiosos", elogia os "ideais do Partido Nacional Renovador", e conclui com um fero "podem fugir mas não se podem esconder".
Das duas uma: ou o criador desta epístola é alguém senil ou maníaco-obsessivo; ou não é, está no seu perfeito juízo quando escreve tais palavras, e faz tábua rasa da desautorização de que Serras Pereira foi alvo por parte de D. José Policarpo, o que me recorda igualmente duas situações descritas nos Evangelhos: a primeira é a da mulher adúltera (Lucas 7, 36-50); é óbvio que para atirar tantas "pedras" como as que traz na mão a pessoa em questão jamais cometeu pecado algum, salvo talvez o pecado da presunção. A outra situação é a do homem que reza de pé, para que todos o vejam, e que agradece a Deus o facto de não ser "como o resto dos homens", como o publicano que, de cabeça baixa, bate no peito (Lucas 18, 9-14). Para quem não sabia como era, o indivíduo que escreveu aquela carta mostrou o que é ser um fariseu dos nossos tempos.

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