segunda-feira, dezembro 06, 2004

Breve sumário da "queda do poder no regaço".

No Eixo do Mal de ontem mencionou-se de novo que "o poder caiu no regaço de x". A expressão não é nova na vida política portuguesa, mas é sistematicamente restaurada quando a cadeira do executivo muda de mãos. Diz-se isso a propósito de Santana e Guterres, mas a realidade, para os mais rigorosos, é bem diferente.
Pode-se dizer que, até 1985, a tal "queda" não tinha ainda feito a sua aparição - embora estivesse próxima disso, no Verão Quente, perante a ameaça da esquerda mais radical tomar o poder. O PS soarista (tanto o de 76 como o do Bloco Central) e a AD alcançaram o poder por si mesmos, e não por força das conjunturas. Mas em 85 o poder voa pela primeira vez. Com o Bloco Central no poço da impopularidade (de forma injusta e ingrata, reconheçamos), golpeando de forma mais dura o PS, e aproveitando a ascensão fugaz de um meteórico PRD, o PSD de Cavaco Silva lá conseguiu a sua primeira maioria, de menos de 30%, que lhe permitiu governar por dois anos, até o PRD e o PS cometerem a imprudência de votar uma moção de censura. As posteriores maiorias são já de total responsabilidade de Cavaco himself.
Dez anos mais tarde, com a chegada de Guterres ao poder, Marcelo Rebelo de Sousa diria que o mesmo lhe tinha caído no regaço por acaso. Nada mais precipitado: Guterres teve total merecimento na ascensão ao governo, pela forma como decorreu a sua campanha e como derrotou Fernando Nogueira, apenas com a ressalva do PSD estar naturalmente desgastado por 16 anos no poder.
Este voltou a cair no regaço de alguém, sim, de nome Durão Barroso, que tinha-se aguentado periclitantemente à frente do partido laranja, com as ameaças de Santana e Marques Mendes, mas que quando chegou a hora atingiu a maioria graças mais ao estertor do Guterrismo e à inabilidade de Ferro Rodrigues do que aos seus trunfos pessoais. Cumpriu-se assim a sua máxima "serei Primeiro-Ministro, só não sei em que dia". Algo em que poucos acreditavam.
Como hoje se sabe, Barroso deixou-se tentar por um cargo de inegável prestígio internacional - apesar de ser uma segunda escolha para o lugar - e impôs Santana Lopes no seu posto. O Partido, servilmente, acedeu, o Presidente concordou, e o autarca de Lisboa chegou assim ao cargo que nem os mais ferrenhos santanistas lhe vaticinavam: a chefia do Governo. Se algum exemplo de "queda no regaço" haveria a apresentar, ele aqui está, em todo o seu esplendor. A sorte saiu de forma avassaladora a Santana Lopes. Não procurou jamais este poder: ele encarregou-se de o encontrar.
Caído o desastrado (oso) executivo, com fim anunciado para Fevereiro, ainda que possa ser continuado, os ventos de mudança parecem agora acompanhar José Sócrates, o recentemente empossado líder do PS. Este certamente não esperaria ir a votos tão cedo, o que o vai obrigar a despachar a estratégia de combate e as anunciadas "Novas Fronteiras"- o regresso dos Estados Gerais, agora sob a mão hábil de Vitorino. Se, como se prevê, venha a ganhar as próximas Legislativas, poder-se-á dizer um pouco que também no regaço de Sócrates cairá o poder. Caber-lhe-á provar que o merece, e para isso pede-se-lhe que se deixe de evasivas e diga o que realmente pensa. É que para políticos a quem o poder inesperadamente aterra nas cabeças sem que tenham o menor mérito, já nos bastou Santana.

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